“É preciso olhar o coletivo”, diz secretária interina da SES sobre judicialização da saúde

No último dia do 2º Congresso de Secretarias Municipais de Saúde de Goiás, Luciana Vieira destaca a importância do diálogo e de evidências para subsidiar decisões judiciárias

Luciana Vieira em sua apresentação, ao lado de Lucineia Matos, Josimar Nogueira e Tadahiro Tsuboushi

No Dia Mundial da Saúde, nessa quinta-feira (7/4), o 2º Congresso de Secretarias Municipais de Saúde de Goiás teve como tema o que a subsecretária e secretaria interina de Saúde do Estado de Goiás, Luciana Vieira, chamou de “extremamente desafiador”. Ao lembrar o privilégio dos brasileiros de contar com um sistema único, integral, universal e gratuito, Luciana lembrou que a judicialização, a exemplo do SUS, é também um desafio. “Temos de pensar na judicialização todos os dias”, afirmou Luciana, em alusão ao debate do dia no congresso: Judicialização, questão de justiça ou iniquidade?.

“É preciso olhar o coletivo e não o individual”, alertou a secretária interina, primeira a falar na edição do dia do congresso aos gestores de saúde presentes. Ela destacou também as responsabilidades dos gestores em lidar, em meio à judicialização, com a  escassez de recursos para a saúde e o desmonte dos planejamentos orçamentários prévios. 

“Em alguns desses momentos, a judicialização pode piorar ainda mais a situação”, afirmou, citando dados que mostram a escalada dos processos judiciais em busca de tratamentos caríssimos, que, muitas vezes, fazem com que recursos já limitados beneficiem pouquíssimas pessoas, quando poderiam atender a milhares (veja números abaixo). 

Como um dos casos, ela citou o de um pai que conseguiu decisão favorável a um tratamento hormonal, no valor de R$ 3 milhões, para crescimento de um filho que, ao contrário do irmão, de 1m75, só conseguiu chegar aos 1m69. “Planejamos a utilização dos recursos e, às vezes, o custo de tratamento a um paciente, fora dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas estabelecidos no SUS, impacta todo o planejamento realizado. Os recursos são finitos. O cobertor é curto e encurta cada vez mais”, alertou, ao abordar o que considera um dos pontos cruciais do debate apresentado, que é versus orçamento. 

Vontade do juiz
Por vezes, decisões judiciais ocasionam desrespeito à ordem das filas de cirurgias e procedimentos, em detrimento da prioridade clínica do processo de regulação. Luciana Vieira, no entanto, ressaltou que tais decisões não derivam unicamente da vontade do juiz. “Não é porque o juiz é malvado”, pontuou. "Muitas vezes, essas decisões são tomadas sem o respaldo técnico adequado, sem a informação de que existem outras possibilidades terapêuticas." 

De acordo com ela, a busca pelo atendimento mais amplo e de qualidade para todos exige uma parceria cada vez maior entre Saúde e Judiciário. “Não é só apontar problemas. É preciso também buscar soluções e assumir nossa parcela de responsabilidade”, sugeriu aos colegas. Para tanto, é preciso que gestores em saúde, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário aprendam a linguagem um do outro. “Precisamos oferecer dados, evidências. Ampliar a transparência nas filas e processos. Não há soluções simples para problemas complexos”. 

Como estratégias decorrentes desse maior diálogo, Luciana citou o Comitê Executivo de Saúde do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (Natjus), o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Saúde — iniciativa pioneira do Judiciário goiano — e o Núcleo Jurídico da Superintendência do Complexo Regulador, da SES. 

Citou, ainda, as capacitações e treinamentos realizados pela Escola de Saúde de Goiás aos pareceristas, bem como os cursos gratuitos e EAD disponibilizados na Plataforma Educa Goiás; a instituição do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Nats); bem como as incorporações realizadas pela SES à Relação Estadual Complementar de Medicamentos, a partir de pareceres elaborados pela Comissão Estadual de Incorporação de Tecnologias de Saúde (Ceits).

Os resultados são positivos, segundo Luciana. “Juízes estão buscando cada vez mais o parecer dos especialistas, para subsidiar e qualificar suas decisões. Estamos avançando.”

Regionalização
Luciana salientou que a responsabilidade por reduzir a judicialização também compete ao gestor, quando, por exemplo, leva a saúde cada vez mais próximo do cidadão, também do interior, com a regionalização. Citou as policlínicas já em funcionamento em seis municípios goianos, bem como os hospitais estaduais em inúmeras regiões de saúde. “Se eu regionalizo, amplio o acesso, reduzo a desassistência, favorecendo o atendimento tempestivo ao cidadão e, por consequência, diminuindo a necessidade do cidadão buscar a Justiça para ter seu direito assegurado.” 

O debate aberto pela secretária interina no congresso foi moderado pelo membro da diretoria do Conselho Estadual de Secretários de Saúde (Cosems) – do qual a SES é parceira no evento – e secretário municipal de Saúde de Uruaçu, Josimar Alves Nogueira. Participaram da mesa de debates ainda o consultor jurídico do Conselho Nacional de Secretários Nacionais de Saúde (Conasems), Tadahiro Tsuboushi; e a promotora de Justiça Lucineia Vieira Matos, coordenadora da Saúde do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público do Estado de Goiás.

Entre os representantes da SES, participaram também da manhã de debates os superintendentes Sandro Rodrigues (Atenção Integral à Saúde), Neuzilma Rodrigues (Complexo Regulador em Saúde), Viviane Cassimiro (Escola de Saúde de Goiás), Candice Rezende Castro e Macedo (Saúde Mental e Populações Específicas), José Roberto Leão (Performance), Renato Ricardo Alves (Tecnologia, Inovação e Sustentabilidade) e Mauro Theobald (Gestão Integrada).

Judicialização em números
– 3.410 processos judiciais já registrados este ano no Painel da Judicialização da SES, com um valor de R$ 34.391.595,95 
– Em Goiás, de 2013 a 2022, foram pagos cerca de R$ 763,7 milhões de reais em tratamentos judicializados, o que poderia custear, em um ano, 32 policlínicas ou 21 unidades como o Herso, de Santa Helena de Goiás.
– Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que os gastos com judicialização da União, Estados e municípios aumentaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão, entre 2008 e 2015, em mais de 2.5 milhões de processos.
– Ainda segundo a auditoria realizada pelo TCU, mais de 53% dos processos pagos pela União corresponderam a apenas 3 medicamentos.

José Carlos Araújo (texto) e Britto (foto)/Comunicação Setorial

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