Fica 2018 – A Nova Espiritualidade resgata a relação ancestral com o meio ambiente

Um público sensibilizado lotou a clareira do Convento do Rosário em Mesa de Meio Ambiente

Quem pensava que a espiritualidade tinha pouco a ver com o debate ambiental saiu da terceira Mesa de Meio Ambiente com esse conceito transformado. As falas de Mãe Flávia, Frei Paulo Castanhêde e Ailton Krenak instigaram o público para um engajamento ambiental que parta do espírito. Os palestrantes  emocionaram o público com o tema A Nova Espiritualidade.

A escolha de trazer esse tema para uma das Mesas de Meio Ambiente veio justamente da percepção da interseccionalidade entre as duas discussões. “São temas unidos e se confundem, porque toda religião, toda tradição espiritualista, por princípio, defende a vida, o que justifica, portanto, a largada desse debate para a proteção e a conservação da natureza e dos recursos naturais”, explicou André Trigueiro, que fez a consultoria do Fórum Ambiental do vigésimo Fica e mediou a mesa da manhã de sábado.

O que mais se frisou durante o debate foi a importância de perceber que, na verdade, a nova espiritualidade que se busca é um resgate à espiritualidade ancestral – conectada com a natureza, as águas e a terra. Flávia Pinto, também conhecida como Mãe Flávia, é umbandista, socióloga, militante negra e feminista. Ela começa contextualizando sua fala com uma linha do tempo das religiões no mundo. Mãe Flávia, assim, traz um discurso histórico, em que, ao longo do tempo, algumas tradições foram perdidas, como as concepções sagradas da natureza e da mulher por exemplo. Assim ela justifica a necessidade de reconexão com a natureza.

“A gente não vai ser ecologista se a gente não respeitar a cultura indígena e entender que há uma dívida histórica com os negros”, afirmou Mãe Flávia durante sua fala. As consequências dessa desconexão histórica foram exemplificadas pela socióloga com os problemas da metrópole. As doenças urbanas, para ela, e a desigualdade social estão diretamente relacionadas com a crise ambiental. Crise que, para André Trigueiro, parte de uma crise humana e, portanto, a solução têm que vir de uma mudança espiritual humana.

Frei Paulo Castanhêde, membro da Ordem dos Frades Dominicanos, especialista em direitos humanos e mestre em Educação, figura conhecida dos vilaboenses, defende que a espiritualidade é um dos temas que mais tem a ver com o meio ambiente. “É um equívoco achar que a preservação do planeta, o cuidado com a natureza é apenas técnico, no entanto, ela supõe um estado de espírito”, defende.

Para o frei, trata-se de tentar viver a espiritualidade e não só pensar em uma nova espiritualidade. Frei Paulo também destacou que a espiritualidade vai além da religião e não necessariamente ela precisa de dogmas religiosos para existir. “A religião surge de um sopro do espírito”, resume.

Frei Paulo ressalta a interligação entre a miséria de uns, a riqueza de outros e a crise ambiental. Ele reforça que pensar o meio ambiente, por um viés espiritual, é uma questão ética. “Uma atitude espiritual é necessária para que haja uma convivência harmônica com o meio ambiente”, alerta. Frei também ressalta a importância do resgate a uma espiritualidade holística, que deixe para trás a lógica de dominação que algumas religiões assumiram.

Os dois palestrantes ainda frisaram a importância de cuidar da alma e das outras pessoas para se garantir uma qualidade de vida. Mãe Flávia provocou para uma militância ambiental que deve vir de dentro para fora e começar com os hábitos rotineiros, como a alimentação. “Não tem como preservar o planeta sem cuidar das pessoas”, alertou Frei Paulo.

André homenageou a presença do ativista indígena Ailton Krenak, que também é júri na Mostra Competitiva. Emocionado, Ailton subiu à mesa e trouxe a percepção de seu povo sobre a espiritualidade. “Tudo na terra é diversidade, e é preciso valorizar essa relação com o outro”, afirmou e chamou a atenção para pensar um mundo humanamente e ambientalmente plural.

Vale lembrar que o povo Krenak foi um dos atingidos pelo que Ailton chama de crime da Samarco, que devastou Mariana. André ressaltou que a tragédia é resultado de uma investida violenta em políticas para o agronegócio, a mineração, que, por meio de grandes corporações, dizima os povos tradicionais das florestas. E Ailton chamou a atenção para pensar em uma mudança de atitude para além de esperar mudanças de mandatos políticos. “Nós vamos ter que assumir a mudança por nós”, afirma.

Frei Paulo também chamou atenção para a necessidade de haver um desapego material. “Mais importante que deixar de comer peixe na semana santa, é deixar de comprar um monte de besteira no shopping durante o ano”, provocou Frei Paulo.

O sagrado feminino esteve tanto na fala de Mãe Flávia como na de Frei Paulo, sob uma perspectiva católica. Ele lembra que, em contrapartida à lógica machista da igreja hegemônica, o povo católico sempre recorreu à mulher como sagrada, por meio de Nossa Senhora. O frei explicou que o sagrado está em todos os lugares, está na terra e não só na terra onde está a igreja, está em todas as águas e, por isso, a importância do cuidado.

Mãe Flávia lembrou, ainda, que para engajar as pessoas por uma consciência ambiental é preciso ser insistente. “A repetição da conscientização ambiental tem que ser interrupta”, destacou.

No momento da despedida de um público emocionado e instigado a engajar-se, Frei Paulo, Mãe Flávia e Ailton Krenak, a convite de André Trigueiro, proferiram bençãos de suas respectivas culturas a quem os assistia na clareira do Convento do Rosário.

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