Com gostinho de casa, menu hospitalar evolui para atender pacientes
Preparações saborosas e quentinhas recuperam a saúde e colaboram com a saúde física e mental das pessoas em internação
Todo mundo já ouviu falar do quanto comida de hospital é ruim, não é? A fama surgiu há muito tempo quando ainda se acreditava que as pessoas com algum problema de saúde deveriam se alimentar de porções sem sal ou tempero. A regra era servir sopas, caldos ou alimentos sólidos insossos que, ao contrário de instigar a fome, geravam repulsa. Esse cenário mudou bastante, especialmente nos últimos anos. Agora, a assistência ao paciente conta com profissionais especializados e também com uma nova forma e encarar a nutrição.
Um estudo realizado por médicos da Universidade de Berna, na Suíça, e publicado na revista científica American Journal of Clinical Nutrition há 8 anos mostrava que a internação por si só é um inibidor de apetite. Por outro lado, uma pesquisa da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, em 2008, apontou que pacientes hospitalizados gostariam de comer pratos que relembrassem bons momentos em família, aqueles feitos pelas mães e avós que remetem a carinho e acalanto, como canja, purê de batata e macarrão.
No contexto brasileiro, o cardápio tradicional impera. A boa e velha comida caseira, composta pelo trivial e que não deixa a desejar é arroz, feijão, carne e salada. Juntos, eles são imbatíveis para a maioria dos paladares. No entanto, a missão de oferecer o menu básico e mais bem quisto entre os pacientes se complica quando parte dos itens proibidos são os principais para tornar uma refeição mais apetitosa. O sal e a gordura tendem a ser nocivos para os pacientes internados e quase sempre são banidos por indicação médica. Assim, o esmero se volta para temperos diferenciados, apresentação e temperatura da comida.
Para satisfazer o paciente, o preenchimento de um simples “roteiro nutricional” auxilia a identificação de alimentos e pratos favoritos que passam pelo crivo da equipe de nutricionistas e, aí sim, pode ser atendidas. A realização de simples desejos alimentares satisfaz o corpo, a mente e o coração. “Nós respeitamos a prescrição médica e as especificidades da doença que acomete o paciente, mas conciliamos com o gosto da pessoa que está hospitalizada”, explica a coordenadora de Nutrição do Hospital Materno Infantil (HMI), Jussara Amorim.
No menu dos pacientes, há poucas exceções. A carne de porco é uma delas por causa da difícil digestão, enquanto refrigerante, frituras, comida condimentada e embutidos estão fora do cardápio já que a proposta é o incentivo a uma alimentação saudável. “Apesar disso, de acordo com a situação do paciente e na ausência de restrições extremas, um refrigerante pode ser sim servido por nós. Claro que isso não será diariamente, mas consideramos o aspecto emocional porque o paciente fica feliz e aumenta a aceitação aos demais alimentos. É tudo bastante individualizado e flexível dentro do possível”, destaca a coordenadora.
Particularidades – Atentas às normas de qualidade e de segurança, a equipe de nutricionistas da unidade atende a um batalhão e lida com o desafio de deixar os pacientes com água na boca. As preparações são organizadas aliando o prazer de comer e o estímulo de diversos sentidos, como o olfato e visão, mas principalmente o paladar. “Antes, o cardápio hospitalar era basicamente sopa por causa da fácil digestão e fácil mastigação. Agora pesamos a cores, a atração à comida, a textura dos alimentos e o sabor, mesmo que seja peculiar a cada pessoa. Prezamos o equilíbrio”, salienta Jussara.
A tarefa não é fácil, afinal de contas, elas precisam associar esses fatores à dietas personalizadas que podem exigir algumas restrições alimentares, dependendo da enfermidade do paciente. Além disso, elas encaram diferentes preferências, ou seja, encaram o trabalho de melhorar a aceitação alimentar para conseguir adesão do paciente ao tratamento dietoterápico.
Jussara destaca que houve uma evolução da nutrição hospitalar. “Procuramos oferecer refeições balanceadas, saudáveis e saborosas. Aí utilizamos o conhecimento científico e a criatividade”, afirma. O cardápio hospitalar, segundo ela, deve conter variedade de alimentos, precisa aliar os hábitos alimentares dos pacientes para que a dieta não seja radicalmente diferente daquela à qual o organismo está acostumado e atender às necessidades nutricionais e calóricas. O trabalho do serviço de Nutrição dietética tem ainda outra função importante: identificar as complicações decorrentes da hospitalização, diminuir os riscos de mortalidade e de morbidade (conjunto de causas capazes de produzir uma doença), promover e melhorar os hábitos alimentares.
Funciona da seguinte maneira: se uma criança internada no HMI não está acostumada com um determinado alimento, a equipe prepara um cardápio com aqueles que ela gosta mas acrescenta o item fora da lista de preferência e explica a importância para a saúde. “A ingestão nunca é forçada. Orientamos a mãe ou acompanhante e fazemos o mesmo com a mulher hospitalizada na unidade. Muitos se conscientizam e aderem ao tratamento”, afirma Jussara. Segundo ela, alguns pacientes recebem alta e dizem que passaram a gostar do que antes nem cogitavam apreciar. Em caso de alergias alimentares, gestação de alto risco ou situações específicas que demandem atenção nutricional, o paciente recebe acompanhamento do Ambulatório de Nutrição do HMI. “Além da alimentação para acabar com a fome e para a recuperação, atuamos em prol de uma educação nutricional”, frisa a coordenadora.
Sopa sim! – É o caso do pequeno Izaaque Pires, de 5 anos. Ele ficou internado no HMI durante 22 dias, após uma úlcera no intestino. Bem melhor, o garoto não se parece em nada com aquele que deu entrada na unidade no início de agosto. O menino até ganhou peso. A mãe, Nelma Pires, é só elogios. “Tenho que agradecer a todos da equipe de Nutrição do hospital. A comida é uma delicia, especialmente em comparação a anos atrás, quando era horrível. Hoje a qualidade e atendimento são muito bons e tem carinho e atenção de todos, que fazem tudo com amor e carinho”.
O relato é bastante significativo. O filho não comia nenhuma verdura, situação bem diferente da atual. “É gostosa”, diz o menino sobre a comida. “Eu tinha que brigar com ele para comer. Os únicos vegetais que ele comia eram batata e tomate, que Izaaque amava. Salada não comia de jeito nenhum. Era só arroz, carne e feijão. Precisava brigar para comer o restante. Agora, ele come e adora sopa!”, afirma, contente pela recuperação da criança e mudança de paladar. A mãe diz que vai preparar em casa para ele embora oferecesse.
“Ele gostou da forma como trouxeram para os vegetais, em forma de sopa”, acrescenta. Nelma acredita que o local onde viviam também tenha influenciado na rejeição de certos alimentos. Ela, o filho e o marido moravam em Londres, na Inglaterra, onde a apresentação é bastante diferenciada. “Lá, a cenoura, por exemplo, é sempre pré-cozida e servida em tirinhas. A maioria dos vegetais é servido cru e não cozido”, frisa.
Fonte de saúde – O grego Hipócrates, considerado o pai da Medicina, já abordava a sabedoria envolvendo comida e qualidade de vida ainda século 4 antes de Cristo, quando aconselhou: “que seu remédio seja seu alimento e que seu alimento seja seu remédio”. Centenas de anos mais tarde, na Idade Média a crença era de que alguns alimentos eram mágicos e outros eram envoltos por tabus, a ciência moderna consegue determinar as relações entre os nutrientes, os papéis biológicos de cada um deles e as necessidades dietéticas de cada ser humano.
Esse conhecimento é utilizado diariamente em hospitais há cerca de 20 anos para a recuperação e promoção da saúde dos pacientes em conjunto com os procedimentos e orientações médicas. Amanhã, quarta-feira (31 de agosto), inclusive é o dia do Nutricionista, profissional responsável por implementar esse cuidado nas instituições de saúde.
Considerados remédios naturais, alguns alimentos ou grupos alimentares são imprescindíveis na dieta de cada tipo de paciente. No caso de crianças e mulheres que deram à luz ou passaram por uma cirurgia, a atenção é diferenciada. Os cuidados levam em consideração a fragilidade da condição física em que se encontram. Especializado na saúde feminina e de crianças, o HMI serviu entre janeiro e junho deste ano 24.380 refeições para pacientes e 23.917 refeições para acompanhantes. Além deles, a unidade serve três refeições para os colaboradores.
Diariamente, são oferecidos café da manhã, colação, almoço, lanche, jantar e ceia. Basicamente, a composição é sempre um carboidrato (arroz branco ou integral, por exemplo), proteína (algum tipo de carne), vegetais, suco de fruta natural e/ou fruta natural. “A alimentação de qualquer pessoa deve ter composta por macro e micro nutrientes. Na primeira categoria, o ideal ao longo do dia seria um total de 60% de carboidrato, 25% de proteínas e 15% de lipídios na dieta. As vitaminas, sais minerais e fibras integram o segundo grupo necessário para o organismo”, explica Jussara.
Fonte: HMI