Pesquisadores da UFG estudam a história e memória da pipa em Goiânia
Pesquisa da UFG revela que a brincadeira sofreu alterações ao longo do tempo, relacionadas principalmente ao crescimento da cidade
Dias ensolarados e o principal: vento forte. O mês de agosto fecha a temporada das pipas no céu de Goiânia. Passada de geração em geração, a brincadeira é bem mais que um mero divertimento para as crianças. Ela também contribui para contar a história de Goiânia, da construção da capital até os dias atuais. A existência e o uso deste artefato ainda hoje presente na cidade foram abordados na pesquisa História e Memória da Pipa em Goiânia, da Faculdade de Educação Física e Dança da Universidade Federal de Goiás (FEFD/UFG), que fez parte do projeto de extensão Educação e Cultura na História das Práticas Corporais em Goiânia (1935-2005): “o corpo entre a cidade e o sertão”.
A investigação baseou-se em relatos de moradores, pesquisas em livros de memórias e no noticiário urbano, comparando dois períodos da história de Goiânia: a década de 1940 e a de 1990. Um dos aspectos observados foi a mudança do nome usado para designar o brinquedo: raia, papagaio e pipa. Uma hipótese é a influência da cultura escolar e da mídia para a popularização do termo “pipa”, embora a denominação “raia” ainda seja comum entre as crianças de Goiânia. Outro aspecto observado foi a mudança no material utilizado para confeccionar a pipa. No início era usado o grude, uma cola artesanal feita com farinha branca e água. Depois passou-se a usar uma cola de madeira comum na construção civil, progressivamente substituída pela cola plástica de origem industrial.
A professora da FEFD/UFG Rubia-Mar Nunes Pinto explica que a mudança no material colante guarda estreita relação com a história da cidade. “Nas primeiras décadas, a quase ausência de produtos industrializados impelia a produção artesanal da cola; posteriormente, o uso de um material colante típico da engenharia e da arquitetura mostra-se coerente com a expansão privilegiada da indústira da construção civil em uma cidade planejada. E, por fim, a substituição deste material pela cola plástica industrializada revela o processo de industrialização e circulação de mercadorias vivenciados no estado de Goiás e em sua cidade-capital”.
Modelos e cerol
Outras duas abordagens referentes à pipa estão relacionadas ao ordenamento espacial de Goiânia ao longo da história. A primeira diz respeito ao modelo. A pesquisa traz o relato de um morador dos anos 1990, que diz que Goiânia poderia ser dividida em duas grandes regiões a partir do predomínio de dois modelos de pipa: flechinha (formato de losango) e arraia (formato de hexágono). “Neste aspecto, a história da pipa em Goiânia diz respeito à história da ocupação urbana e das relações entre bairros e setores”, explica Rubia-Mar. Nas décadas iniciais da capital, havia grandes espaços vazios entre os bairros, criando grupos “rivais” com características próprias.
A segunda abordagem é o uso do cerol. Os vazios urbanos possibilitavam que a mistura de cola e vidro na linha fosse usada sem riscos e perigos para a circulação de pessoas e veículos. As distâncias entre bairros e setores permitiam que as “guerrinhas” de cerol fossem travadas entre crianças de regiões urbanas distintas. No céu das fronteiras entre bairros, separados por distâncias seguras, as crianças de um lado “toravam” as pipas das crianças de outro. O processo de urbanização fez do cerol um problema devido aos acidentes causados principalmente a ciclistas e motociclistas, embora os efeitos prejudiciais do uso deste tipo de linha revelem que há cada vez menos espaços públicos de lazer para a população goianiense, sobretudo para as crianças.
Fonte: Ascom UFG – Texto: Luis Felipe Fernandes