Médica se aposenta e deixa legado em xeroderma pigmentoso

Sensação de dever cumprido. Foi com este sentimento que a médica dermatologista Sulamita Costa Wirth Chaibub, uma das maiores especialistas no País em xeroderma pigmentoso (XP), despediu-se da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO). Em visita ao secretário Leonardo Vilela, a médica anunciou que está se aposentando do serviço público, onde atuou por 26 anos. Servidora do Ministério da Saúde lotada no Hospital Alberto Rassi – HGG, Sulamita Chaibub coordenou a reestruturação da Seção de Dermatologia da unidade e, em especial, o atendimento médico às pessoas portadoras da grave enfermidade, todas residentes em Araras, povoado de Faina. Os levantamentos feitos pela equipe chefiada por Sulamita Chaibub revelam que atualmente 21 pessoas portadoras de XP residem em Araras. Outras 30 pessoas, que também enfrentaram o drama da enfermidade, já faleceram.

O povoado reúne a maior comunidade de pacientes da doença no Mundo. Assim que obteve conhecimento da questão, a médica “abraçou a causa”. Ela reservou uma agenda da Seção de Dermatologia ao atendimento dos pacientes de XP, organizou o prontuário para estes pacientes, manteve contatos com especialistas para a realização de pesquisas e sensibilizou gestores para a dotação de melhores condições de atendimento à comunidade. Nesta entrevista, a médica faz um breve relato da importância da assistência interdisciplinar aos pacientes, os avanços alcançados, o apoio que recebeu das autoridades e da equipe de servidores e, sobretudo, as peculiaridades que envolvem as pessoas que têm XP. O trabalho foi árduo, mas, conforme a médica, foi extremamente valioso, enriquecedor, gratificante. “Valeu muito a pena”, conclui. Dra. Sulamita, na sua longa ficha de serviços prestados à população, destaca-se o atendimento às pessoas que têm o xeroderma pigmentoso.

Como foi que ocorreu o início deste processo?

O atendimento às pessoas com xeroderma pigmentoso foi algo especial para todos os que integram a equipe, para os gestores, médicos e profissionais de laboratórios. Nos deparamos com uma questão inédita, singular, levando-se em consideração o fato de tantas pessoas serem portadores da enfermidade no mesmo povoado. Quando esta grave questão veio à tona, em 2010, constatamos que ninguém no mundo tinha um preparo para fazer uma atenção a um grupo tão especial. A comunidade precisava de atendimento em todos os aspectos, de apoio e orientação.

Os portadores de xeroderma pigmentoso tinham dimensão da doença?

Eles não sabiam sequer o nome da doença e porque aparecia. Na ocasião mais de 30 pessoas já haviam morrido em função da enfermidade. Os pacientes achavam, equivocadamente, que tinham uma doença passada de pai para filho pelo não acompanhamento das regras sociais da época. Não é verdade. O xeroderma pigmentoso é uma doença genética. Foram feitas inúmeras atuações e atividades desenvolvidas por profissionais, chefes de seções e autoridades da SES, que abriram espaço para ampliar a assistência a este grupo de pessoas, especificar e explicar o atendimento, para coloca-los numa condição de vida melhor.

Estes pacientes continuam sendo atendidos no ambulatório do HGG?

Sim, eles continuam sendo atendidos no ambulatório do HGG, mas por iniciativa da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, uma verba foi destinada a um hospital do município onde moram. Eles moram no povoado de Araras, no município Faina. Foi contratada uma especialista em dermatologia, com treinamento em câncer, para atender os casos de tumores menores e os exames, consultas iniciais no próprio hospital. Isto representou um grande avanço, pois eles não são obrigados mais a vir a Goiânia e andar todas as vezes 65 quilômetros em estrada de terra. Apesar de terem o apoio do transporte da Secretaria, o deslocamento é penoso.

Os casos graves vêm para o HGG?

Sim, os casos que não podem ser operados em Faina, como os tumores mais amplos, internos, vem para o HGG e são direcionados para o Hospital Araújo Jorge. Atualmente quantas pessoas têm a doença e estão em tratamento? Atualmente temos 21 pessoas portadoras de xeroderma pigmentoso cadastradas na Secretaria da Saúde, com a doença visível, palpável. Mais de 30 já morreram. Até agora, o serviço de Biologia Molecular da Universidade de São Paulo, comandado pelo professor Carlos Frederico Menk, identificou mais de 70 pessoas aparentemente sãs, mas que tem um gene defeituoso.

Estas pessoas podem desenvolver ou ter filhos com a doença?

Eles não vão desenvolver a doença nunca porque tem um gene oculto. Mas podem ter filhos com xeroderma pigmentoso se o parceiro tiver o mesmo gene oculto, como eles. Por isso, é importantíssimo que haja a orientação familiar, o aconselhamento genético. Sabendo que eles são portadores, ninguém pode impedir que eles se casem. Mas eles vão se casar sabendo que podem ou não ter filhos com a doença.

Valeu a pena?

Demais, valeu a pena o esforço, o sacrifício, a gente sente que fez alguma coisa para melhorar a vida das pessoas que sofrem com a adversidade da doença. Os pacientes viviam num inferno de nebulosidade, carregando um destino trágico. Desenvolvemos um trabalho exitoso, que muito beneficiou pessoas carentes, com o apoio de uma equipe enorme.

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