Assistência Inicial
O tratamento oferecido aos radioacidentados à época do acidente, em 1987, baseou-se em normas internacionais de descontaminação, isolamento e terapêutica. Assim, após a triagem e o encaminhamento do paciente, iniciava-se o tratamento médico (IAEA, 1988).
As técnicas de descontaminação utilizadas foram: banhos mornos com sabão neutro; uso de ácido acético para tornar a substância radioativa solúvel e facilitar sua remoção; aplicação de dióxido de titânio associado à lanolina, em locais onde havia maior quantidade de material radioativo (palma das mãos e planta dos pés); uso de métodos abrasivos para descontaminação de pele, (pedra-pomes, buchas de nylon, etc.), aplicação de resinas de trocas iônicas que eram colocadas em luvas e botas plásticas para descontaminação de mãos e pés.
O isolamento dos pacientes contaminados no Hospital Geral de Goiânia, obedeceu a critérios recomendados pela proteção radiológica e consistia na divisão de um andar do Hospital em três diferentes áreas. Especial atenção foi dada à área considerada “fria”, onde se situava a estrutura da Proteção Radiológica com o contador de corpo inteiro, as salas de reunião, o local para a troca de roupa dos médicos, paramédicos, físicos da Proteção Radiológica e de apoio (limpeza, laboratório, secretaria e administração). Uma barreira definia o limite da área “crítica” (local onde se encontravam os quartos dos pacientes, o posto de enfermagem, os sanitários dos pacientes, a sala de exercícios e a sala de lazer). Todos os materiais, inclusive as vestimentas que atravessassem a área eram monitorizados.
Diariamente eram efetuadas medidas de descontaminação naquela área considerada crítica. Um filtro de ar funcionava ininterruptamente para que se soubesse o grau de contaminação do ar. Se, durante as medições, alguma área se apresentasse com alto grau de contaminação, imediatamente a equipe da Proteção Radiológica procedia a descontaminação. A área era liberada só após tal procedimento. Medidas de segurança também eram efetuadas em outras áreas do Hospital (laboratório, lavanderia e salas de cirurgia) para a detecção de contaminação residual. Os dejetos dos pacientes eram coletados em frascos plásticos e analisados rotineiramente em laboratório de Radioquímica, no Rio de Janeiro. Este procedimento proporcionava uma idéia das medidas terapêuticas necessárias a descontaminação interna. Rejeitos foram estocados em tonéis de aço e considerados lixo radioativo.
As medidas terapêuticas adotadas tinham por objetivo a eliminação do material radioativo do organismo do paciente, bem como a promoção de sua saúde, ou seja, minimizar os efeitos do material radioativo e evitar consequências piores. Além dos métodos de descontaminação já citados, lançou-se mão de outros recursos, tais como exercícios físicos e banhos de sol. O uso de medicamentos destinados a acelerar a eliminação do 137Cs foi satisfatório, pois houve a diminuição da contaminação verificada no Contador de Corpo Inteiro, bem como para a avaliação da quantidade de material radioativo eliminado pelas excretas (urina e fezes).
Durante a terapêutica, utilizou-se ainda, o ferrocianeto férrico, também conhecido como “Azul da Prússia” em doses que variavam de 1,5 a 20 g, sendo que efeitos colaterais foram observados em vários pacientes (constipação, epigastralgia e dores musculares). Como, no organismo, o comportamento do 137Cs é similar ao do potássio (K), outra tentativa de removê-lo foi feita utilizando-se diuréticos. Esse procedimento não foi determinado somente pela capacidade que o diurético tem de eliminar metais alcalinos (K, Cs), mas também pelo controle que tal droga poderia dar à hipertensão verificada em vários pacientes. Assim sendo, utilizou-se Furosemida (40 mg / dia) e Hidroclorotiazida (50 a 100 mg / dia). Concomitantemente ao uso de tais drogas, logrou-se tentar a remoção do 137Cs mediante a hidratação forçada. Cada paciente ingeria, aproximadamente, 3.000 ml de líquido/dia, entre água e sucos de frutas ricas em potássio. O uso de antibióticos de amplo espectro, bem como de fungicidas obedeceu à indicação recomendada para cada caso. A utilização de métodos cirúrgicos para remoção de áreas desvitalizadas esteve sujeita à estrita prescrição médica, obedecendo-se critérios de risco / benefício para o paciente.
Superada a fase crítica do acidente com o 137Cs, tornou-se necessário que o trabalho de mobilização dos vários profissionais continuasse e oferecesse respostas às questões geradas pela incerteza quanto à extensão das consequências do acidente a longo prazo. Criou-se, então, a Fundação Leide das Neves Ferreira (FUNLEIDE), em fevereiro de 1988.
Em decorrência da dose de radiação a que foram expostos, os radioacidentados foram divididos em grupos de acompanhamento e, para cada grupo, foram estabelecidos protocolos de atendimento especifico seguindo orientações da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica.
Divisão dos Grupos
Para melhor entendimento, ressalta-se que as vítimas são classificadas em grupos, sendo sua definição e composição conforme descrito abaixo:
1.1 Grupo I – pacientes com radiodermites e/ou, dosimetria de corpo inteiro maior ou igual a 20 rads e/ou atividade corporal equivalente a ½ LIA (= 50 μci1);
1.2 Grupo II – familiares ou contactantes das vítimas diretas cujo índice de irradiação não atingiram os índices do Grupo I (< 20 rads; ½ LIA; 50 >μci) sem radiodermites;
Ressalta-se que os cadastrados nos referidos grupos supramencionados de acompanhamento e monitoramento do CARA, possuem número fixo de pessoas que foram incluídas logo depois do acidente, sendo seus descendentes monitorados no CARA mediante apresentação dos documentos ao setor de serviço social.
1.3 Grupo III – os que trabalharam no acidente (policiais militares, bombeiros militares, médicos, motoristas, funcionários da vigilância sanitária, vizinhos de focos, parentes das vítimas que conviviam com as vítimas à época do acidente.
Referências Bibliográficas
AIEA. The radiological accident in Goiânia. Viena, [s.n.]1988.
CRUZ, A. D. da; GLICKMAN, B. W. Monitoring the genetic health of humans accidentally exposed to ionizing radiation of Cesium137 in Goiania (Brazil). In: International Conference/ Goiania 10 years later: the radiological accident with Cs137. Goiânia – Brasil, Brasil. Anais…Rio de Janeiro, RJ: CNEN, p. 131-137,1997.
CNEN. Comissão Nacional de Energia Nuclear. Relatório do Acidente Radiológico em Goiânia. 1988.
FUNLEIDE. Fundação Leide das Neves Ferreira. História do Acidente Radioativo com o Césio-137 – Relatos.1989.