Pesquisa financiada pela Fapeg sobre combate à Febre Maculosa com terra diatomácea avança
A plataforma inorgânica que está sendo desenvolvida tem potencial para uso no controle de outras pragas de interesse para a saúde humana, animal, assim como para o agronegócio. O esforço experimental realizado até o presente momento permitiu determinar, com clareza, como as propriedades de terras diatomáceas oriundas de diferentes fornecedores impactaram a atividade inseticida destes materiais contra larvas e ninfas do carrapato-estrela. Foi demonstrado que a cristalinidade das amostras tem papel decisivo na atividade inseticida.
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg
Zoonose de grande relevância para a saúde pública, a febre maculosa brasileira (FMB) é uma doença endêmica de notificação compulsória no Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. O principal vetor da doença é o carrapato Amblyomma sculptum (carrapato-estrela), amplamente distribuído no território brasileiro, que possui como hospedeiros preferenciais as capivaras, antas e equídeos, mas que também podem parasitar humanos.
A FMB é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii e se manifesta como uma infecção aguda de sinais pouco específicos no início (febre, calafrio, dor de cabeça, dor muscular intensa, mal-estar generalizado, náuseas e vômitos) e evolui para a formação de erupções cutâneas, manchas escuras, gangrena, aumento do baço e do fígado, necrose nas pontas dos dedos e convulsões. Em casos mais graves, manifestações sistêmicas importantes como miocardite, insuficiência respiratória e renal são observadas e estão relacionados à elevada letalidade.
As capivaras e os cavalos assumem grande importância na cadeia epidemiológica da doença, pois são os principais reservatórios dos carrapatos transmissores da febre maculosa. Nas áreas antropizadas, os animais mantidos em pastos sujos, com vegetação alta, ou em matas ciliares, encontram um ambiente propício para a infestação pelo carrapato. Fazer o controle ambiental do vetor constitui a principal forma de intervenção, mas o uso de inseticidas e carrapaticidas no ambiente normalmente causa impacto na fauna de invertebrados e contaminação fluvial. Produtos naturais têm sido investigados para fazer o controle ambiental de vetores, tendo em vista sua baixa toxicidade para mamíferos e o alto grau de biodegradabilidade.
Na busca por novas formulações de baixo custo, ambientalmente seguras e efetivas contra larvas e ninfas do carrapato-estrela, o pesquisador e professor associado na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ricardo Neves Marreto, teve um projeto de pesquisa selecionado na 7ª edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS) e recebe fomento de R$ 115.509,00 para o desenvolvimento da pesquisa.
Marreto trabalha em parceria com a professora Stephânia Taveira, no Laboratório de Nanossistemas e Dispositivos de Liberação de Fármacos (NanoSYS-UFG). O projeto conta com a participação do grupo de pesquisadores do Laboratório de Biologia, Ecologia e Controle de Carrapatos da UFG (Labec – EVZ/IPTESP/UFG), coordenado pelo professor Caio Márcio de Oliveira Monteiro, assim como do Laboratório de Pesquisa em Toxicologia Ambiental (EnvTox – FF/UFG), coordenado pela professora Gisele Augusto Rodrigues.
Terra Diatomácea
O projeto, intitulado “Formulação Mineral de Baixo Custo e Reduzido Impacto Ambiental para Controle do Vetor da Febre Maculosa Brasileira (Amblyoma sculptum)”, recebe apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e tem como proposta otimizar as propriedades microestruturais da terra diatomácea (TD) e empregá-la como insumo no preparo de carrapaticidas que possam ser aplicados com segurança e efetividade no meio ambiente e com grande potencial para evitar a ocorrência do fenômeno de resistência, relacionado ao uso de carrapaticidas sintéticos. Os produtos serão constituídos por materiais inorgânicos, associados ou não a produtos naturais.
Resultados alcançados
Segundo Ricardo Neves Marreto, o esforço experimental realizado até abril deste ano, “permitiu determinar, com clareza, como as propriedades de terras diatomáceas oriundas de diferentes fornecedores impactaram a atividade inseticida destes materiais contra larvas e ninfas de carrapato-estrela. Foi demonstrado que a cristalinidade das amostras tem papel decisivo na atividade inseticida e que, alterações espectrais estão relacionadas as mudanças de cristalinidade e, consequentemente, à atividade”.
Em seguida, amostras selecionadas foram granuladas utilizando dispersão hidroetanólica contendo aglutinante e o composto ativo natural. Grânulos de tamanho apropriado e contendo o conteúdo de ativo esperado foram obtidos e caracterizados, destaca o pesquisador. Segundo ele, “os diferentes materiais estão sendo, no presente momento, submetidos a ensaios in vitro para determinação de sua atividade contra larvas e ninfas ingurgitadas de Amblyoma sculptum”.
Contribuição
Nas áreas antropizadas, em que a população de capivaras é significativa, a febre maculosa brasileira representa uma ameaça importante à saúde humana, existindo relatos de taxa de letalidade de 85%, explica Marreto. “Nesses locais, o controle ambiental é a principal forma de intervenção. Por isso, é muito importante tornar disponíveis produtos que sejam não apenas efetivos, mas que não causem danos ao meio ambiente. Além disso, o desenvolvimento da plataforma inorgânica que propusemos pode contribuir para o preparo de diferentes produtos usados no combate a outros artrópodes que causam diversos problemas à saúde humana, o que pode estender substancialmente seu impacto sanitário”, ressalta o professor. Como o mecanismo de ação da terra diatomácea é físico, o professor revela que existe grande potencial para o uso destes produtos no controle de outras pragas de interesse para a saúde humana, animal, assim como no agronegócio.
Ricardo Marreto explica que a terra diatomácea é uma coleção de esqueletos fossilizados de algas que atua pela remoção dos lipídeos presentes na cutícula dos insetos, causando desidratação e morte. Segundo ele, a terra diatomácea é um material abundante na natureza, encontrado em regiões de água doce e salgada e que apresenta baixo custo. Consequentemente, produtos baseados na terra diatomácea devem ser economicamente acessíveis. Porém, o pesquisador explica que a terra diatomácea apresenta elevada variabilidade e, dessa forma, é necessário processá-la para otimizar a ação do produto. “O controle das propriedades da terra diatomácea pela aplicação de estratégia de formulação e de processo é um dos pontos de maior importância no projeto”, destaca.
A TD é um produto natural que apresenta grande variabilidade em suas propriedades microestruturais, exigindo padronização para garantir seu emprego efetivo, seguro e reprodutível, explica o professor. “Em nosso projeto, técnicas comumente empregadas na indústria farmacêutica estão sendo utilizadas para padronizar a TD e otimizar sua atividade contra o carrapato-estrela. Em seguida, formulações contendo TD, associadas ou não a produtos naturais de reconhecida atividade carrapaticida, serão desenvolvidas e avaliadas quanto a sua efetividade e segurança ambiental, utilizando ensaios ecotoxicológicos. Os resultados possibilitarão o desenvolvimento de plataforma para o controle ambiental de diferentes vetores de doenças tropicais.
Transmissão da doença
Para infectar o homem, algum carrapato contaminado pela bactéria causadora da doença precisa picar e permanecer aderido ao corpo humano, se alimentando, por um período mínimo de quatro a seis horas. A transmissão da riquétsia se dá pela picada do carrapato em qualquer uma de suas fases (larva, ninfa ou adulto). Após se alimentar, o carrapato transmite a bactéria por meio de suas glândulas salivares. As picadas das larvas e das ninfas, por serem menos dolorosas, são as que têm a maior probabilidade de transmitir o micro-organismo, pois o ser humano não percebe a picada e permite que ocorra a transmissão. Como a picada do carrapato adulto é dolorida ele pode ser rapidamente percebido e retirado a tempo de não transmitir a doença.
Outra forma de contágio se dá pelo esmagamento do carrapato no momento da retirada, quando libera seu conteúdo gástrico. Ao encontrar um carrapato aderido à pele, o ideal é retirá-lo com o auxílio de uma pinça, torcendo-o levemente para que se desprenda da pele. Não se deve esmagar o carrapato com as unhas, pois isso levará à exposição das riquétsias, que podem penetrar na pele via microlesões.
O período de incubação da febre maculosa pode variar de dois a 14 dias, com média de sete dias até o aparecimento dos sintomas, e está relacionado à quantidade da substância inoculada no momento da infecção. Os profissionais de saúde devem estar atentos e levar em consideração a hipótese diagnóstica da doença, especialmente entre os meses de junho e outubro, quando há um aumento na proliferação do carrapato.
A partir da picada do carrapato infectado, a riquétsia se dissemina pelo organismo via vasos linfáticos e pequenos vasos sanguíneos, atingindo pele, cérebro, pulmões, coração, fígado, baço, pâncreas, e trato gastrointestinal. Em todos os tecidos atingidos, a riquétsia invade o endotélio vascular, onde se replica para atingir células da musculatura lisa.
Saiba mais sobre pesquisas envolvendo a Febre Maculosa, nas reportagens:
– Estudo avalia situação epidemiológica da Febre Maculosa Brasileira em Goiânia
– Estudo busca novas alternativas para o controle de carrapatos vetores da Febre Maculosa