GOIÁS REALIZOU CONFERENCIAS DE SAÚDE EM 100% DOS SEUS MUNICÍPIOS


 Artigo publicado originalmente no Diário da Manhã, do dia 20/08/2015, Caderno Opinião Pública, página 4.

 

preciso mesmo brigar contra certos discursos pós – modernamente reacionários, com ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da utopia. É possível vida sem sonho, mas não existência humana e história sem sonho…”

Paulo Coelho

 

 

O Estado de Goiás concluiu a realização das Conferências Municipais de Saúde em 100% dos 246 municípios goianos, finalizando, assim, a primeira etapa da 8ª Conferência Estadual de Saúde de Goiás e da 15ª Conferência Nacional de Saúde. Partiremos, agora, para a realização das Conferências Regionais, entendendo que, pela primeira vez em nosso estado, estamos cumprindo com os princípios legais instituídos nas leis orgânicas do Sistema Único de Saúde (SUS), que determinam a execução das Conferências de Saúde em tempos regulares, ou seja, a cada quatro anos, são convocadas pela Presidência da República, sob a orientação doConselho Nacional de Saúde (CNS), por meio de decreto. Historicamente em Goiás, assim como nos outros estados, nunca se realizou conferências como previsto na lei.

Compreendendo a necessidade de mudar esse perfil, uma vez que queremos, de fato, iniciar de forma efetiva um processo de mudança e reafirmação do SUS, decidimos, então, por fazer corretamente, propondo e aprovando no Conselho Estadual de Saúde de Goiás (CES-GO) diretrizes para que fosse feita uma conferência no estado que respeitasse os preceitos legais e correspondesse aos nossos anseios, no sentido de apontar as reais necessidades da população usuária do SUS, bem como a apresentação de propostas que indiquem a solução dos problemas locais de saúde, tais como a conformação de redes de assistência e regionalização de saúde, que tem deixado a desejar em vários aspectos em nosso estado.

As diretrizes foram encaminhadas em forma de resolução e homologadas pelo governo. A partir de então, restou-nos a necessidade de convocar os gestores da Secretaria de Estado da Saúde (SES), o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de Goiás (COSEMS). Contando com a anuência do Secretário de Estado da Saúde, em parceria com as 18 Regionais de saúde, iniciamos a nossa mobilização junto aos municípios no sentido de ofertar apoio técnico e trabalhar na persuasão e esclarecimento acerca das reais necessidades de se realizar as conferências, pois são elas que têm o poder de formular diretrizes para subsidiar a elaboração dos planos municipais, estadual e nacional de saúde como primeira atividade de planejamento das instituições de saúde para os próximos anos, à medida que apontam aos gestores as prioridades e orientam os governos municipais, estadual e federal quanto às necessidades sentidas pela comunidade.

Devo confessar que essa tarefa não foi fácil, porém muito satisfatória, contando o apoio e o envolvimento de técnicos das Secretarias Estadual e Municipais de Saúde, conselheiros estaduais e municipais de saúde e lideranças populares conseguimos um feito histórico a serviço do Controle Social de Goiás – a realização das conferências de todos os municípios do estado, façanha ainda não alcançada por nenhuma outra unidade da federação. Esperamos colher os dividendos, uma vez que essas ações trarão inúmeros reflexos positivos, ainda mais preciosos nesse momento em que o Sistema Único de Saúde vive uma ameaça nunca vista antes, pois vem sofrendo várias derrotas nos últimos anos e, mais recentemente, o ataque, no mínimo absurdo e esdrúxulo, expressado na proposta do presidente do Congresso Nacional, Senador Renan Calheiros, a qual indica a exigência de pagamento por procedimentos, pelos usuários, conforme a faixa de renda. Sem dúvidas, viabilizada essa proposta, estará inviabilizado o direito humano à saúde e a Política de Saúde Brasileira, ao ser quebrado o princípio o “direito do cidadão e o dever do Estado”.

Esse é mais um estímulo à privatização da saúde no país. Ou seja, vai ser criado um Sistema Único de Saúde de primeira e de segunda classe? É isso que queremos para a sociedade? Pela primeira vez na história do Brasil, temos um sistema de saúde que é Universal, Integral e Equânime, vamos colocar em risco esses princípios constitucionais? A proposta é acabar com oSUS?Isso é o que combatemos e abominamos!

O Brasil vive, ha 27 anos, sob a égide de uma nova regra: a Constituição Federal de 1988. Um novo paradigma foi posto depois do fim da ditadura militar.

Esta é uma Constituição, que em muitos capítulos, inclusive o da saúde, nasceu da base, das entranhas da própria população e dos técnicos que discutiram e formularam premissas e propostas a serem incorporadas.

Os direitos individuais, sociais e políticos dos cidadãos estão claros e patentes. O Estado democrático de direito está definido como aquele que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade do ser humano.

A saúde está entre os direitos constitucionais inscritos no Capítulo II, que trata dos direitos sociais. O Art. 6º da CF diz: – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, a infância e a assistência aos desamparados.

Saúde é um direito essencial que, na Constituição, está colocado como dever do Estado, mas que só acontecerá se todos nós cumprirmos com os nossos maiores e menores deveres cotidianos, o que nos fará cidadãos plenos. Na lei orgânica da saúde está bem explícito: só conseguiremos ter saúde na medida em que tivermos a contribuição das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade.

O direito à saúde exige que cada um de nós cumpra com seus deveres. Entre omitirmos e compactuar existe uma terceira via: a participação e luta de cada um de nós para que todos sejamos cidadãos plenos, iguais em direitos e deveres. Ou seja, assumir o direito à saúde como parte da transformação de nosso país.

Para garantir odireito de todos à saúde a Constituição criou o Sistema Único de Saúde, o SUS. Os princípios fundamentais e inarredáveis do SUS são os seguintes: A saúde é um direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos; Acesso universal e igualitário às ações de saúde. Isso significa que todas as pessoas, por terem direito à saúde, tem direito à igualdade de acesso.O princípio da integralidade das ações e serviços de saúde sob o prisma da horizontalidade. Não se deve separar ações de promoção, proteção e recuperação, mas sim integrá-las e oferecê-las à população de forma igual e universal; As ações e serviços de saúde são de relevância pública. A própria Constituição Federal, além desta conotação, existe uma correlação com as funções do Ministério Público, entre as quais está zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição; As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, que constituem um sistema único. As ações e serviços públicos de saúde constituem o Sistema Único de Saúde. Sua organização deve ser em forma de uma rede, com características regionais e de forma hierarquizada, cuja ordem seja dos mais simples ao mais complexo. O primeiro atendimento em geral seria feito em unidades básicas menores e de lá encaminhados aos serviços de maior complexidade.

O Sistema Único de Saúde deve estar organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização com direção única em cada esfera; atendimento integral com prioridade para as ações preventivas, sem prejuízo das assistenciais e com participação da comunidade.

Vale lembrar que a saúde decorre também de moradia digna, transporte, segurança, alimentação de boa qualidade e em quantidade suficiente, saneamento básico, serviços públicos de qualidade, processos pacíficos de intermediação e resolução de conflitos e relações ambientais sustentáveis. Depende ainda de um ambiente social fundado no respeito aos direitos humanos de mulheres e homens em todas as fases da vida, na valorização da cooperação e da solidariedade, no respeito à diversidade sociocultural e étnico-racial, na superação do racismo, e no respeito à diversidade sexual e de gênero. Ou seja, a construção da saúde perpassa o conjunto de políticas públicas e somente se efetivará com a articulação de todos os setores de governo e da sociedade.

Em virtude disso, há imperiosa necessidade de dar espaço para demandas e agendas dos grupos sociais mais vulnerabilizados e socialmente marginalizados, como a população em situação de rua, as prostitutas, as populações dos assentamentos rurais e urbanos, o povo que vive nos acampamentos e assentamentos ciganos. Assim também as 7 distinções entre usuários baseada na renda e condição social, mas também permeada por outros fatores sociais e econômicos, como gênero, etnia, orientação sexual, deficiências, patologias, credos, acesso a informação, localização geográfica. Esses e outros sujeitos sociais, que vivem à margem do sistema de cidadania formal, necessitam ter o seu direito à saúde reconhecido por todas e todos e garantido pelo Estado. Sendo assim, as distinções fundadas nessa estratificação precisam ser superadas e as necessidades específicas de saúde dessas Usuárias e Usuários devem deixar de ser ocultas e ganhar visibilidade. Os desafios políticos relacionados à promoção e proteção da saúde são da mesma natureza dos desafios da atenção, porém com algumas particularidades.

É preciso considerar que o Brasil tem dimensões continentais e é o único país com mais de 100 milhões de habitantes a oferecer um sistema universal de saúde com serviços de vigilância sanitária de alimentos e de medicamentos, de vigilância epidemiológica, banco de sangue, transplantes de órgãos e campanhas de vacinação. Por isso, é fundamental desconstruir a prática de segregação que costuma delimitar os debates técnicos e políticos na saúde. É preciso avaliar e refletir, a partir da comunidade, sobre como se dá o acesso à saúde e sobre a qualidade do serviço prestado.

Faz-se necessário melhorar a distribuição desigual dos equipamentos de saúde no país, sobretudo quando se observam as desigualdades regionais e do espaço rural em relação ao urbano. Essas disparidades são fortemente demarcadas nas regiões Norte e Nordeste, e em Goiás em especial se faz necessário urgente trabalharmos no sentido de resolver a questão da regionalização que de fato deixa muito a desejar com os vazios existentes por conta de uma centralização dos serviços de alta complexidade na região metropolitana de Goiânia, além da conformação de redes de assistência á saúde que também não funciona no estado.

A própria Conferência aponta em seu tema “SAÚDE PÚBLICA DE QUALIDADE PARA CUIDAR BEM DAS PESSOAS, DIREITO DO POVO BRASILEIRO”. Assim, entendemos que se as instituições, como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), SINDICATOS e CENTRAIS SINDICAIS, CONSELHOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE, MOVIMENTOS SOCIAIS E CONSELHOS DE SAÚDE, que trabalham em defesa deste sistema, que é o maior e melhor programa de inclusão social do mundo, sofrerão a maior derrota e quem sabe perderão a sua relevância. Talvez possamos até mesmo dizer que estará decretado o seu fim.



 

Venerando Lemes de Jesus, presidente do Conselho Estadual de Saúde de Goiás


Governo na palma da mão

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