Pesquisa científica impulsiona avanços na saúde pública

Por Renan Rigo

professora Ana Maria
Recursos aplicados pela Fapeg, em parceria com o governo federal, viabilizam trabalho de pesquisadores, como a professora Ana Maria, na construção de novos saberes e soluções inovadoras para o SUS. Foto: Mantovani Fernandes

Um dos grandes gargalos da administração pública diz respeito à qualidade de vida e à manutenção da saúde e bem-estar de sua população. Entram nessa conta, indicadores de renda, segurança pública, cultura, lazer e, especialmente, políticas que visem à atenção especial à saúde integral de crianças, jovens, adultos e idosos. Neste ponto, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal Brasileira, em 1988, para oferecer acesso integral, universal e gratuito para toda a população do País, reunindo agentes públicos e entidades da sociedade civil nos âmbitos municipal, estadual e federal na construção dessa agenda de prevenção e atendimento a enfermidades.

Por outro lado, a evolução da ciência no País pautou avanços que se estendem por diversos setores da economia nacional, deixando seu legado pela área de saúde, tanto no atendimento público como na gestão de novos insumos e patentes referentes à criação de drogas, medicamentos e técnicas que buscassem aprimorar a saúde em geral. Assim, uniram-se as demandas entre Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), de empresas e universidades, com as necessidades de âmbito médico-ambulatorial, em uma sintonia consonante à evolução gradativa do atendimento à saúde pública no País.

Nesse pressuposto, o papel de entidades fomentadoras de conhecimento se mostrou de tal relevância na busca por novas soluções nessa área que o próprio SUS se aliou, em 2004, por meio de uma parceria entre Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), às Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP) nos Estados para desenvolver, em conjunto às universidades e academias, novas propostas de atuação para o sistema, no chamado Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde, o PPSUS. Hoje, em Goiás, o PPSUS contempla em mais uma edição, novas modalidades de financiamento a esse tipo de pesquisa, em um exercício no qual a produção científica vai ao encontro das carências do sistema, aliando novos saberes e vivências ao campo das ciências aplicadas, em pesquisas locais e que podem ser replicadas futuramente para todo o País.

Quando a educação constrói a si própria

A Universidade Estadual de Goiás (UEG) é uma dessas entidades com projetos aprovados no edital do PPSUS, coordenado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e divulgado no último mês. Do total de 29 projetos contemplados com a verba de R$ 2,3 milhões do PPSUS (sendo R$ 1,3 milhão do Ministério da Saúde a ser repassado pelo CNPq e R$ 1 milhão da Fapeg, proveniente do Tesouro Estadual), quatro projetos são da UEG.

Um deles diz respeito ao desenvolvimento e crescimento de crianças em unidades públicas de educação de Goiânia, dentro da temática de Vigilância em Saúde. Coordenado pelas professoras Cibelle Kayenne e Martina Brom, do curso de Fisioterapia da unidade universitária da UEG de Goiânia (Eseffego), o projeto foi contemplado com recursos para a promoção à saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento e controle de doenças. “Nosso trabalho vem sendo desenvolvido desde 2010, com a ideia de visitar Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) para avaliar o desenvolvimento motor de crianças, de cinco a seis anos, em preparo para a alfabetização. Sendo encaixado agora dentro do PPSUS teremos condições de ampliar essa experiência que permite um contato e aprendizagem do nosso aluno para ir além da sala de aula”, explica Martina.

Segundo a professora, a equipe de seis pessoas, sendo quatro professores e quatro alunos da graduação, desenvolve atividades na área de fisioterapia pediátrica para promover dentro do Sistema Único de Saúde maneiras de identificar riscos em crianças saudáveis que podem desenvolver atrasos no desenvolvimento de atividades motoras, em especial ao comportamento pessoal-social, o motor-fino (habilidades com as mãos, escrita, etc.), o motor-amplo (equilíbrio), a linguagem e o desempenho funcional. Pelo lado do SUS, as diretrizes gerais que orientam a atenção à saúde da criança nos Estados e município têm entre suas linhas de cuidado prioritárias o acompanhamento do crescimento, desenvolvimento e imunização. “Esse diagnóstico neste momento da vida da criança permite que a escola e a família desenvolvam atividades de estímulo em um período que a motricidade é de fundamental importância na educação infantil. Nós desenvolvemos brincadeiras que têm um intuito sério por trás delas e que são apresentadas aos pais em um trabalho elaborado especialmente a esse fim, como cartilhas que explicam maneiras de desenvolver melhor a saúde da criança nessa etapa”, avalia.

Além disso, o contato estabelecido entre estudantes e seu público, como argumenta a professora, estabelece vínculos na extensão que são absorvidos no aprendizado além da sala de aula. Para a estudante Beatriz Rodrigues Alves, que está no 8º período de Fisioterapia da UEG, essa formação em pesquisa e prática é de importância ímpar na formação de seu currículo. “Desde o segundo período do curso eu comecei a atuar no projeto e hoje vejo que a participação determinou minha escolha de especialização do meu trabalho”, aponta a estudante. “Acabamos por conhecer realidades que nos ajudam no trabalho orientado fora da sala de aula e essa garantia reflete inclusive em uma formação mais integrada do que a gente aprende dentro da universidade”, complementa.

Novas ideias para velhos problemas

Equipe professora Ana Maria
Equipe da professora Ana Maria de Castro, da UFG: inovação no tratamento e diagnóstico de doenças. Foto: Mantovani Fernandes

Outro fato positivo nessa interação do ambiente acadêmico com a sociedade diz respeito, ainda, ao desenvolvimento de novas soluções para problemas já existentes e até graves. Nesse ponto, a Fapeg e a Secretaria de Estado da Saúde (SES) determinam bem a escolha dos projetos que recebem aporte financeiro provenientes do PPSUS. Entre os critérios analisados pelos consultores da entidade e, também, pela comissão de especialistas para a escolha dos projetos contemplados estão fatores de originalidade e caráter da inovação, contribuição para o aprimoramento do SUS e a possibilidade de expansão da pesquisa, com possibilidade de futuros desdobramentos, entre outras razões. “Escolhemos, por meio das etapas previstas no edital, os melhores projetos cuja aplicabilidade no sistema possa contribuir para modificar protocolos, introduzir novas operações que sejam necessárias para melhoria no atendimento à população”, argumenta a presidente da Fapeg, Maria Zaira Turchi. “Se podemos apoiar e financiar pesquisas que vão propor caminhos alternativos que resultam em um atendimento mais eficiente, é fundamental que isso traga mais saúde e qualidade para o sistema”, completa.

Nesse caso, outro projeto contemplado pela iniciativa destaca-se ainda por propor uma abordagem inovadora para doenças bem conhecidas da população brasileira: a toxoplasmose, também conhecida como doença do gato, e a doença de Chagas. Coordenada pela professora Ana Maria de Castro, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (IPTSP-UFG), a pesquisa busca desenvolver a triagem em recém-nascidos para identificar essas doenças por meio do Teste do Pezinho. “Nos últimos anos, desenvolvemos um trabalho bastante interessante com as gestantes infectadas por essas doenças e agora queremos propor uma nova abordagem junto aos recém-nascidos. Isso porque, feito esse diagnóstico de maneira precoce, no primeiro ano de vida do bebê, o tratamento tem muito mais chances de sucesso por evitar os agravos e complicações da enfermidade”, sinaliza.

Segundo a professora, a pesquisa inicial já foi contemplada uma vez pelo edital do PPSUS e mostrou resultados muito satisfatórios no acompanhamento das gestantes identificadas com essas doenças. Agora, no entanto, a proposta se aprofunda ao buscar se unir o estudo ao diagnóstico do Teste do Pezinho. “Durante essa fase da pesquisa, deveremos acompanhar os recém-nascidos de duas maternidades da capital – do Hospital das Clínicas e da Maternidade Dona Íris; colhendo dados e informações que já serão aplicadas no tratamento desses bebês. O projeto é piloto, mas tem potencial para expandir conforme nossos resultados, se realizado em conjunto a um teste tão popular e eficaz como esse,” enfatiza.

Para Ana Maria, a aplicação em conjunto ao Teste do Pezinho é de fundamental importância para o sucesso desses diagnósticos. “Há mães que, infelizmente, ainda não fazem o acompanhamento médico com o pré-natal. Mas elas não deixam de fazer o Teste do Pezinho, o que melhora as chances de se detectarem doenças no recém-nascido. Existe um trabalho de conscientização para que tanto o pré-natal seja feito quanto o tratamento dessas doenças seja de fato eficaz, e a pesquisa auxilia nisso ao unir a ciência com o social”, vislumbra.

Por este aspecto, ao se aliar ao social, a universidade promove ainda uma formação mais humanística para seus alunos, mesmo que em áreas não relacionadas diretamente às ciências humanas. Para o mestrando em Parasitologia pela UFG, Hânstter Alves, essas iniciativas auxiliam no trabalho de diagnóstico e de referenciamento para a construção de sua carreira. “Essas atividades que vão além da sala de aula acabam direcionando o que vamos fazer enquanto profissionais. Eu mesmo comecei a trabalhar com a professora Ana Maria desde a graduação, quando acompanhava as mães, enquanto estagiário. Hoje, concluo meu mestrado nessa área e pretendo seguir o doutorado na mesma linha”, pontua. Por este ângulo, a pesquisa aplicada e a extensão agem na formação complementar em diversos níveis e ganham, assim, todos os envolvidos: acadêmicos, pesquisadores, administração pública e, principalmente, a sociedade.

Governo na palma da mão

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