Relatório da Semad aponta 12 falhas gravíssimas no lixão de Goiânia; saiba quais

Secretária Andrea Vulcanis disse que, com base nas informações técnicas contidas no relatório, a situação do lixão de Goiânia é irreversível

Um relatório feito pela equipe técnica da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em maio deste ano, constatou pelo menos 12 falhas gravíssimas envolvendo o Aterro Sanitário Municipal de Goiânia. O local opera sem licença ambiental válida e em desacordo com normas técnicas legais e, por isso, é considerado um lixão. 

Duas ações de fiscalização foram realizadas lá, nos dias 1º de fevereiro e 24 de abril de 2025, e ajudaram a embasar o relatório. Durante as ações, a equipe da Semad conversou com funcionários do lixão, com pessoas que moram próximo da região e funcionários do Aeródromo Nacional de Aviação, também localizado nas proximidades. 

Conforme o documento, os principais descumprimentos vistos no lixão Goiânia são:

  1. Localização inadequada;
  2. Falta de todas as licenças ambientais obrigatórias;
  3. Projetos de impermeabilização e drenagem ineficazes;
  4. Sistema de monitoramento ambiental precário ou inexistente;
  5. Desvio no cumprimento do projeto aprovado;
  6. Cobertura e disposição dos resíduos fora das normas;
  7. Ausência de planos e equipamentos de emergência;
  8. Manutenção e operação longe do exigido;
  9. Relatórios e registros ambientais incompletos;
  10. Gestão deficiente dos resíduos gerados e do lixiviado;
  11. Proliferação de vetores e pragas em desacordo com as exigências sanitárias;
  12. Risco real de deslizamentos e acidentes estruturais.

Frente à equipe da Semad, a secretária Andrea Vulcanis disse em entrevista que, com base nas informações técnicas contidas no relatório, a situação do lixão de Goiânia é irreversível. Não é possível reverter a condição do lixão para uma situação de um aterro sanitário, por conta do excesso de resíduos que o local recebe e pelo descaso perpetuado durante décadas. A entrevista está disponível no canal do YouTube da Semad e também no site (leia aqui).

“(Agora), o que tem que ser feito é paralisar o depósito de lixo, ou seja: paralisar o dano ambiental, fazer as medidas de remediação para a gestão adequada daquela pilha, para que ela não perca a estabilidade, para que não tenha problema com os gases, a explosão, a gestão do chorume, e evitar ali aquela contaminação. As ações de manutenção para evitar o agravamento desses danos vão ter que acontecer ao longo de muitas décadas”, disse Vulcanis.

Confira abaixo, ponto a ponto, o que o relatório diz a respeito de cada uma das 12 irregularidades encontradas no lixão de Goiânia:

Localização inadequada

Mapa sobre imagem de satélite, demonstrando as distâncias entre o aterro sanitário, os cursos hídricos e as áreas residenciais vizinhas

O lixão está localizado na Alameda dos Eucaliptos, Chácara Recreio São Joaquim, considerada uma área urbana por estar muito próxima de áreas residenciais e de um aeródromo. O relatório afirma que existem casas a menos de 300 metros de distância de onde são depositados os resíduos (imagem acima mostra distâncias).

Já o aeródromo está localizado a cerca de 2 km do lixão, dentro da chamada Área de Segurança Aeroportuária (ASA). O relatório destaca que isso contraria legislação federal e normas internacionais que proíbem a presença de atividades que atraiam aves nas proximidades de pistas de pouso, devido ao risco de acidentes. Em março de 2025, por exemplo, uma aeronave sofreu danos após bater com uma ave na região.

Falta de todas as licenças ambientais obrigatórias

O Aterro Sanitário Municipal de Goiânia não possui licença ambiental válida há mais de uma década. Conforme explica o relatório, uma tentativa de regularização feita em 2024 pela Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) foi considerada ilegal, pois os municípios não têm competência para licenciar aterros sanitários. Essa responsabilidade é exclusiva do órgão estadual, a Semad. 

A Amma dizia ter competência para licenciar o aterro com base no argumento de que o empreendimento teria impacto local, ou seja, restrito ao território de Goiânia. Mas, essa interpretação contraria todas as resoluções do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEMAm) que estavam em vigor na época — incluindo as resoluções nº 02/2016, 108/2021, 166/2022 e, principalmente, a nº 259/2024. 

O relatório diz que todas as resoluções deixam claro que aterros sanitários são considerados empreendimentos de impacto regional, justamente por envolverem grandes volumes de resíduos, risco à saúde pública, contaminação de solo e água e, muitas vezes, influência sobre municípios vizinhos ou áreas de proteção ambiental.

Por esse motivo, mesmo que o aterro esteja fisicamente dentro dos limites de Goiânia, como é argumentado pela prefeitura, os impactos causados pelo local ultrapassam esse território. Com isso, somente a Semad (autoridade ambiental estadual) tem competência legal para licenciar, fiscalizar e autorizar seu funcionamento.

O relatório também expõe que a Amma, ao emitir uma Licença Corretiva em 2024, invadiu essa competência, que é estadual. O caso foi levado ao Ministério Público, que concordou com a avaliação da Semad e obteve na Justiça a suspensão imediata da licença municipal, reconhecendo sua ilegalidade. A decisão também fortaleceu o entendimento de que a Amma nunca poderia ter concedido essa licença e que todo o processo de licenciamento deve tramitar exclusivamente em nível estadual.

Projetos de impermeabilização e drenagem ineficazes

Outro problema grave encontrado no local é que não existe um sistema eficiente para evitar que o chorume penetre no solo. Chorume é um líquido escuro e tóxico que escorre do lixo quando ele começa a se decompor. Em aterros operados corretamente, existe uma camada impermeável embaixo dos resíduos para impedir que esse líquido contamine a terra e os lençois de água subterrânea. Mas, em Goiânia não há provas de que essa proteção exista.

Além disso, o relatório afirma que a água da chuva não está sendo controlada da forma certa. As calhas e canaletas feitas para escoar a água estavam entupidas ou mal cuidadas, fazendo com que a chuva escorra desordenadamente por cima dos montes de lixo. O documento alerta que isso causa buracos, erosões e até risco de deslizamento.

O relatório destaca que, como a água da chuva penetra nos resíduos, a produção de chorume é potencializada, sobrecarregando as lagoas usadas para armazenar esse líquido. Com isso, cresce o risco de vazamentos e contaminação de córregos e terrenos próximos. 

O documento chega a mencionar que, há menos de 900 metros do lixão, existem propriedades que usam a água do córrego Caveirinha para irrigação de hortaliças. Se essa água for contaminada pelo chorume, pode afetar diretamente quem trabalha nesses locais ou consome os alimentos produzidos ali.

Sistema de monitoramento ambiental precário ou inexistente

A equipe de fiscalização identificou que os poços de monitoramento de água subterrânea não estavam identificados corretamente e não havia clareza sobre o funcionamento dos sistemas de coleta e análise da qualidade da água, do solo e do ar. O relatório afirma que a ausência de dados compromete a capacidade de prever e conter danos ambientais.

Desvio no cumprimento do projeto aprovado

Diversas estruturas previstas no projeto original, como usinas de triagem de recicláveis, compostagem, tratamento de resíduos da construção civil e estação de tratamento avançado de chorume, não foram construídas ou estão inoperantes. A operação atual é improvisada, sem planejamento técnico definido.

Cobertura e disposição dos resíduos fora das normas

Um dos maiores problemas identificados no local é que ele recebe muito mais lixo do que foi projetado para suportar. A licença municipal, hoje considerada inválida, previa o recebimento de 900 toneladas por dia de lixo domiciliar e 132 toneladas de resíduos de podas e varrições. Mas, a fiscalização constatou que o aterro está recebendo, diariamente, cerca de 1.300 toneladas de lixo domiciliar, 1.300 toneladas de entulho da construção civil e mais 1.200 toneladas de restos de poda urbana, totalizando quase 3.800 toneladas por dia, ou seja, mais do que o triplo da capacidade prevista originalmente.

Esse volume exagerado compromete toda a operação. Prova disso, é que durante as fiscalizações, foi constatado que os resíduos sólidos não estavam sendo cobertos com terra ou material adequado, como exige a legislação, há vários. Isso expõe a população a forte odor, atrai animais vetores e facilita a decomposição descontrolada dos resíduos, agravando o risco ambiental e sanitário.

Ausência de planos e equipamentos de emergência

Não foi identificado qualquer plano de contingência para acidentes ambientais, incêndios ou falhas estruturais.

Manutenção e operação longe do exigido

O relatório da Semad aponta que a estrutura de operação do aterro é insuficiente e mal armazenada, o que compromete várias etapas do serviço e contribui para o acúmulo dos problemas já identificados. A equipe técnica observou, por exemplo, que o número de máquinas disponíveis era muito abaixo do necessário para lidar com o grande volume de resíduos que chegam diariamente.

No dia da vistoria, o aterro contava com apenas 4 tratores de esteira, 1 escavadeira hidráulica, 1 motoniveladora, 3 pás carregadeiras e 2 retroescavadeiras. Esses equipamentos estavam sendo usados para todas as tarefas: espalhar o lixo, cobrir os resíduos com terra, manter as vias internas e fazer o manejo diário. Segundo a equipe, considerando que o local recebe quase 4 mil toneladas de resíduos por dia, esse maquinário é insuficiente.

Registros e relatórios ambientais incompletos

O relatório também afirma que o lixão apresenta sérios problemas na documentação obrigatória que deveria comprovar o controle ambiental do empreendimento. Faltam registros atualizados e confiáveis sobre o funcionamento diário do aterro, o que impede que os órgãos ambientais tenham um acompanhamento real e técnico das atividades no local.

Um exemplo disso envolve o controle sobre o chorume. Segundo o relatório, a medição da vazão do chorume que chega às lagoas de tratamento é feita manualmente, com o uso de uma régua metálica, sem nenhum sistema automático de monitoramento. Essa medição aumenta o risco de erros, além de não permitir saber com precisão de onde vem o maior volume de chorume, se há vazamentos, infiltrações ou falhas no sistema de drenagem, informações que seriam essenciais para prevenir acidentes e contaminações.

Também faltam relatórios periódicos de monitoramento ambiental, como análises da qualidade da água superficial e subterrânea, do solo, do ar e da estabilidade dos maciços. A Semad identificou que os poços de monitoramento instalados no local não estavam identificados, alguns estavam em áreas cobertas por vegetação densa e não havia informações disponíveis sobre coletas recentes, frequência de amostragem ou resultados laboratoriais.

Gestão deficiente dos resíduos gerados e do lixiviado

O chorume gerado pelos resíduos não passa por tratamento eficaz. O relatório expõe que durante as fiscalizações ficou comprovado que o líquido é direcionado para a rede de esgoto da Saneago e enviado à Estação de Tratamento de Esgoto Dr. Hélio Seixo de Brito. 

A equipe técnica da Semad alerta, informando que a unidade não tem estrutura técnica para lidar com esse tipo de efluente. Esse envio pode agravar a emissão de odores e comprometer a qualidade da água liberada no ambiente.

Proliferação de vetores e pragas em desacordo com as exigências sanitárias

A ausência de cobertura dos resíduos resultou em infestação de animais vetores como urubus, carcarás, ratos, baratas, moscas e escorpiões, que afetaram o lixão e também as residências próximas. Segundo o relatório, quando questionada sobre como espanta urubus e outras aves do local, a equipe do lixão disse que não tem equipamentos automáticos para isso e que usam rojões para afastar os pássaros. 

Porém, durante toda a duração das vistorias, não foram constatados acionamentos destes dispositivos, sendo fornecida pela equipe do aterro a explicação de que o estoque de rojões havia acabado duas semanas atrás e que um novo processo licitatório para aquisição do insumo havia sido iniciado, porém sem previsão de término.

Em entrevista à equipe da Semad, moradores que vivem próximos à área relataram que são frequentes as infestações de ratos, baratas, urubus e escorpiões em suas residências, confirmando outra vez a inadequação das medidas de controle instaladas no aterro. 

Risco real de deslizamentos e acidentes estruturais

As chuvas, combinadas com a falta de drenagem eficiente, comprometem a estabilidade das pilhas. O volume excessivo de resíduos também pressiona os maciços, elevando o risco de rompimentos, deslizamentos e outros acidentes de grandes proporções. Esse cenário exige ação imediata, mesmo que isso signifique que o aterro venha a ser desativado.

Relatório completo disponível para download:

Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Governo de Goiás

Governo na palma da mão

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