Pesquisa fomentada pela Fapeg investiga presença de antibióticos e resistência bacteriana em Estações de Tratamento de Água

Projeto selecionado por meio do edital do PPSUS vai monitorar água em Goiânia e Anápolis e promoverá campanhas de conscientização sobre o descarte incorreto de antibióticos

Letícia Santana, da Assessoria de Comunicação da Fapeg

 

Os antibióticos são medicamentos eficazes no tratamento de doenças causadas por bactérias, porém seu uso indiscriminado assim como seu descarte inadequado têm trazido desafios para a saúde pública e o meio ambiente. Se de um lado, esses micro-organismos tornam-se cada vez mais resistentes provocando uma corrida contra o tempo para produção de novas fórmulas no tratamento de doenças infecciosas; do outro lado surge o problema de serem descartados de forma imprópria, chegando aos sistemas fluviais causando a contaminação das águas. Neste contexto, a professora Gisele Augusto Rodrigues de Oliveira está realizando uma pesquisa, fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), com o objetivo de investigar a ocorrência de antibióticos e a resistência bacteriana em estações de tratamento de água em Goiânia e Anápolis.

Alunos em coleta na ETA do Piancó, em Anápolis.
Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Gisele, o objetivo da pesquisa é investigar a presença de antibióticos na água bruta, que chega nas Estações de Tratamento de Água (ETAs) das cidades de Anápolis e Goiânia, ambas no estado de Goiás, como também na água tratada, que sai dessas ETAs para o abastecimento da população e, consequentemente, analisar a resistência bacteriana a esses antimicrobianos, além dos efeitos tóxicos crônicos dessas amostras de água.

O projeto da professora intitulado “Ocorrência de antibióticos em sistemas de abastecimento de água de Anápolis e Goiânia – GO: diagnóstico, detecção, toxicidade e resistência bacteriana” foi selecionado na Chamada Pública 05/2020: 7ª edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS). O objetivo desse edital é apoiar financeiramente projetos de pesquisa que promovam a melhoria da qualidade da atenção à saúde no Estado de Goiás, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).

Gisele explica que os resultados desse trabalho contribuirão para o SUS, fornecendo subsídio para o estabelecimento de limites de exposição de antibióticos na água em programas de monitoramento da qualidade da água, assim como para o desenvolvimento de estratégias de tratamento dos sistemas hídricos de forma mais econômica e eficiente na remoção dos antibióticos. “Para tanto, os dados gerados serão disseminados no Siságua (Programa Vigiágua) para auxiliar no planejamento, na tomada de decisão e execução de ações de saúde relacionadas à água para consumo humano, como também serão discutidos no grupo de trabalho do Instituto de Química de Araraquara (INCT-Datrem), nosso parceiro, para ajustes operacionais no sistema de abastecimento de água da Saneago”, diz.

 

Andamento do projeto

ETA Mauro Borges, em Goiânia.
Foto: Arquivo pessoal

A pesquisadora Gisele, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (FF/UFG), e equipe, vão monitorar a água bruta e tratada da ETA Mauro Borges (Goiânia) “pela representatividade no abastecimento público na capital e região metropolitana e ETA Piancó (Anápolis) por receber efluentes provenientes de várias atividades (doméstica e agrícola) e por atender cerca de 80% da população de Anápolis”. Ao todo, serão realizadas quatro coletas em cada ETA, sendo duas no período chuvoso e duas no período de estiagem. Já foram realizadas as coletas em Goiânia e Anápolis no final de março de 2022 (período chuvoso) e no próximo mês estão previstas as coletas no período de seca.

Até o momento foram isoladas bactérias resistentes nas amostras de água bruta ETAs de Goiânia e Anápolis, capazes de crescer na presença dos antibióticos: amoxicilina, tetraciclina, azitromicina e ciprofloxacino. “A próxima etapa será identificar essas bactérias resistentes e verificar se são resistentes a outros 12 antibióticos”, afirma Gisele. Os resultados parciais serão apresentados, ainda neste mês, no IV curso Introdutório da Liga Acadêmica de Farmacologia (LAFARMA) da Faculdade de Farmácia da UFG, como forma de orientar, conscientizar e divulgar outras ações do projeto aos acadêmicos e no V Workshop INCT-DATREM para promover a discussão do desenvolvimento de uma metodologia eficiente na remoção dos antibióticos presentes na água.

Alerta
Além do descarte incorreto, os antibióticos chegam ao ambiente aquático através da excreção, na urina e/ou nas fezes humana e de animais; pelo esgoto hospitalar; e como resíduo da indústria farmacêutica. Segundo Relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a resistência antimicrobiana já é uma das principais ameaças à saúde global e riscos que afetam negativamente a sustentabilidade ambiental do planeta, podendo gerar uma pandemia. Segundo informações do relatório, as consequências do desenvolvimento e disseminação contínuos da resistência antimicrobiana podem ser catastróficas.

De acordo com Gisele, “a resistência aos antibióticos tem se tornado um desafio de saúde pública de ordem global, uma vez que micro-organismos multirresistentes representam o maior motivo de insucesso nos tratamentos de doenças infecciosas”. Ela explica que as características físico-químicas dos antibióticos fazem com que eles apresentem grande potencial para a bioacumulação e persistência ambiental, promovendo o surgimento de bactérias resistentes e, consequentemente, a veiculação de genes de resistência na água para consumo humano. “Além de induzir efeitos tóxicos na biota aquática de regiões distantes da população inicial e em diferentes níveis tróficos da cadeia alimentar, incluindo o homem”, ressalta.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), dados de 2018 indicam que o Brasil é o maior consumidor de antibióticos das Américas, com aproximadamente 22,8 doses diárias por 1.000 habitantes. De acordo com a Anvisa, se medidas não forem tomadas, estimativas indicam que em 2050 uma pessoa morrerá a cada três segundos em consequência de agravos causados por resistência aos antimicrobianos, o que representará 10 milhões de óbitos por ano, ultrapassando a atual mortalidade por câncer (8,2 milhões de mortes/ano). Com relação ao uso desses produtos, entre 2000 e 2010 foi registrado um aumento de 36% no consumo de antimicrobianos em 71 países, sendo que Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China responderam por três quartos (75%) desse crescimento.

Próximas ações

Etapa de isolamento dos micro-organismos resistentes ao antibiótico amoxicilina (água bruta). Foto: Arquivo Pessoal

Como resultado dessa pesquisa está sendo criado um projeto de extensão na Faculdade de Farmácia para a realização de campanhas de conscientização sobre o descarte incorreto de medicamentos, além do recolhimento de medicamentos vencidos e em desuso pela população com apoio de uma empresa do setor privado, que fará a incineração desses medicamentos.

A pesquisa também resultará na elaboração de um workshop para discutir os dados com os setores responsáveis pela vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano, e na produção de uma cartilha e de vídeos com orientações sobre o descarte correto de medicamentos e conscientização da população a respeito dos prejuízos da automedicação.

PPSUS

O Governo de Goiás, por meio da Fapeg, Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão investindo um total de R$2.137.500,00 em 20 projetos de pesquisa visando o desenvolvimento de soluções científicas, tecnológicas e de inovação em Saúde que possam refletir em melhorias na qualidade do atendimento à população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) em Goiás. Os trabalhos foram iniciados em 2021 e se estenderão até meados de 2023. O edital do PPSUS foi lançado em 2020.

O projeto da professora Gisele e equipe recebeu o total de R$ 126.700,00. “Com certeza, sem esse recurso da Fapeg, eu não conseguiria desenvolver este projeto, especialmente, as etapas mais complexas como a avaliação e disseminação dos genes de resistência e identificação/quantificação dos antibióticos na água, pois utilizam metodologias com custo mais alto. Sem esse recurso, minhas pesquisas estariam paradas ou sendo desenvolvidas sem nenhum nível de complexidade e respondendo muito parcialmente as nossas hipóteses. A Fapeg é fundamental para o desenvolvimento de pesquisas de qualidade em Goiás, que respondam às demandas da população, fortalecendo a aproximação da ciência com a sociedade ”, afirma a pesquisadora.

O objetivo do edital PPSUS é apoiar financeiramente e fortalecer as pesquisas científicas, tecnológicas ou de inovação que tenham potencial para oferecer novos serviços e dar respostas a problemas prioritários de saúde enfrentados pela população usuária do SUS, promovendo avanços no contexto do SUS, fortalecendo a política pública de Saúde no Estado de Goiás, melhorando os indicadores de saúde, aproximando a academia, a gestão pública da saúde e a sociedade. Além de colaborar para o aprimoramento e consolidação do SUS, a Chamada Pública contribui para o estímulo ao ensino, pesquisa, extensão e educação em saúde, colaborando com a formação de recursos humanos qualificados.

Equipe:
Profa. Dra. Gisele Augusto Rodrigues de Oliveira: EnvTox – FF/UFG

Prof. Dr. Ricardo Neves Marreto – NanoSYS – FF/UFG

Profa. Dra. Stephânia Fleury Taveira – NanoSYS – FF/UFG

Profa. Dra. Virgínia Farias Alves – LAMIMA – FF/UFG

Letícia Alves Nascimento (IC): EnvTox – FF/UFG

Maria Luiza Monique Cruz (IC): EnvTox – FF/UFG

Carolina da Silva Pereira (mestranda): EnvTox – PPGCF – FF/UFG

Ms. Endrew Henrique de Sousa Carvalho (doutorando): EnvTox – PPGCF – FF/UFG

Ms. Pedro Henrique de Oliveira Carvalho (doutorando): EnvTox – PPGCF – FF/UFG e Saneago

Ms. Luiza Chaul (doutoranda): LAMIMA – PPGIF – FF/UFG

Ms. Luciano de Oliveira (engenheiro civil): Saneago

Ms. Patrícia Pereira Ribeiro Keller (farmacêutica-bioquímica): Saneago

Parceiros: INCT-DATREM com a Profa. Dra. Maria Valnice Boldrin (Instituto de Química – IQ/UNESP, Araraquara) e Profa. Dra. Danielle Palma de Oliveira (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – FCFRP/USP)

Minicurrículo

Pesquisadora Gisele Augusto.
Foto: Arquivo Pessoal

Gisele Augusto Rodrigues de Oliveira: Graduada em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal de Alfenas, com Mestrado e Doutorado em Toxicologia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FCFRP/USP) e período sanduíche na Unidad de Toxicología Experimental y Ecotoxicología (UTOX), localizado no Parc Científic de Barcelona. Tem Pós-Doutorado em Toxicologia pela FCFRP/USP. Atualmente ocupa o cargo de Professora Adjunta C – nível 2, na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (FF/UFG). Tem experiência na área de Toxicologia Ambiental e In vitro, atuando na seguinte linha de pesquisa: Métodos alternativos para a avaliação da toxicidade de contaminantes emergentes e processos de remediação. Também possui experiência em avaliação de risco e no estabelecimento de limites de exposição diária permitida (PDE) de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) com base em saúde, atuando em um projeto com o Sindicato das Indústrias Farmacêuticas do Estado de Goiás (SINDIFARGO).

 

 

Governo na palma da mão

Pular para o conteúdo