Direita e Esquerda
Fausto Jaime é médico, professor universitário e gestor governamental
Os termos “esquerda” e “direita” foram criadas durante as assembleias francesas do século 18. Nessa época, a burguesia procurava, com o apoio da população mais pobre, diminuir os poderes da nobreza e do clero. Era a primeira fase da Revolução Francesa (1789-1799). Na França, neste período, o seu sistema político era composto por três grupos, os chamados Estados Gerais: o clero, a nobreza e o terceiro estado, formado pelo “resto” da população (banqueiros, comerciantes, médicos, artesãos, etc.). O terceiro estado era o único que tinha a obrigação de pagar os impostos, além de terem inúmeras limitações, como o fato de não poderem ocupar cargos públicos, por exemplo. Em razão da adoção de um modelo político injusto e dos privilégios dados a uma pequena parte da população, desencadeou-se a Revolução Francesa. Os termos ‘Direita’ e ‘Esquerda’ se originaram do fato dos membros do Terceiro Estado se sentarem à esquerda do parlamento, enquanto os do clero e da nobreza se sentavam à direita. Foi assim que se originaram os conceitos: Direita como um grupo conservador, defensor dos interesses das classes dominantes e Esquerda como um grupo oposição, defensor dos interesses populares.
Hoje existem autores que desprezam esta clássica dicotomia entre direita e esquerda. Da minha parte, considero que são categorias ainda muito úteis para contrapor as diferentes posições em lutas políticas e disputas sociais na atualidade. Reconhecemos a crescente complexidade das estruturas sociais contemporâneas e a crise do socialismo. Embora percebamos que muitas vezes é difícil distinguir, pelos seus programas políticos e objetivos imediatos, as diferenças entre “destros” e “esquerdos”, ainda consideramos estes conceitos válidos.
Concordo com autores como Norberto Bobbio, um dos mais respeitados pensadores políticos contemporâneos, em seu livro “Esquerda e Direita: razões e significados de uma distinção política”. Para o filósofo político Norberto Bobbio, embora os dois lados realizem reformas, uma diferença seria que a esquerda busca promover a justiça social enquanto a direita trabalha pela liberdade individual. Alguns autores preferem substituir estes conceitos por “progressistas” e “conservadores”. Após a queda do Muro de Berlim, as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ parecem não dar conta da diversidade política do século 21. Isso não quer dizer que a divisão não faça sentido, apenas que ‘esquerda’ e ‘direita’ não são palavras que designam conteúdos fixados de uma vez para sempre. Podem designar diversos conteúdos conforme os tempos e situações.
“Esquerda e direita indicam programas contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence habitualmente à ação política, contrastes não só de ideias, mas também de interesses e de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade, contrastes que existem em toda a sociedade e que não vejo como possam simplesmente desaparecer. Pode-se naturalmente replicar que os contrastes existem, mas não são mais do tempo em que nasceu a distinção”, escreve Bobbio no livro “Direita e Esquerda – Razões e Significados de uma Distinção Política”. No Brasil, essa divisão se fortaleceu no período da Ditadura, onde quem apoiou o golpe dos militares era considerado da direita, e quem defendia a democratização da sociedade e/ou o regime socialista, era considerado de esquerda.
No nosso entendimento, não devemos negar validade a conceitos que operam plenamente no mundo político. Estes termos ainda servem para identificar as pessoas identidade e argumentos para operar os seus projetos e utopias. Por esta razão, os termos direita e esquerda são conceitos chaves no discurso político. Muito embora possam ser mais bem definidos para serem mais úteis para o esclarecimento dos desafios e particularidades do momento atual. O igualitarismo é a característica distintiva da esquerda. A direita favorece a liberdade de mercado. A normalidade democrática é a concorrência efetiva, livre, aberta, legal e ordenada destas duas ideologias. No entanto, às vezes estas tendências assumem posições extremas como historicamente se configuraram nas experiências do comunismo de um lado e do fascismo e nazismo do outro. O posicionamento de esquerda favorece o controle estatal da economia e coloca o ideal igualitário em uma posição relevante. O posicionamento de direita favorece a liberdade de mercado. Nos países democráticos, essas forças se alternam no governo conforme as favoreça o resultado de eleições livres e periódicas. Nos países democráticos, sucessos e fracassos permitem que estas forças se alternem no governo conforme as favoreça o resultado de eleições livres e periódicas.
Os extremismos de qualquer um destes posicionamentos, seja a extrema esquerda ou a extrema direita, pregam a submissão integral da sociedade a uma destas ideologias e admitem alternar os meios violentos e pacíficos de luta conforme as exigências do momento. Muitas vezes instituem direito ao crime, com evidente amoralismo e orgulho maquiavélico, e escolhe entre o morticínio e a sedução para alcançar os seus objetivos. Estas posições extremas sempre são acompanhadas de uma política de transformação forçada da sociedade que se realiza com o controle estatal da atividade econômica. Caracterizam-se, ainda, pelo desrespeito aos direitos individuais e a militarização da sociedade.
Hoje, os partidos de direita abrangem conservadores, democratas-cristãos, neoliberais, nacionalistas extremos e, ainda, o nazismo e fascismo na chamada extrema direita. Na esquerda, temos os socialdemocratas, os progressistas, os socialistas democráticos e ambientalistas. Na extrema-esquerda, temos movimentos simultaneamente igualitários e autoritários. Muitas vezes, a diferença entre estas ideologias não parece tão clara.
Para tornar esta diferenciação mais difícil, existe, ainda, a posição de “centro”. Esse pensamento consegue defender o capitalismo sem deixar de se preocupar com o lado social. Em teoria, a política de centro prega mais tolerância e equilíbrio na sociedade. No entanto, ela pode estar mais alinhada com a política de esquerda ou de direita. A origem desse termo vem da Roma Antiga, que o descreve na frase: “In mediun itos” (a virtude está no meio). A política de centro também pode ser chamada de “terceira via”, que idealmente se apresenta não como uma forma de compromisso entre esquerda e direita, mas como uma superação simultânea de uma e de outra. Essas classificações estariam divididas no que podemos chamar de uma “régua” ideológica:
EXTREMA-ESQUERDA| ESQUERDA| CENTRO-ESQUERDA| CENTRO| CENTRO-DIREITA| DIREITA| EXTREMA-DIREITA.
Em determinados momentos da história, ambas as ideologias assumiram posturas extremistas. Nessa posição, tiveram efeitos e atitudes muito parecidas, como a interferência direta do Estado na vida da população, o uso indiscriminado da violência e censura contra opositores e a manutenção de um mesmo governo ou liderança no poder sem consulta à população. Ao longo do século 20, o pensamento de esquerda foi associada a bases ideológicas como marxismo, socialismo, anarquismo, desenvolvimentismo e nacionalismo anti-imperialista (que se opõe ao imperialismo). O mesmo período viu florescer Estados de ideologias totalitárias de direita como o nazismo (1933-1945), o fascismo (1922-1943), o franquismo (1939-1975) e o salazarismo (1926-1974). Estes, independentemente da orientação, muitas vezes se apropriaram de discursos tanto da esquerda como da direita.
Outro tema que diferencia as duas correntes é a visão sobre a economia. As correntes de esquerda pregam uma economia mais justa e solidária, com maior distribuição de renda. As correntes de direita se associam ao liberalismo, doutrina que na economia indica os que enfatizam a livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular. Algumas interpretações defendem a total não intervenção do governo na economia, a redução de impostos sobre as empresas e a extinção da regulamentação governamental, entre outros aspectos. Em regimes ditatoriais, a direita é associada a um controle total do Estado. No Brasil, isto aconteceu no período da Ditadura.
Um termo associado à direita é o chamado neoliberalismo, que surgiu a partir dos anos 1980. Esta ideologia, inicialmente, foi associada aos governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, que devido à crise econômica do petróleo, privatizaram muitas empresas públicas e cortaram gastos sociais para atingir um equilíbrio fiscal. Era o fim do chamado Estado de Bem-Estar Social e o começo do Estado Mínimo, com gastos enxutos no campo social. Para a esquerda, o neoliberalismo é associado à direita e teria como consequências a privatização de bens comuns e espaços públicos, a flexibilização de direitos conquistados e a desregulação e liberalização em nome do livre mercado. Na visão da esquerda, isto geraria mais desigualdades sociais.
Direita e esquerda também têm a ver com questões morais. Avanços na legislação em direitos civis e temas como aborto, casamento gay e legalização das drogas são vistas como bandeiras da esquerda. Em nome da defesa da família tradicional, a direita se coloca contra estas bandeiras e, algumas vezes, chegam a combater a proposta do Estado laico e defendem a interferência da religião no Estado. Os partidos de extrema-direita – como podemos observar atualmente na Europa – são associados ao patriotismo extremado e xenofóbico, com discurso forte contra a imigração.
De maneira geral, a Direita enfatiza o liberalismo econômico e a eficiência da economia, sem ênfase na justiça social. Por outro lado, a esquerda possui seu foco nos valores da igualdade e da solidariedade. O fato de ser da Direita ou da Esquerda é algo relativo e não permanente, uma vez que um partido, por exemplo, pode estar de um lado em um momento e de outro em outra instância, agindo conforme um jogo de interesses. Por isso, muitas vezes estas definições podem ser consideradas simplificadoras e enganosas, uma vez que os valores de cada grupo podem se tornar bastante contraditórios.
Podemos dizer que os ideólogos de esquerda pretendem aperfeiçoar o mundo por meio de políticas que instaurem a justiça social, o igualitarismo, ou, algumas vezes, a socialização dos meios de produção econômica. A esquerda sempre enfatiza ações que remetam à ideia de igualdade. Por outro lado, os ideólogos de direita pretendem dirigir o mundo a partir de uma perspectiva idealizada do passado e da tradição, de valores nacionais ou religiosos e, acima de tudo, enfatizam a propriedade privada dos meios de produção. Os extremismos de ambas as ideologias se mostraram nefastas ao longo da história. Muitas vezes chegaram à barbárie para fazer valer sua visão ideológica de mundo.
Embora essa divisão possa limitar a compreensão de perspectivas mais complexas sobre a política, consideramos ainda positivo o seu uso. Geralmente, o termo “direitista” é aplicado, sem muita acuidade crítica, ao pensamento conservador. Do mesmo modo, o termo “esquerdista” é aplicado às reflexões e propostas progressistas. Do ponto de vista político e ideológico, progressistas e conservadores divergem. No entanto, por vezes, podem apresentar concordâncias quanto à economia. Concluímos, assim, que o problema é mais complexo do que se pode imaginar à primeira vista.
Fonte: Bom Combate