Pesquisa fomentada pela Fapeg estuda a ecologia química de toxinas alcaloides no Cerrado: O caso das formigas peçonhentas e sapos venenosos

Os trabalhos recebem fomento da Fapeg e do CNPq e estudam a estratégia de anfíbios que aparentemente dependem de alimentar-se de formigas peçonhentas para sequestrarem toxinas de defesa, numa complexa relação de simbiose química entre espécies que podem revelar novos compostos de importância ecológica e biomédica

 

O caso das formigas peçonhentas e de sapos venenosos começa a ser estudado em Goiás pelo pesquisador Eduardo Gonçalves Paterson Fox do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Goiás (PPGAS/UEG). O pesquisador vai coordenar o projeto em parceria com os professores pesquisadores Marcos Pesquero (PPGAS/UEG) e Fausto Nomura (UFG), também em colaboração externa com as pesquisadoras Anita Marsaioli (Unicamp) e Flavia Virginio (Butantan). A pesquisa está sendo realizada na UEG de Quirinópolis, com o suporte do Centro de Análises, Inovação e Tecnologia (CAITec do Câmpus Central da UEG).

Os trabalhos estão recebendo fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa foi selecionada por meio da Chamada Pública 06/2020, Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (PDCTR). O edital foi lançado com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e estimular a mobilidade e a fixação de doutores com experiência em ciência, tecnologia e inovação e/ou reconhecida competência profissional em instituições ou empresas, públicas ou privadas, de ensino superior (IES) e/ou de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTI) para atuarem no Estado de Goiás no desenvolvimento de pesquisas avançadas com possíveis desenvolvimentos aplicados.

Lacunas
A equipe quer entender as diversas lacunas ainda existentes na dinâmica da ecologia química de toxinas alcaloides no Cerrado, como seria o caso do possível sequestro de alcaloides de formigas por sapos predadores, principalmente no que diz respeito à origem e ao processamento fisiológico destes alcaloides pelos animais. “Suspeitamos de um sequestro de toxinas alcaloides a partir de formigas pela alimentação por sapos, com possível alteração metabólica das moléculas para gerar maior toxicidade”, relata o pesquisador Eduardo Fox.

Alcaloide do tipo registrado na literatura entre sapos e formigas

O pesquisador explica que alcaloides são um grupo muito diverso de compostos cíclicos nitrogenados, incluindo compostos usados há séculos pela medicina tradicional. Os mais famosos foram isolados e descritos a partir de plantas, como a nicotina do tabaco, a coniina da cicuta e a morfina do ópio. Hoje sabe-se da existência de alcaloides que são originários exclusivamente de animais. “Nosso objetivo é entender como estas toxinas são processadas biologicamente pelo metabolismo de formigas peçonhentas e de sapos venenosos que delas se alimentam. Algumas toxinas alcaloides são utilizadas há muito tempo como venenos e medicamentos de origem natural, como a quinina”, explica o pesquisador.

Diversos destes compostos bioativos têm propriedades marcantes que fundamentam um grande interesse biomédico e biotecnológico (p.ex. gefirotoxinas e solenopsinas). “Ainda sabemos pouco sobre alcaloides animais. Não se sabe ao certo como as formigas lava-pés produzem seus alcaloides de veneno, conhecidos como solenopsinas. Alguns sapos que comem formigas deste grupo apresentam alcaloides semelhantes na pele”, e aí está o foco do estudo. O pesquisador explica que as formigas usam os alcaloides como toxinas injetadas por meio de ferroadas como armas contra presas e inimigos naturais. Os sapos ostentam alcaloides tóxicos na pele como proteção contra parasitas e predadores.

Coleta de amostra no campo. 

A pesquisa utilizará como modelo as rãs-de-seta-de-bolinhas-amarelas (Anura: Dendrobatoidea – Ameerega flavopicta e Ameerega berohoka, do sudeste e sudoeste goianos) que se alimentam de formigas lava-pés (Insecta: Formicidae: Solenopsis). Além de realizar um levantamento da diversidade dos alcaloides de veneno entre as espécies e checar se houve sequestro por alimentação, os pesquisadores pretendem buscar informações sobre a origem destes compostos nas formigas, e sobre possíveis modificações metabólicas pelos anfíbios, possivelmente engendradas por micro-organismos simbiontes.

Apoio internacional
Segundo o pesquisador, o projeto conta com o apoio de uma rede de colaboradores internacional e interdisciplinar, externos ao projeto, na possibilidade de posteriormente desenvolver tecnologias de obtenção e análise de compostos de interesse farmacêutico acerca de modelos animais ecologicamente importantes. Ele esclarece que o Brasil carece de grupos de pesquisas dedicados aos estudos de formigas peçonhentas, e que “a UEG passa a ser uma boa sede para esta iniciativa”.

Coleta em formigueiros.

Atualmente o trabalho da equipe encontra-se na fase de descrever a química de toxinas destas espécies, buscando evidências sobre a possibilidade de um sequestro bioquímico. Os animais são capturados em seus habitats naturais em regiões de cachoeiras e poças temporárias pelo sul goiano. Os sapinhos são normalmente localizados pelo seus cantos (coachar) e são capturados manualmente. As formigas são localizadas por meio dos formigueiros e escavadas da terra nas proximidades. Serão utilizadas poucas dezenas de sapos como amostras, e também dezenas de formigueiros”, relata o pesquisador.

Insetos e anfíbios
Apesar de os alcaloides mais famosos terem sido isolados de plantas, hoje estudos já comprovam a existência de muitos originários de animais. Dentre os grupos de animais que mais destacam-se por apresentar compostos alcaloides, estão os insetos (principalmente lagartas, besouros e formigas) e anfíbios (sapos, pererecas e salamandras), explica o pesquisador.

Tipo de ambiente propício para a captura do sapo de flecha. 

Seres humanos vêm utilizando, há séculos, os efeitos bioativos de alcaloides venenosos como armas, a exemplo do curare usado em zarabatanas e pontas de flechas; e medicamentos como a quinina contra doenças e febres, a partir de extratos naturais de plantas e animais. “Com o advento dos métodos de pesquisa científica, diversos alcaloides têm se mostrado promissores no tratamento de doenças e como adjuvantes em uma diversidade de outras atividades humanas, sendo um dos grupos de compostos naturais de maior interesse para estudo, bioprospecção e biotecnologia”, destaca Eduardo Fox.

São inúmeros os casos de insetos que adquirem alcaloides tóxicos ao se alimentarem de plantas venenosas (como no clássico caso das borboletas monarcas), bem como de anfíbios que sequestram alcaloides de invertebrados dos quais se alimentam, como nos mais famosos sapos venenosos amazônicos de gênero Dendrobates e Oophaga spp. Um exemplo notável dentre os insetos são as formigas, que se destacam pela capacidade de produzir uma larga gama de compostos químicos, onde principalmente suas toxinas de veneno incluem compostos ativos que ainda hoje permanecem parcamente descritos, segundo explicação do pesquisador.

Formigas da tribo Solenopsidini são bem conhecidas e comuns em todos biomas brasileiros. Incluem gêneros comuns como Solenopsis e Monomorium, que são abundantes em diversos tipos estruturais de alcaloides tóxicos de veneno, incluindo compostos famosos de interesse. A diversidade de espécies de formigas Solenopsidini (cerca de 1000) no Brasil é a maior do mundo, e poucas espécies (menos de 20) foram investigadas sobre sua diversidade química. Ainda persistem grandes obstáculos atrasando a pesquisa dos alcaloides de animais, principalmente envolvendo a extração em quantidades suficientes para testes, e as dificuldades para identificação e cromatografia em grau de pureza suficiente para bioensaios mais específicos, esclarece Eduardo Fox.

Tecnologias de manipulação
Algumas novas tecnologias de manipulação de formigas, extração de veneno e fracionamento vêm sendo desenvolvidas pelo professor Eduardo Fox permitindo, segundo ele, de maneira relativamente simples obter a baixo custo extratos daquelas frações de potencial interesse para imunoterapia e/ou pesquisa sobre determinadas classes bioquímicas. O pesquisador comenta que ainda se sabe muito pouco sobre o metabolismo de compostos alcaloides, principalmente nas espécies animais. Mesmo onde as vias enzimáticas para produção destes metabólitos secundários ainda sejam o alvo de diversos estudos, ele relata que tem por estabelecido que determinados grupos de formigas têm a capacidade de produzir e bioacumular alcaloides como mecanismo de defesa contra predadores e patógenos. “Existe a possibilidade de que alguma microbiota simbionte esteja envolvida na síntese de alcaloides nas formigas Solenopsis, provavelmente associada ao aparato de veneno. De maneira análoga, também ainda não foi avaliada a existência de tal microbiota associada a sapos venenosos”, revela o pesquisador.

Equipamento de análise dos compostos amostrados. GC-MS. 

Vertentes do Programa
O PDCTR atua em duas vertentes: Regionalização: caracterizada pela atração de doutores de outras regiões do país e de outros países para instituições de ensino superior e/ou pesquisa localizados na Região Metropolitana de Goiânia ou no município de Anápolis; e Interiorização: caracterizada pela atração de doutores para instituições acadêmicas e institutos de pesquisa localizados fora da área metropolitana de Goiânia e fora do município de Anápolis (permitida a concessão de bolsa a doutor formado e/ou radicado no estado de Goiás).

 

Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg

Fotos: arquivo do pesquisador

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