Estudo sobre Helicoverpa armigera , fomentado pela Fapeg, é publicado na revista Nature
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Social da Fapeg
A revista científica britânica Nature publicou, em março deste ano, um artigo científico em que pesquisadores brasileiros e de outros países discutem, por meio de características moleculares a origem da espécie Helicoverpa armigera no Brasil. Este estudo teve a participação da professora da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cecília Czepak, que forneceu amostras da espécie para que a pesquisa fosse possível.
A presença da lagarta foi identificada recentemente no País e tem surpreendido produtores e pesquisadores pelo seu alto poder de destruição, causando prejuízos, principalmente, às lavouras de milho, soja e algodão. O artigo foi publicado na revista Nature em parceria com o Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), órgão para pesquisa científica na Austrália, parceiro também na pesquisa.
As amostras foram coletadas em algumas localidades do Brasil, especialmente em Goiás e o trabalho contou com a colaboração de uma equipe formada por outros professores, pesquisadores, técnicos e alunos. Esta pesquisa e outras que estão em andamento sobre a lagarta têm fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e contrapartida da UFG.
O projeto de pesquisa intitulado Manejo Integrado de H. armigera no Estado de Goiás recebe fomento da Fapeg desde junho de 2014 e a professora doutora ressalta que “sem esse tipo de apoio dificilmente chegaríamos ao patamar de conhecimento que já alcançamos, porém precisamos fazer mais ainda, pois estamos apenas começando e há muito o que fazer em relação a essa praga em Goiás”.
Registro da praga
A professora conta que há tempos a comunidade científica vinha observando esta praga nas lavouras de soja e tomate, porém, relata como esta espécie tem semelhanças morfológicas muito próximas a outras, pensava-se se tratar de apenas surtos de populações resistentes. “Com o passar dos meses percebemos o comportamento da espécie. A agressividade com que atacava as culturas, principalmente as partes reprodutivas, como frutos e grãos, preocupou-nos. Passamos a questionar se ali não havia algo de diferente. Foi então que coletamos amostras desses espécimes e enviamos para identificação”, salienta.
Segundo a professora, com a ajuda do taxonomista do Instituto Uiraçu, da cidade de Camacan (BA), Dr. Vitor Becker, especialista em taxonomia de lepidópteros, soube-se que aquelas amostras se tratavam, na verdade, da espécie H. armigera. “A partir daí, iniciou-se um processo de notificação no Ministério da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Mapa), pois sendo uma espécie quarentenária, não poderíamos relatá-la sem antes obtermos a autorização do Mapa. Feito isso, publicamos um artigo, alguns meses depois, sobre a primeira ocorrência dessa praga no Brasil”, conta Cecília Czepak. Uma espécie quarentenária, segundo definição da Embrapa, é um organismo de natureza animal ou vegetal que estando presente em outros países ou regiões, mesmo sob controle permanente, constitui ameaça à economia agrícola do país ou região importadora exposta.
A comunicação científica com o primeiro registro de ocorrência de H. armigera no Brasil, que era considerada, até o momento, uma praga quarentenária A1, foi feita em 2013 pela equipe a qual a pesquisadora está ligada, por meio de um artigo publicado na Revista Pesquisa Agropecuária Tropical da Universidade Federal de Goiás (UFG)R (Goiânia, v. 43, n. 1, p. 110-113, jan/mar 2013). A notificação ocorreu nos Estados de Goiás, na cultura da soja; Bahia, em tiguera de soja; e Mato Grosso, na cultura do algodoeiro.
Origem e biossegurança
A pesquisa da origem da H. armigera no Brasil, publicada na Nature, por pesquisadores do CSIRO, tendo como coautores quatro brasileiros e dentre eles a professora Cecilia Czepak, está baseada principalmente em estudos de DNA mitocondrial e no cruzamento de dados sobre a comercialização agrícola do Brasil com diferentes países dos diversos continentes. A pesquisa detectou a ocorrência de 20 halotipos, originados de seis estados brasileiros, sendo que oito desses são novos, ou pelo menos desconhecidos até o momento. A professora explica que, com o cruzamento das informações de comércio exterior e DNA mitocondrial, pode-se inferir que os espécimes de H. armigera presentes no Brasil tiveram origem na Europa, Ásia e África.
Para Cecília Czepak, a importância maior da pesquisa está na biossegurança. Ela explica que com este trabalho foi possível detectar falhas importantes no sistema quarentenário brasileiro e alertar o Brasil e o restante dos países, para a possibilidade de riscos para a agricultura, com a entrada de novas pragas, principalmente levando em consideração a globalização e a facilidade com que o comércio entre os países se dá. “Da mesma forma como a H. armigera entrou, outras pragas poderão ser introduzidas se não houver uma mudança generalizada nas questões relacionadas à comercialização entre países”, alerta.
“Ficou claro neste estudo que H. armigera está a mais tempo do que se pensava no Brasil, e o que é pior, não foi apenas uma única entrada, e sim várias e em diferentes pontos do País. Também não foi fruto de bioterrorismo, mas sim fruto do descuido na fiscalização dos produtos agrícolas importados pelo governo brasileiro”, avalia.
Potencial destrutivo
A lagarta H. armigera tem atacado um número cada vez maior de plantas, inclusive as que se desenvolvem de forma voluntária ou que são cultivadas na entressafra. A praga atinge mais de 180 espécies de plantas hospedeiras, podendo alimentar-se de praticamente todas as culturas de interesse econômico, como soja, milho, tomate, feijão, algodão, sorgo, hortaliças e citros. A lagarta apresenta ainda uma ampla capacidade adaptativa e reprodutiva. Uma mariposa fêmea, por exemplo, pode depositar até 1.500 ovos por ciclo, de forma isolada, e migrar a uma distância de até mil quilômetros, comprovando sua alta capacidade de dispersão. E se alimenta de folhas e caules, mas têm preferência por brotos, inflorescências, frutos e vagens.
Para Cecília Czepak, a pesquisa “passa a ser importante para o Estado, porque Goiás é o maior produtor de tomate do Brasil e a H. armigera, ao se disseminar pelo País, principalmente para todas as regiões de Goiás, tornou-se praga-chave para essa cultura e outras tantas”. Ela explica que a H. armigera é uma praga quarentenária de importância mundial, que já ocasionou prejuízos de bilhões no mundo, e no Brasil, desde a sua notificação oficial em 2013, os relatos da sua presença são frequentes em várias culturas, sempre obrigando o produtor a se empenhar mais no seu controle.
Nesse ponto, os prejuízos financeiros para os agricultores, o uso indiscriminado de agroquímicos, inclusive inseticidas contrabandeados que acabam selecionando espécimes resistentes, são algumas consequências provenientes da presença da praga. Cecília Czepak alerta para a necessidade da parceria entre academia, governo e produtor para o controle e manejo do inseto. Ela explica que os trabalhos de pesquisa constam de coletas em todo o Estado de Goiás para mapear a praga nas diferentes localidades e culturas.
Parcerias e apoio no mapeamento
A pesquisadora também conta com parceria da professora Karina C. A. Godinho e alunos da graduação e pós-graduação da Escola de Agronomia, do Laboratório de PD&I de BioProdutos/LPPN (UFG) da Faculdade de Farmácia e UEG. Tem ainda a parceria efetiva, principalmente relacionada à coleta, identificação e análise dos dados dos seguintes órgãos: Agrodefesa, Emater, Lanagro/GO, Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em Goiás, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Científico e Tecnológico e de Agricultura, Pecuária e Irrigação de Goiás (SED), Federação da Agricultura do Estado de Goiás (FAEG) e também o CSIRO na Austrália, que tem ajudado na identificação molecular das amostras coletadas.
A pesquisadora também reforça o apoio imprescindível dos produtores que, em caso de suspeita devem comunicar para que se possa fazer a coleta e a identificação dos espécimes suspeitos. Segundo ela, a Escola de Agronomia e a Agrodefesa trabalham em parceria para prestar assessoramento ao produtor no sentido de planejar ações fitossanitárias, pois produtos usados e aplicados de forma indiscriminada acabam selecionando indivíduos resistentes. A aplicação constante de inseticidas para controlar as pragas, além de não gerar os resultados esperados pode causar problemas à saúde do trabalhador rural, à sua família, aos consumidores dos produtos e ao meio ambiente.