Pesquisadores investigam fatores que interferem na conservação de sapos, rãs e pererecas do Cerrado goiano
A última Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção organizada pelo ICMBio registra que 41 espécies de anuros estão sob algum grau de ameaça, sendo três dessas com ocorrência no Cerrado.
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg
Dar ouvidos aos sapos, literalmente, é uma das ferramentas que uma equipe de pesquisadores de diferentes áreas como a bioacústica, zoologia, divulgação científica, etologia, geoprocessamento, biologia da conservação, genética e genotoxicologia está adotando para ajudar a investigar como diferentes fatores interferem na conservação de anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) do Cerrado goiano. Os trabalhos estão sendo coordenados pelo professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Rogério Pereira Bastos.
Por meio da pesquisa intitulada “De um presente fragmentado a um futuro incerto: a conservação dos anuros no Cerrado”, eles querem verificar como a fragmentação do habitat afeta os padrões locais de diversidades; avaliar se locais mais preservados são mais diversos e ricos (com mais espécies) que locais alterados; monitorar acusticamente os anuros encontrados em corpos d’água que se diferenciam no grau de conservação; verificar que anuros encontrados em lagoas e brejos próximos a plantações apresentam mais danos genéticos e/ou mais alterações morfológicas; verificar como agrotóxicos interferem em girinos (por meio de bioensaios) e, por fim, divulgar o conhecimento científico obtido para envolver a sociedade em geral para a conscientização da importância da preservação da espécie.
O projeto foi selecionado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e conta com fomento do Governo de Goiás, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), no valor de R$ 260 mil. Para Rogério Bastos, a pesquisa vai gerar informações resultantes de conflitos entre ocupação humana e conservação da biodiversidade que podem colaborar para a elaboração de estratégias de conservação dos anuros do Cerrado e na implantação de planos de manejo.
Segundo o pesquisador, conhecer melhor a história natural/ecologia dos anuros e os vários motivos que ameaçam a biodiversidade do planeta são os caminhos para evitar declínios populacionais. Entre os motivos que mais ameaçam a biodiversidade, o pesquisador cita a poluição, desmatamento, conversão de vegetação nativa por culturas agrícolas, fragmentação de ambientes, uso excessivo de agrotóxicos.
Os anuros são importantes
Por apresentarem pele fina e permeável, os anuros anfíbios são muito sensíveis a alterações tanto do ambiente aquático como do solo e do ar. De grande importância ecológica, os anfíbios vivem principalmente na transição água-terra, alimentam-se basicamente de insetos e servem de alimentos para outros animais. São também uma fonte riquíssima em compostos biologicamente ativos, usados em pesquisas farmacológicas e se destacam como um grupo de organismos bioindicadores da qualidade ambiental por serem animais muito sensíveis às alterações do ambiente.
No mundo são conhecidas 8220 espécies de anfíbios, entre Gymnophiona ou Apoda (cecílias ou cobras-cegas), Caudata ou Urodela (salamandras) e Anura (sapos, rãs e pererecas). No Brasil há registro de 1.026 espécies, sendo 988 anuros, 33 cecílias e cinco salamandras. No bioma Cerrado ocorrem cerca de 240 espécies de anfíbios anuros. Essa imensa diversidade, muitas delas endêmicas do Brasil e do Cerrado, aumenta ainda mais a responsabilidade pela conservação da espécie. De extrema importância em termos de biodiversidade, muitas espécies estão ameaçadas de extinção. Conforme a última Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção, organizada pelo ICMBio, estão sob algum grau de ameaça, 41 espécies de anuros, sendo que três têm ocorrência no Cerrado. “Infelizmente, a tendência é de aumento do número de espécies ameaçadas de extinção”, lamenta Rogério Bastos.
Características variadas
Nem todo sapo é verde, nem todos têm hábitos noturnos e nem todos coaxam, existe muita diversidade e complexidade. Cerca de 90% das espécies anfíbios anuros depositam seus ovos em rios, lagos, lagoas ou brejos, alguns depositam os ovos na água que fica acumulada nas bromélias, em folhas, em ocos de troncos com água e até em ninhos de espumas. Alguns colocam seus ovos na terra e deles já nascem sapinhos, sem passar pela fase de girinos, conta o pesquisador.
Nesta pesquisa serão avaliados dados obtidos tanto em campo quanto em laboratório. Existe uma extensa lacuna de conhecimento a respeito deste grupo e, uma das metodologias para monitorar as variações populacionais e suas respostas às alterações ambientais é o monitoramento acústico, destaca o professor Rogério Bastos.
Vocalização dos sapos
As vocalizações (coaxos) são importantes para a pesquisa sobre história natural/ecologia dos anuros. Rogério Bastos explica que, geralmente, os coaxos são emitidos por machos (normalmente, somente eles vocalizam) e estão ligados diretamente à demarcação de territorialidade e reprodução. As vocalizações são importantes para o reconhecimento específico (evitam que espécies diferentes se acasalem, formando híbridos), para delimitar a territorialidade (sinalizam para machos da mesma espécie que o espaço já está ocupado) e para a atração de fêmeas na escolha de parceiras (fêmeas selecionam as vocalizações para escolha dos machos mais aptos para a reprodução). Por meio desse “cantar”, os pesquisadores vão elaborar os sonogramas (gráficos da frequência, em hertz, e pelo tempo) e poderão descrever o comportamento reprodutivo destes animais.
A pesquisa
Os trabalhos foram iniciados em março de 2018 e a previsão de término é março de 2021, com entrega de relatório em maio. Os trabalhos de coletas de campo estão praticamente concluídos e o processo de identificação das vocalizações obtidas está sendo realizado, ressalta o professor. Ele explica que os anuros adultos foram coletados em visitas noturnas, nas quais os pesquisadores vão munidos de lanternas e capturam os animais por coleta manual. Os girinos foram coletados durante o dia com puçá (rede em forma cônica montada em um aro). Durante uma hora, os pesquisadores passam o puçá no brejo e coletam os girinos.
Segundo ele, a equipe já está fazendo a identificação dos girinos coletados e os ensaios ecotoxicológicos em laboratório. “Os girinos estão sendo avaliados em diferentes concentrações de agrotóxicos. Assim, poderemos definir qual concentração é mais letal para estes animais. Serão analisados aspectos citogenéticos e morfológicos”, explica o professor. Até o final do ano serão realizadas as análises estatísticas.
Com cerca de 60% do projeto concluídos, os pesquisadores já registraram a ocorrência de 29 espécies de anuros, o que para o coordenador do projeto, é um número significativo. As atividades de campo aconteceram nos municípios de Rio Verde e Montividiu, que foram escolhidos por apresentarem uma forte atividade agrícola que provoca impactos ambientais como desmatamento e uso de agrotóxicos.
Foram monitorados 16 corpos d´água, na maioria, brejos. “Nestes brejos, registramos as espécies de anuros (adultos e girinos), as características físico-químicas da água (temperatura, pH, oxigênio dissolvido, condutividade, turbidez, nitrato, potássio e clorofila) e níveis de agrotóxicos”, explica Rogério Bastos. Eles avaliam ainda, métricas de paisagem, por exemplo, porcentagem de cobertura vegetal, grau de isolamento em relação ao sítio mais próximo; variáveis ambientais como umidade, temperatura do ar; descritores de complexidade estrutural, por exemplo, tamanho do corpo d’água, profundidade, número de tipos de vegetação no interior da poça, porcentagem de cobertura vegetal na superfície da água, número de tipos de substrato vegetação na margem, perfil de margens, matriz do uso de solo, entre outros itens.
Monitoramento acústico
Os pesquisadores fazem também o monitoramento acústico dos anuros. O professor explica que, basicamente, o monitoramento consiste em instalar um gravador automático de sons, que é programado para registrar as vocalizações dos anuros por dois minutos a cada hora, entre as 17h e 3h da madrugada, durante 70 dias. Após este período, o equipamento é revisado, com pilhas e cartão de memória trocados. Dessa forma, os gravadores registram vocalizações durante 180 noites. O equipamento é instalado a uma altura de 1,5 m e próximo dos brejos, nos quais os anuros utilizam para vocalizarem e reproduzirem. Além do gravador, também é instalado um registrador de umidade e temperatura do ar, que anota estas variáveis a cada 5 minutos, 24 horas do dia.
“A grande vantagem desta técnica é que não precisamos da presença do pesquisador no brejo para registrar as vocalizações, o que reduz os custos financeiros. Por outro lado, as dificuldades estão relacionadas com furto do equipamento, invasão por formigas, armazenamento e identificação das vocalizações. Mesmo com estas dificuldades, teremos uma lista de espécie mais robusta que tornará as análises ecológicas mais confiáveis,” pondera Rogério Bastos.
Parcerias
O projeto conta com parcerias de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Estadual de Goiás (UEG), Instituto Federal Goiano (IF Goiano), Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Universidade Autônoma de Madri (UAM) e Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Uma nova parceria foi iniciada com um grupo de pesquisadores coordenado pelo professor Murilo Mendonça Oliveira de Souza, da UEG, que está realizando uma pesquisa financiada pelo Ministério Público Federal do Trabalho (MPFT) com o objetivo de investigar os efeitos na saúde de pessoas e biodiversidade, decorrentes da pulverização aérea que ocorreu próximo à Escola Municipal Rural São José do Pontal, que fica no limite dos municípios de Paraúna e Rio Verde, no ano de 2013. A equipe do professor Rogério está responsável pela obtenção de dados relativos aos anuros neste trabalho.
Outro trabalho a ser executado pela equipe do professor Rogério Bastos é na Escola Municipal Rural Breno de Araújo e Silva, que fica no caminho entre dois pontos de coleta da pesquisa. A ideia é realizar atividades que envolvam professores e alunos sobre a conservação de anfíbios anuros e, de modo geral, conservação ambiental. O material de divulgação científica que será produzido será apresentado, junto com palestras, para outras escolas de Rio Verde e Montividiu.
Apoio da Fapeg
O coordenador da pesquisa ressalta que os recursos disponibilizados pela Fapeg estão sendo importantes para a formação de recursos humanos. Estão envolvidos no projeto três doutorandos, dois mestrandos e quatro estudantes de graduação. Ele ressalta que os recursos também estão sendo importantes para melhorar as condições de análise e armazenamento das gravações das vocalizações (coaxos) dos anuros. “Adquirimos 16 registradores automáticos de sons, cinco discos rígidos externos (outros 10 serão adquiridos) e quatro computadores. Dessa forma, a análise dos sons e armazenamento serão mais eficientes e seguros”, revela Rogério Bastos.
“Os produtos desta pesquisa poderão subsidiar a elaboração de uma lista estadual de espécies ameaçadas, assim como subsidiar o monitoramento e a fiscalização de corpos d’água inseridos em uma paisagem antrópica”. O coordenador da pesquisa aponta, por exemplo, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), através do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), que pode usar os produtos da pesquisa. Cita ainda a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Segundo ele, à medida que os produtos forem sendo gerados os analistas destas duas instituições serão contatados.