Pesquisa da UFG para reversão de efeitos da cocaína no sangue tem fomento da Fapeg
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Social da Fapeg
Há 60 anos (em dezembro de 1959), quando o vencedor do prêmio Nobel de Física Richard Feynman proferia palestra intitulada “Há muito espaço lá embaixo,” falando da possibilidade de se manipular, controlar e construir coisas em escala atômica, dirigida à Sociedade Americana de Física, foi lançada a semente do que seria, no futuro, a Nanotecnologia. Cerca de 40 anos depois, o Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo dos Estados Unidos, criado com a função de regular fármacos e alimentos por meio de diversos testes e pesquisas aprovava o primeiro medicamento de base em nanotecnologias para o uso clínico.
Em termos mundiais, uma pesquisa inovadora foi apresentada em Goiânia, no final de abril deste ano pela farmacêutica Sarah Rodrigues Fernandes, que defendeu sua dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Goiás (UFG), sob a orientação da professora doutora Eliana Martins Lima, da disciplina Tecnologia Farmacêutica, e que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) com a concessão de bolsa de mestrado por meio da chamada pública 03/2017. A pesquisa buscava apresentar solução para um problema de saúde pública cada vez mais impactante: a dependência química e os consequentes casos de morte por overdose por drogas. Como resultado, chegou-se ao desenvolvimento de uma nanopartícula capaz de capturar e remover da circulação sanguínea grande parte da cocaína dissolvida no sangue e assim reverter um quadro de overdose que levaria a efeitos tóxicos potencialmente letais.
O diferencial da pesquisa é que a partícula não contém medicamentos, ela funciona como uma partícula coletora que capta a droga encontrada no plasma. O resultado deste experimento acrescenta mais vantagens à nanotecnologia em fármacos que vem sendo utilizada atualmente, que tem como objetivo levar, de forma mais eficaz, os medicamentos diretamente aos alvos no organismo que precisam de tratamento. A coordenadora da pesquisa, Eliana Martins, explica que a partícula foi desenvolvida através de um intenso processo de engenharia para que ela tivesse alta afinidade com a molécula da cocaína dissolvida no sangue e fosse capaz de atrair e capturar a droga. “Dentro desta nanopartícula, ela sofre uma reação química e o produto dessa reação não consegue mais deixar a nanopartícula, assim, ela circula pelo sangue sem provocar as alterações cardiocirculatórias e mesmo no sistema nervoso central que poderiam levar à morte”, detalha Eliana. As pesquisadoras explicam que, ao fazer isso, ela permite que em cerca de dois minutos após a administração da nanopartícula desenvolvida por elas, a pressão arterial e os batimentos cardíacos começam a voltar ao normal, possibilitando o atendimento dentro de uma ambulância ou em uma sala de emergência em hospital.
“A cocaína foi escolhida para demonstrar a efetividade da formulação que desenvolvemos, mas acreditamos que ela também possa ser utilizada para tratar casos de intoxicação por outras substâncias (ilícitas ou não) em casos de overdose intencional ou acidental”, comenta Eliana, acrescentando que este trabalho rápido de resgate é eficaz e inédito na literatura mundial. É a primeira vez que uma partícula produzida a partir de nanotecnologia é utilizada com eficácia comprovada na intoxicação por drogas de abuso. “Neste projeto, buscamos aplicar nossa experiência no desenvolvimento de medicamentos inovadores baseados em nanotecnologia (ou seja, que contêm partículas cerca de 1 milhão de vezes menores do que o milímetro). A UFG conta com um importante laboratório de pesquisa, o Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Produtos Farmacêuticos – o FarmaTec, que tem a nanotecnologia como uma das atividades primordiais.
Ciência e Governo
“A bolsa de mestrado da Fapeg foi o que viabilizou a minha dedicação, deslocamentos para realizar experimentos em outros laboratórios (e mesmo em outras instituições), e permitiu que um trabalho tão complexo e completo fosse alcançado”, reconhece Sarah Fernandes.
A pesquisadora Sarah Fernandes participou da Chamada Pública nº 03/2017, lançada pela Fapeg, e foi selecionada para receber a sua bolsa de mestrado. Esta chamada tem como objetivo fomentar a formação de recursos humanos qualificados e fortalecer os Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu (PPGSS) do Estado de Goiás, recomendados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mediante a concessão de bolsas a alunos de mestrado ou doutorado.
A Fapeg é o órgão de fomento à pesquisa do governo estadual. Ela tem como propósito oferecer recursos para o desenvolvimento da pesquisa científica, tecnológica e de inovação em todas as áreas do conhecimento, induzir e apoiar pesquisas científicas em áreas estratégicas para Goiás, investir na formação de recursos humanos qualificados para a ciência e a tecnologia e apoiar a difusão científica para aumento da competitividade e melhoria do desenvolvimento social e econômico em Goiás e no Brasil.
Ainda como objetivo da Fapeg está o investimento em projetos e em infraestrutura de pesquisa e apoio à inovação tecnológica. No final do ano passado, a Fapeg repassou R$ 2,75 milhões para o cumprimento de um acordo de cooperação técnica e acadêmica firmado com a UFG para a estruturação da nova sede do FarmaTec, que tem como uma das frentes de atuação, a nanotecnologia farmacêutica. As obras do novo prédio do FarmaTec foram iniciadas em janeiro de 2018 e contam ainda com recursos do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O Farmatec será o primeiro centro temático e multiusuário dedicado às ciências farmacêuticas dentro do Parque Tecnológico Samambaia, no Campus Samambaia.
Produto no mercado
“A existência da universidade está alicerçada no tripé do ensino, pesquisa e da extensão. O que nos credencia a formar jovens profissionais e futuros cientistas altamente qualificados (o que representa o ensino) é exatamente nossa capacidade de gerar conhecimento novo, seja científico ou tecnológico (por meio da pesquisa). O terceiro pilar, a extensão, em casos como este, requer a colaboração do setor industrial cujo papel é fabricar e disponibilizar os produtos inovadores à sociedade”, diz Eliana Martins.
Segundo ela, este processo requer o cumprimento das exigências das agências regulatórias (Anvisa), estudos clínicos, aumento da escala de fabricação, etc. “Percorremos parte importante do caminho, inovando na aplicação de tecnologias de vanguarda para a obtenção de um medicamento com aplicação inédita mundialmente. O restante do percurso há que ser percorrido pela indústria, iniciando com processos de transferência de tecnologia, licenciamentos e os necessários investimentos de risco para alavancar a inovação ao mercado nacional e internacional. O FarmaTec conta com algumas patentes sobre nanotecnologia já depositadas aguardando avaliação por parte do órgão responsável. A professora explica que, após proteger esse conhecimento, ele precisa ser disponibilizado para a sociedade brasileira com a participação do setor industrial.
Cenário da pesquisa em nanotecnologia farmacêutica
O levantamento em uma das bases de dados científicas mais completas do mundo (chamada “Web of Science”), que reúne a maior parte da pesquisa científica do planeta, mostra que o Brasil é o 17º país produtor de conhecimento científico em nanotecnologia do mundo. Se refinarmos a pesquisa, incluindo as aplicações da nanotecnologia para a área farmacêutica, o País sobe para a 12ª posição. Trazendo esta mesma análise para o cenário nacional, que hoje conta com mais de 200 instituições de ensino e pesquisa públicas e 1200 privadas, a UFG ocupa a 9ª posição. Eliana Martins acredita que este resultado é, “de forma inquestionável, o impacto de nosso laboratório (Farmatec/UFG) e grupo de pesquisa que atua de forma pujante fazendo pesquisa de qualidade e relevância científica e social para o Estado de Goiás e para o País. Nanotecnologia é essencialmente uma área multidisciplinar. Os resultados positivos que temos obtido derivam também de uma ampla rede de colaborações que extrapola os limites da própria UFG, do Estado e do País. Nosso grupo tem diversas colaborações internacionais e já formou profissionais que atuam em diversos centros dos EUA e da Europa”.
Atualmente, há cerca de 300 mil estudos clínicos em andamento em todo o mundo, praticamente todos custeados pela indústria farmacêutica. A professora da UFG acredita que destes, certamente, uma fração importante chegará a resultados promissores e a novos medicamentos que serão disponibilizados à sociedade, nas farmácias e hospitais. Cerca de cinco mil destes estudos clínicos estão sendo conduzidos com algum tipo de medicamento baseado em nanotecnologia. Estes produtos são de maior complexidade tecnológica e interagem com o organismo de modo diferente e já fazem parte do arsenal terapêutico para uso clínico há mais de 20 anos, com resultados extraordinários.
A maioria dos nanomedicamentos disponíveis hoje são para o tratamento do câncer. “Isso mostra que a indústria farmacêutica que investe em pesquisa e inovação assume espaços ainda não preenchidos por outras (isso tanto do ponto de vista de mercado quanto das opções de tratamento para diversas doenças). Investir em inovação, planejar novos produtos a médio e longo prazo, em particular as inovações incrementais que tornam mais eficiente e segura a forma como um medicamento interage com o organismo (como é o caso da nanotecnologia), é uma oportunidade valiosa que o setor industrial farmacêutico tem de expandir sua atuação e oferecer novos e melhores produtos para o tratamento de diversas doenças”.