Especial PPSUS: Pesquisa-ação analisa o uso da tecnologia grupal na Rede de Atenção Psicossocial
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Social da Fapeg
Descrever como atuam os profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para o uso da tecnologia grupal como estratégia de cuidado e organização do trabalho em saúde mental, álcool e outras drogas em Goiás. Esse foi o tema proposto para um projeto de pesquisa coordenado pela professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Camila Cardoso Caixeta, com o título Saúde Mental, Álcool e outras Drogas e o Uso da Tecnologia Grupal. Ela avalia que, na saúde mental o trabalho em grupo é urgente e fundamental para proporcionar uma atenção psicossocial com foco na comunidade e família e com base nos princípios da integralidade e na equipe multiprofissional.
Os estudos realizados sobre a realidade da atenção psicossocial no Estado de Goiás contaram com a colaboração da Gerência de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde e mostram os avanços e entraves encontrados pelas gestões e profissionais nos serviços. Também vão colaborar no sentido de direcionar a assistência segundo o modelo psicossocial.
O projeto foi selecionado, juntamente com outros 28, pela Chamada Pública nº 12/2013 no âmbito do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS): Gestão Compartilhada. O PPSUS tem por objetivo apoiar atividades de pesquisa científica, tecnológica ou de inovação que promovam a formação de recursos humanos qualificados e a melhoria da qualidade de atenção à saúde no contexto do SUS. A chamada é uma parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) com o Ministério da Saúde, Secretaria Estadual da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Rede de Atenção Psicossocial
A RAPS foi instituída para o atendimento em saúde mental no âmbito do Sistema Único de Saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas e tem como finalidade criar, ampliar e articular pontos de atenção à saúde para todos aqueles que necessitam de atendimento especializado.
A Secretaria Estadual da Saúde, por meio da Superintendência de Políticas de Atenção Integral à Saúde e da Gerência de Saúde Mental, tem papel na Rede na formulação, no acompanhamento e na avaliação da Política Estadual de Saúde Mental. O apoio institucional da SES se dá mediante o acompanhamento na pactuação do desenho da rede e dos planos de ação macrorregionais, regionais e municipais da RAPS, bem como na assessoria técnica para o desenvolvimento dos processos de trabalho das equipes locais.
A cooperação técnica aos municípios envolvidos precisa atender a especificidades das realidades locais a partir de processos instituídos num plano de monitoramento e qualificação das ações e serviços implementados. Essa consideração permite garantir que os municípios e serviços organizem suas redes na lógica do modelo psicossocial. Além disso, este apoio permite coordenar e articular mecanismos que promovam a identificação das dificuldades, de estratégias que mobilizem os aspectos facilitadores, dos avanços e dos desafios para a implantação e implementação da RAPS.
A pesquisa
Segundo a coordenadora do estudo, Camila Cardoso Caixeta, “trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva e exploratória do tipo pesquisa-ação, que é ao mesmo tempo uma metodologia de resolução de problemas psicossociais e uma investigação científica e teórica sobre o mesmo problema”.
Participaram da pesquisa 66 trabalhadores de 29 serviços ambulatoriais de Saúde Mental da Rede de Atenção Psicossocial de 23 municípios do Estado de Goiás. A coleta de dados se deu por meio de um curso de 120 horas aula, distribuídas em 88 horas presenciais e 32 horas de atividades de dispersão.
Os encontros presenciais da coleta de dados, referentes à capacitação dos profissionais da RAPS do Estado de Goiás no uso da tecnologia grupal, foram realizados de fevereiro a setembro de 2016, na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás e na Escola de Saúde Pública do Estado de Goiás, em Goiânia.
O primeiro objetivo da pesquisa – identificar e descrever as ações grupais desenvolvidas pelos profissionais – detectou que, nas 29 frentes de serviços ambulatoriais pesquisadas nos diversos municípios, foram encontrados 28 tipos distintos de grupos realizados, como grupo de atividades físicas e expressão corporal com atividades de yoga, dança, caminhada, alongamento, zumba, futebol, basquete, vôlei e sinuca; grupo de artes manuais/arteterapia, artesanato, crochê, pintura em tecido, artes com material reciclável, confecção de tapete e pintura em tela; grupo de acolhimento para usuários recém-chegados ao serviço a fim de recebê-los no grupo e identificar de forma mais clara a queixa do usuário; grupo de estimulação com atividades para psicomotricidade, cognição, raciocínio, memória e reabilitação cognitiva; grupo de aconselhamento com atividade grupal direcionada a ajudar os usuários a alcançar o bem-estar psicológico e a autonomia pessoal por meio da adoção de um estilo de vida mais saudável; grupo de família/cuidadores e de pais com ações direcionadas aos familiares, cuidadores dos usuários no sentido de apoiá-los e orientá-los sobre o cuidado compartilhado da pessoa em sofrimento mental e problemas com abuso de drogas; entre outros.
“A grande variedade de atividades grupais encontradas ressalta que todos os serviços têm, simultaneamente, mais de um tipo de grupo em funcionamento. Mostra também que cada Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) tem autonomia para construir suas ofertas terapêuticas levando em consideração o perfil dos seus usuários, as demandas de saúde do seu território e as características profissionais das equipes de saúde”, comenta Camila Caixeta.
Fatores impulsores e restritivos para o uso da tecnologia grupal
O segundo objetivo da pesquisa era levantar os fatores impulsores e restritivos da prática com grupos nos serviços ambulatoriais da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS (prioritariamente nos Centros de Atenção Psicossocial) de Goiás. Entre os fatores impulsores, Camila Caixeta cita a competência do profissional para a condução de grupos no que diz respeito à motivação para o planejamento e a construção de atividades criativas para a execução dos grupos, postura horizontal, acolhedora e receptiva, empatia e disponibilidade interna, jogo de cintura, e liderança na condução do grupo e comunicação assertiva.
Ela cita também os resultados positivos que os grupos terapêuticos promovem com os usuários: a melhora da qualidade de vida do usuário, através da socialização; a melhora da adesão ao serviço e consequentemente ao tratamento, bem como o incentivo ao desenvolvimento da autonomia e liberdade promovido pelas relações grupais entre os usuários que participam do grupo; e os aspectos relacionados a ampliação da oferta de cuidado, pois os grupos terapêuticos conseguem acolher mais pacientes com demandas comuns de saúde mental, álcool e drogas. Um mesmo profissional atende simultaneamente vários usuários, assim há otimização da equipe e da estrutura física dos serviços.
Fatores restritivos
Dificuldades relacionadas aos usuários: Resistência às atividades grupais; dificuldade de vinculação e participação do usuário e familiares ao serviço; indisponibilidade de horário dos usuários frente ao período de funcionamento do CAPS; dificuldade de compreensão cognitiva; problemas de habilidade interpessoal; falta de pontualidade dos usuários.
Dificuldades relacionadas aos profissionais: dificuldade de organização e planejamento das atividades grupais; falta de interesse, compromisso e empenho profissional para o trabalho no CAPS; insegurança pela falta de experiência na condução dos grupos; falta de conhecimento em técnicas grupais; dificuldade para conduzir e administrar o tempo do grupo; dificuldade em motivar e promover a participação do usuário; problemas de habilidade interpessoal – tensão e timidez ao falar para um grupo grande; falta de comunicação e desunião da equipe do CAPS; dificuldade de lidar com a impaciência e cognição diminuída de alguns usuários; ansiedade e angústia frente as expectativas dos usuários; dificuldade de fazer circular a palavra no grupo; dificuldade de lidar com usuários que incomodam e atrapalham o grupo; falta de pontualidade dos profissionais; não saber escutar; existência de preconceitos.
Dificuldades no processo de trabalho e estrutura dos serviços: divergência entre os interesses da gestão, equipe e usuário; falta de supervisão para a prática grupal; alta demanda de usuários para a quantidade de profissionais; desmotivação da equipe gerada por vínculos empregatícios precários; indisponibilidade de horário ampliado para realização dos grupos; cultura institucional de funcionamento ambulatorial que não favorece a prática com grupos; falta de material para a execução dos grupos; inadequação da estrutura física (salas pequenas, sem ventilação, sem privacidade).
Capacitação
Outro objetivo da pesquisa era capacitar os profissionais da RAPS no uso da tecnologia grupal como estratégia de cuidado e organização do trabalho em saúde mental, álcool e outras drogas. Ainda como produto do estudo, Camila Caixeta cita a pesquisa de Doutorado da psicóloga Fernanda Costa Nunes, que entrou no Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina, com o objetivo geral de “avaliar a
implementação um processo de educação permanente em saúde dos profissionais da RAPS do Estado de Goiás para o uso da Tecnologia Grupal como estratégia de cuidado e organização do trabalho em saúde mental, álcool e outras drogas”. A pesquisa também contou com quatro alunos de PIBIC / PIVIC vinculados à pesquisa em 2016 e três no ano de 2017.
“Frente ao compromisso dialético da pesquisa-ação de melhorar o contexto do meio pesquisado à medida que nele intervém, esperamos que nosso trabalho tenha colaborado na aplicação de ações efetivas junto aos serviços participantes e contribuído com a melhora da qualidade na utilização da tecnologia grupal e consequentemente na melhora do cuidado às pessoas usuárias de drogas”, finaliza a pesquisadora.
Conheça outros projetos contemplados no PPSUS aqui.