Startup utiliza insetos parasitoides para o controle biológico de pragas em lavouras
Selecionada pelo Programa Centelha Goiás, a biofábrica busca industrializar a produção e alcançar novos mercados
A sociedade tem mudado e cobrado constantemente soluções sustentáveis para a sobrevivência do planeta. Frente a esse cenário positivo, a ciência tem trabalhado a serviço da sustentabilidade. Na agricultura, o controle biológico de pragas nas lavouras desponta como alternativa ao uso de agrotóxicos e conquista um mercado cada vez mais exigente.
Foi para o campo que a engenheira-agrônoma Rízia da Silva Andrade levou o seu produto, cuja ideia nasceu durante suas pesquisas de mestrado na USP de Piracicaba, São Paulo. Hoje a pesquisadora faz doutorado na Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Com o intuito de combater pragas agrícolas do tomate e do milho, a partir de seus próprios inimigos naturais, a pesquisadora montou a sua biofábrica, transformando seu projeto de pesquisa em empresa.
A irmã e sócia Glaubia da Silva Andrade Cavalcante é a protagonista da parte administrativa e financeira da empresa. “Com sua experiência empresarial ela deu cara de empresa para o meu produto e ajudou desde a constituição formal da empresa até o funcionamento diário. Esta parceria tem aproximado, de forma muito satisfatória, a pesquisa do mercado consumidor”.
“Transformar uma pesquisa em produto foi o primeiro desafio. Agora, o segundo desafio é escalar a produção de modo industrial e mecanizada para alcançar novas áreas de cultivo”, comenta a pesquisadora. “Atualmente conseguimos atender apenas pequenos produtores, produzindo de forma manual e em pequena escala, mas a intenção é crescer, ir para os médios e grandes produtores chegando também nas lavouras de soja e cana-de-açúcar”, explica.
Programa Centelha
“O produto já alcançou visibilidade e temos lista de espera para atendimento,” comemora a pesquisadora. Em fase de comercialização pioneira e busca de identificação de novos nichos de mercado, o projeto foi um dos selecionados pelo programa Centelha Goiás em edital lançado pelo Governo de Goiás por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), em parceria com o MCTI, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), e operado pela Fundação Certi.
O Centelha tem como objetivo estimular a criação de negócios inovadores e fomentar a cultura empreendedora no Estado, além de além de oferecer capacitações e suporte aos participantes. O fomento é realizado na modalidade de subvenção econômica, isto é, o recurso não precisa ser devolvido.
O produto
Hoje, Ceo da startup Biogyn Soluções Entomológicas e diretora de produção, Rízia Andrade, e sua irmã trabalham como produto principal e carro-chefe o parasitoide de ovos Trichogramma para o manejo de lepidópteros. Elas criam em laboratório milhares de Trichogrammas, que são vespas com menos de um milímetro de comprimento, mas que têm grande poder contra inimigos conhecidos dos produtores rurais: as lagartas, que causam enormes prejuízos às lavouras.
Em laboratório, os ovos de uma mariposa conhecida popularmente como traça de farinha (Anagasta kuehniella) são parasitados com ovos das microvespas Trichogrammas, que são predadoras. Os ovos são presos em cartelas com colas adesivas e as cartelas são fixadas nas plantas. Lá eles emergem e as vespas saem em busca de ovos de mariposas e borboletas que podem se tornar pragas nas lavouras (lagartas).
A pesquisadora explica que, assim que encontram o hospedeiro, as vespas depositam seus minúsculos ovos dentro dos ovos da praga e matam o embrião para não ter competição, impedindo que se transformem em lagartas e iniciem a alimentação e os danos nas culturas. Dentro de oito a 10 dias, nascem novas vespinhas, que são totalmente carnívoras e não prejudicam a cultura.
Cada unidade (cartela com gancho) tem cerca de 1500 vespas e possui um raio de atuação de 28 metros quadrados. A pesquisadora explica que o recomendado são cerca de 500 mil insetos por hectare para a cultura do tomate, 100 mil vespas por hectare para as culturas de soja e milho e 50 mil vespas por hectare para cana-de-açúcar. “Esse controle é preventivo, pois impede o desenvolvimento das lagartas”.
Controle biológico X agrotóxico
E é justamente esse controle preventivo que pode auxiliar na redução do uso de agrotóxico, cujos resultados de aplicação intensiva levam à contaminação dos alimentos, do solo, da água e dos animais; à intoxicação de agricultores; à resistência de pragas a princípios ativos; à redução da biodiversidade, e principalmente provocam sérios prejuízos à saúde dos consumidores.
A liderança mundial conquistada pelo Brasil no setor do agronegócio impacta diretamente na dependência crescente dos agrotóxicos, o que nos confere também o título de campeão mundial no consumo desses produtos. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apontam que o Brasil é responsável por 1/5 do consumo mundial de agrotóxicos, usando 19% dos agrotóxicos produzidos no mundo. Registros do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, elaborado pela professora Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de geografia da USP, mostram que entre 2000 e 2014, o consumo no Brasil saltou de cerca de 170 mil toneladas para 500 mil, aumento de 194% em 15 anos.
“Trabalhar com microparasitoide de ovos de mariposas e borboletas requer treinamento específico e muita organização. Não é qualquer pesquisador que consegue escalar com qualidade uma biofábrica”, explica Rízia Andrade. Segundo ela, “as cartelas de distribuição das vespas Trichogrammas devem ser patenteadas, assim como o processo produtivo, uma vez que a empresa é única e organiza sua produção de forma manual e automatizada de forma sigilosa”. As empresas que trabalham com controle biológico patenteiam seus processos ou guardam como segredo industrial. “O que é patenteado é a forma de produção, mas não o produto em si. Cada empresa desenvolve a sua forma de liberação no campo ou a forma de produção. Isso é o que pode ser patenteado”, explica a empreendedora.
Inovamos no atendimento de pequenos produtores, pois entregamos o produto toda semana para ser utilizado duas vezes por semana e em até 35 semanas, dependendo do ciclo do tomate em estufa. Em milho, são quatro liberações, o que equivale a quatro semanas apenas na safra da cultura. Essa recorrência é importante para o modelo de negócio da empresa. O produto que vendemos atualmente foi validado em 2019 e o resultado disso foram vários clientes satisfeitos.
Fapeg e Inpi
No ano passado, a Fapeg promoveu um minicurso sobre propriedade intelectual, em parceria com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), para orientar os novos empreendedores dos programas Centelha Goiás e Tecnova II. Em formato de webinar, na plataforma Zoom, especialistas do Instituto orientaram os participantes sobre como a propriedade intelectual pode ser utilizada como estratégia de negócios e proteção do ecossistema inovador e quais são os procedimentos para proteção da propriedade intelectual no Brasil. Os participantes puderam esclarecer dúvidas sobre patente e segredo industrial, o que é patenteável e o que não pode ser protegido como patente; processos de patenteamento, proteção dos nomes/logos e da identidade visual dos produtos e serviços através de registro de Desenho industrial e Marcas.
Assessoria de Comunicação da Fapeg. (Texto: Helenice Ferreira)