Obesidade infantil desafia pais e gestores 

Levantamento do IBGE aponta que uma em cada três crianças está acima do peso no Brasil. Endocrinologista associa obesidade na infância à mudança dos hábitos alimentares e à diminuição da atividade física

O Dia das Crianças, celebrado em 12 de outubro, é muito mais que uma data comemorativa marcada pela entrega de presentes, realização de brincadeiras e manifestações de afeto. Instituído no Brasil por meio de um decreto federal assinado em 1924, a data é, acima de tudo, uma ocasião para a conscientização da população sobre as garantias dos direitos fundamentais das crianças, entre os quais o direito à saúde. Em todo o mundo, inclusive no Brasil, a obesidade infantil é um dos principais fatores que põe em risco o futuro das crianças e um dos mais urgentes desafios a serem enfrentados pelo poder público e pela sociedade em geral.

Os dados sobre obesidade infantil são tão alarmantes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em 2025 o número de crianças obesas no planeta chegue a 75 milhões. Os registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que uma em cada grupo de três crianças, com idade entre cinco e nove anos, está acima do peso no País. As notificações do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, de 2019, revelam que 16,33% das crianças brasileiras entre cinco e dez anos estão com sobrepeso; 9,38% com obesidade; e 5,22% com obesidade grave. Em relação aos adolescentes, 18% apresentam sobrepeso; 9,53% são obesos; e 3,98% têm obesidade grave.

A alta incidência da obesidade infantil no Brasil levou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a se manifestar com preocupação sobre a questão. Ao participar de um evento sobre alimentação saudável, em agosto, em Brasília, o ministro destacou que o Brasil está prestes a conquistar a incômoda liderança de país mais sedentário do mundo. Ele ressaltou que o problema ocorre porque “as pessoas consomem, cada vez mais, alimentação industrializada, com excesso de açúcar e de sódio”. Além disso, pontua Mandetta, o tempo das crianças em frente ao computador tem aumentado de forma significativa, tomando o espaço antes reservado às brincadeiras associadas, de forma espontânea, à atividade física.

Fatores de risco

O médico endocrinologista Nelson Rassi, chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Estadual Geral de Goiânia Alberto Rassi (HGG), unidade da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), ressalta que os índices de obesidade infantil têm avançado, principalmente, nos países em desenvolvimento que enfrentam dificuldades econômicas, como o Brasil. Ele acentua que vários fatores contribuem para o crescimento da obesidade na população brasileira, em especial nas crianças. Um destes fatores, conforme o médico, é a mudança de hábitos alimentares ao longo das últimas décadas. Anteriormente, a população infantil tinha acesso a uma alimentação mais caseira, mais saudável. Hoje, há o consumo acentuado da comida industrializada.

“Os lanches fornecidos às crianças, por exemplo, deixaram de ser preparados em casa. Eles foram substituídos por lanches industrializados, como barrinhas de cereal, bolachas recheadas, chocolates e salgadinhos, a maioria ricos em sódio, conservante e açúcar”, enfatiza o chefe do Serviço de Endocrinologia do HGG. Na prática, assinala, as famílias perderam o hábito de comer juntas as três principais refeições do dia. Associada a essa questão, ocorreram a popularização dos fast food e a grande avalanche de propagandas deste tipo de alimentação. Nelson Rassi observa que, muitas vezes, na tentativa de incentivar as crianças a fazer a tarefa escolar, por exemplo, pais ou responsáveis se comprometem a levá-las a uma lanchonete em que são servidos os fast food.

Paralelamente à mudança dos hábitos alimentares, houve, conforme o médico, a substituição das brincadeiras de criança pela atividade física programada. As novas gerações de meninos e meninas deixaram de participar de brincadeiras como jogar bola na rua, pique, queimada, pular corda e andar de bicicleta. Atualmente, a maioria pratica exercícios físicos em horários programados, em alguns dias da semana, na escolinha de futebol, na natação, no vôlei e nas aulas de balé. O restante do tempo é gasto com o uso de celulares e computadores. Esta alteração, acentua Nelson Rassi, levou à diminuição das horas de atividades físicas.

Risco para outras doenças

O chefe do Serviço de Endocrinologia do HGG aponta a necessidade de reversão da curva da obesidade o mais rápido possível. Afinal, destaca, uma criança obesa é presa fácil para se tornar um adolescente e um adulto obeso. Além de impor aspectos negativos do ponto de vista social, como casos de bullying, a obesidade é fator de risco para vários agravos e doenças, entre os quais colesterol alto, hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. Em tese, enfatiza Nelson Rassi, a criança obesa que se torna um adulto obeso corre o risco de ter uma vida mais curta.

Os riscos relacionados à obesidade preocupam a dona de casa Ângela de Melo Alves Monteiro, de 41 anos, desde o nascimento da filha, Maria Eduarda de Melo Monteiro, de dez anos. A menina, conforme diz, sempre gostou de comer muito e desde os primeiros anos apresentou os índices de peso e altura além do indicado para a sua faixa etária. Quando a garota tinha cinco anos, os exames demonstraram taxas elevadas de triglicérides e colesterol.

“Para mim, sempre foi uma luta manter o peso da minha filha em parâmetros considerados normais e assegurar a saúde dela”, pontua a dona de casa. Ela conta que as alterações nos níveis de colesterol e triglicérides acenderam o primeiro sinal de alerta. O médico pediatra da menina indicou uma dieta que Ângela de Melo a fez seguir à risca. “Cortei todo tipo de guloseima como bolacha recheada, sorvete e chocolate. Dava apenas uma vez na semana pelo fato de ela ser criança”, assinala. Além disso, ela colocou a filha na aula de natação.

Apesar dos esforços, Maria Eduarda sempre teve instabilidade no peso. Ângela de Melo diz que em maio deste ano a menina chegou a pesar 60 quilos. Quando as taxas de colesterol e triglicérides foram controladas, o nível da glicemia aumentou. Hoje, Maria Eduarda está com 1,60 metro de altura e 55 quilos. “Ela chegou a sofrer a bullying na escola”, relata Ângela de Melo. Hoje, conforme diz, já se aproximando dos 11 anos, a garota tem se mostrado vaidosa, o que tem contribuído para a perda de peso.

Desafio conjunto

O mesmo tipo de dificuldade vivenciado por Ângela de Melo é enfrentado por uma analista de sistema de 41 anos, que prefere não revelar o nome. A filha dela, de 11 anos, pesa atualmente mais de 60 quilos. A menina, conforme relata a mãe, adora comer doce e macarrão e beber refrigerante diariamente. Além disso, tem histórico de obesidade na família. “Eu a levei em uma nutricionista que prescreveu uma dieta equilibrada, rica em frutas e verduras”, destaca. Ela conta que a filha faz atividade física na escola e, eventualmente, anda de bicicleta nas proximidades de casa. A analista de sistema assegura que limita o uso do celular e do computador em casa como forma de incentivar a prática das brincadeiras que exigem maior esforço físico.

O endocrinologista Nelson Rassi aponta a necessidade de união de esforços das famílias, médicos, educadores e representantes do poder público para a reversão dos índices de obesidade infantil. Aos pais, responsáveis, educadores e médicos, cabem o papel de orientar a criança”, pontua. Já o poder público, na avaliação de Nelson Rassi, deve investir maciçamente na realização de campanhas educativas voltadas ao incentivo da alimentação saudável e da prática de exercícios físicos. Ele também aponta a necessidade de o Estado definir regras mais rígidas para a produção de alimentos industrializados, com teores moderados de açúcar, conservante e sódio, e realizar fiscalizações efetivas na comercialização de alimentos que fazem mal à saúde.

Maria José Silva (texto) e Sebastião Nogueira (fotos), da Comunicação Setorial

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