Césio 137 – O lado da história que ninguém quer ouvir

Ao longo de 30 anos tenho vivido e presenciado pressões por parte de radioacidentados e imprensa sobre o conhecimento que temos acerca do acidente com o Césio-137. Ainda assim, me surpreendo com o que aconteceu durante o evento “Césio 137 – 30 Anos do Acidente em Goiânia, Memórias e Reflexões” realizado pelo Ministério Público Federal de Goiás, em 12 de setembro último, quando presenciei uma radioacidentada referir-se à Drª Maria Paula Curado, ao microfone, para um auditório lotado, acusando-a de faltar com a verdade no que diz respeito aos fatos concernentes ao acidente radiológico de Goiânia. O reconhecimento internacional da competência da profissional em questão foi citado pela pessoa que a mencionou, não com gratidão por tê-la à frente na defesa do desenvolvimento do conhecimento acerca dos impactos da contaminação pelo Césio-137, nos organismos vivos. Ao contrário, o tom era de mágoa, de rancor.

À noite do mesmo dia, consegui mais uma vez me surpreender com dois radioacidentados entrevistados por Fernando Gabeira, no Globo News, desmentindo os laudos de óbito e autópsia do paciente Devair, o dono do ferro velho, que foi, dentre todos, o mais contaminado. Na concepção deles, o paciente não morreu de cirrose hepática, como afirmam os profissionais que acompanharam seu caso até o óbito, mas sim de câncer. Não apenas um, mas vários cânceres.

AS PERGUNTAS QUE NUNCA SE CALARAM:

1. Esta atitude dos radioacidentados é uma mentira ou uma fantasia? Ou seja, existe algum interesse pessoal em distorcer conscientemente os fatos? Ou nossos acusadores acreditam mesmo que somos profissionais tão incompetentes, irresponsáveis?

2. Alguém se lembra de quanto vale o nome de um profissional? E se algum deles resolvesse ajuizar uma ação indenizatória por danos morais? Já passamos por agressões bem piores em tempos anteriores, é verdade, e uma paciente já foi processada por mentir à imprensa que sua filha estava com tumor cerebral e que a então Fundação Leide das Neves estava lhe recusando atendimento.

3. Alguém consegue enxergar o que os profissionais teriam a ganhar em sonegar informações sobre as consequências da contaminação pelo Césio-137? Ou será que, por sermos servidores públicos, estamos sendo confundidos com os autores da corrupção endêmica que assola o país?

4. O que têm a ganhar os radioacidentados em enfatizar e dimensionar suas condições de vítimas, através da manipulação das informações? Quero aqui lembrar, que uma das queixas da pessoa que pegou o microfone no referido Evento do Ministério Público, é que os profissionais da instituição que os assiste passaram a chamá-los de “radioacidentados”, não mais de “vítimas”. Devo admitir que falhamos no nosso papel profissional, institucional, de ajudá-los a superar a vitimação, a desidentificar-se do papel de vítima, para que pudessem prosseguir sua jornada evolutiva, a exemplo do que fazem outras vítimas, como pudemos ver recentemente nos jogos paraolímpicos do Rio de Janeiro.

5. O que tem a ganhar a imprensa em realçar somente a vitimação, se negando a noticiar que as tão esperadas consequências catastróficas da contaminação pelo Césio-137 não se concretizaram? Pelo menos, ainda! Felizmente! Existe algum interesse particular da imprensa em não ouvir os profissionais, em dar-lhes a mesma visibilidade e voz que são dadas aos radioacidentados?

6. Alguém tem alguma dúvida do quanto é fácil ter acesso à realidade dos fatos? Alguém se mobilizaria a pesquisar documentações em busca da verdade, antes de se enveredar a publicar as declarações calorosas?

Os radioacidentados são o lado frágil da história do acidente radiológico, não há como negar, evidentemente. Mas estou expondo, pela primeira vez em 30 anos, o lado frágil dos profissionais que os acompanham. Estou dando a todos os segmentos desta história a oportunidade de conhecer o estresse de viver permanentemente sob acusações de incompetência, pelo simples fato de não correspondermos às expectativas sociais, políticas e midiáticas em torno do acidente com o Césio-137. Isso deveria ser uma boa notícia, porque significa que não nos demovemos da verdade, não nos deixamos corromper pelos diferentes interesses dos diferentes segmentos da sociedade.

Infelizmente isso nos faz parecer inimigos aos olhos dos radioacidentados, frustrando toda nossa investida de colocar nossas competências a serviço deles.

Suzana Helou, Psicóloga da Secretaria de Estado da Saúde – GO, com 30 anos de trabalho profissional dedicado às vítimas do Césio 137.

Governo na palma da mão

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