Pesquisa inédita impulsiona bioeconomia em Goiás

Será construído um inventário de fungos em associação com diferentes ecossistemas para disponibilização em bancos de dados nacionais e internacionais. O projeto vai gerar informações que poderão contribuir para a exploração biotecnológica com impactos na medicina e saúde humana, processos industriais e tecnologias para a agricultura. Capes e Fapeg vão investir mais de R$3,7 milhões no projeto

Uma nova fronteira da ciência começa a ser desbravada nos biomas Cerrado e Pantanal. Um amplo projeto de pesquisa vai estudar o futuro dos fungos de biomas da região Centro-Oeste, promovendo a aceleração de pesquisas para conhecer a diversidade de fungos existentes nessas regiões e ambientes e a correlação com as mudanças climáticas e antropização, além da acelerar as oportunidades potenciais destes fungos, incluindo prospecção de novos medicamentos e enzimas com potencial biotecnológico. A pesquisa conta com financiamento total de R$ 3.737.170,00, sendo R$ 1.260.400,00 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e R$ 2.476.770,00 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A iniciativa será executada em Rede de Pesquisa e vai conectar instituições de Goiás, de outros estados brasileiros e do exterior, com conclusão prevista para 2029. O projeto é coordenado pela pesquisadora Célia Maria de Almeida Soares, professora titular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Goiás (UFG), pesquisadora nível 1A do CNPq, atual coordenadora da área CBI da Capes e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética. A vice coordenação está a cargo do professor Alexandre Melo Bailão, também do ICB/UFG e bolsista de pesquisa do CNPq.

PDPG
A Rede é um dos quatro projetos apresentados pela Fapeg e aprovados pela Capes no edital 12/2023 – Redes de Pesquisa e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste – Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Parcerias Estratégicas nos Estados (PDPG Centro-Oeste) que tem como objetivo fomentar projetos de formação de recursos humanos para pesquisa, desenvolvimento e inovação sustentáveis, em eixos estratégicos de bioeconomia, biotecnologia e biodiversidade, conduzidos por Programas de Pós-Graduação stricto sensu. Apesar do eixo estratégico proposto neste projeto ser a biodiversidade, a pesquisa também irá gerar dados para exploração biotecnológica, com impacto previsto na bioeconomia.

Curso de taxonomia e identificação de fungos ministrado pela Rede. Foto: Arquivo da pesquisadora

Dez instituições brasileiras e oito do exterior, envolvendo 14 programas de pós-graduação da região Centro-Oeste localizados nos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal vão participar do projeto. “A oportunidade de mobilidade possibilitada pelas bolsas de estudo deste projeto será um motor essencial no avanço da internacionalização, capacitação e intercâmbio de habilidades e competências dos PPGs envolvidos na proposta”, destaca a coordenadora do projeto.

De aliados a ameaças
Cosmopolitas, os fungos habitam em todos os ambientes terrestres e aquáticos do planeta e desempenham papel primordial na manutenção e conservação dos ambientes. Não pertencem aos reinos das plantas, nem dos animais e nem das bactérias. O reino Fungi teve origem há cerca de um bilhão de anos. Estima-se que sejam um batalhão de 3,8 milhões de espécies no mundo, mas apenas 10% delas são conhecidas pela ciência. Por isso, a pesquisadora destaca que o estudo contribuirá de forma significativa para implementação e incremento da coleção de culturas de fungos cujas informações serão disponibilizadas em bancos de dados nacionais e internacionais, permitindo estimar a diversidade global de fungos a partir do Cerrado e do Pantanal. “Os fungos são essenciais para a vida na Terra e conhecê-los e entender o seu papel nos vários ecossistemas é de fundamental importância para o equilíbrio e manutenção da vida, principalmente frente aos desafios das mudanças climáticas como o aquecimento global”.

Leveduras fluorescentes de fungo patogênico, agente etiológico da Histoplasmose, micose sistêmica endêmica da América Latina responsável por aproximadamente 60 mil mortes por ano no mundo. Foto: Alexandre Bailão e colaboradores

Com uma diversidade extraordinária, os organismos são capazes de gerar impactos em diferentes biomas, na saúde humana e dos animais, agricultura, biodiversidade, produção industrial, biotecnologia e pesquisa biomédica e se tornam essenciais para o estabelecimento das diferentes relações ecológicas, desde harmônicas a desarmônicas. Apesar de serem uma fonte quase inesgotável de produtos biotecnológicos, os fungos podem causar doenças em humanos e animais, o que resulta em taxas de mortalidade maiores que as da tuberculose em algumas regiões do planeta, explica a pesquisadora.

De forma simultânea, eles suportam a vida através da formação de simbioses com plantas e produção de metabólitos que podem se transformar em medicamentos, ao mesmo tempo em que provocam mortes em inúmeros seres vivos, incluindo animais e plantas. “Em um contexto de mudanças climáticas/aquecimento global que ameaçam esta biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas, estudos que permitam a caracterização e conservação são urgentes”, ressalta a pesquisadora.

Parcerias internacionais
Além dos colaboradores nacionais, a Rede contará com o apoio de grupos de pesquisadores estrangeiros das Universidades de Wisconsin e do Albert Einstein college of Medicine (Nova Iorque) nos Estados Unidos; pesquisadores das Instituições europeias University of Nottingham (Reino Unido), Universidade do Minho (Portugal), University of Innsbruck (Austria) e do Westerdijk Fungal Biodiversity Institute (Holanda); e pesquisadores das Universidades de Macau e Beijing Forestry University (China). Ela frisa ainda a importância do fomento da Fapeg e Capes. “É uma mola que impulsiona a ciência e a tecnologia. Sem financiamento não é possível o desenvolvimento da ciência e a geração de benefícios para a população, seja a nível de educação ou produtos”.

Os trabalhos
As coletas já foram iniciadas em plantas da região de Goiás e Mato Grosso do Sul e em águas da região do Cerrado e Pantanal. Seguindo o eixo da biodiversidade, o projeto vai contribuir para a construção de um inventário de fungos associados com diferentes ecossistemas e substratos/hospedeiros. A diversidade de fungos será caracterizada em nível taxonômico e abrangerá a diversidade genética. Para a pesquisadora, o inventário será uma ferramenta de relevância na tomada de decisões relacionadas ao manejo de áreas naturais visando a conservação da biodiversidade, que é uma prioridade para garantir a sustentabilidade ambiental.

Colônias de fungos de caverna do Cerrado crescendo em meio de cultura. Foto: Jadson Bezerra

“Com a expertise dos vários pesquisadores, especialistas em pesquisas com fungos, a ideia é desenvolver estratégias que vão estimar a diversidade de fungos endofíticos provenientes de uma coleção de culturas associada ao projeto; a diversidade de fungos cavernícolas do ar e de sedimentos; a diversidade de fungos de águas termais de locais preservados e de recreação; a diversidade de fungos de águas do Pantanal; estimativa de fungos produtores de metabólitos com atividade antimicrobiana ou inseticida e enzimas com potencial biotecnológico”, explica a pesquisadora. Ela acrescenta que também serão caracterizados os fungos ambientais e patogênicos humanos, investigados seu potencial patogênico e avaliado o perfil de sensibilidade a antifúngicos. Segundo ela, a proposta está em consonância com as áreas prioritárias definidas entre a Fapeg e a Capes, integrada na abordagem global “One Health” e contemplada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Considerando que os estados do Centro-Oeste têm sua economia sustentada principalmente pela atividade agropecuária, a professora reafirma que as informações sobre esta biodiversidade na região serão relevantes na tomada de decisões sobre o manejo das áreas cultivadas. Ainda considerando a atividade agrícola, ela destaca que os fungos depositados na FCC/UFG (Coleção de Culturas de Fungos da UFG) representam uma fonte potencialmente rica, com fungos que podem ser utilizados como controle biológico de pragas, entre outros potenciais.

“Como resultado desta evolução biotecnológica, espera-se a geração de novos produtos e depósito de patentes”, avalia a professora. Com a execução da proposta também será possível fornecer dados para inclusão de informações sobre fungos em plano de manejo de cavernas com potencial turístico, atuando no desenvolvimento de ações de manejo espeleológico. Ainda, os dados gerados serão úteis para elaboração de condutas para exploração sustentável das águas termais, as quais podem apresentar fungos com potencial patogênico e biotecnológico.

Governo na palma da mão