Mulheres mães e ciência: entre fraldas, fórmulas e desafios

Iniciativas de equidade impulsionam políticas públicas para mulheres cientistas

Mulher, mãe, profissional! Neste mês de maio, mês das mães, é importante refletir sobre a maternidade, uma das experiências mais transformadoras na vida de uma mulher, mas que pode impactar a carreira profissional, especialmente na área científica. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) num esforço contínuo tem promovido escuta às mulheres, principalmente as cientistas que são seu público-alvo, para a adoção de ações, lançamento de editais específicos e de ferramentas em busca da promoção da equidade de gênero na ciência e no apoio para equilibrar a maternidade com a carreira acadêmica.

O Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) e da Fapeg, já investiu mais de R$ 2,5 milhões em projetos liderados por mulheres nas áreas de Ciências Exatas, Engenharias e Computação. Desde 2024, foram apoiados 31 projetos de pesquisa, 30 negócios inovadores e 57 iniciativas voltadas para transformar ideias em negócios, impactando positivamente a vida de milhares de mulheres e meninas em Goiás.

Lançamento de editais como o Goianas na Ciência e Inovação – Mulheres em STEM, têm apoiado mulheres, que hoje já estão realizando pesquisas nas mais diversas áreas, como o desenvolvimento de turbina eólica otimizada; materiais moleculares multifuncionais para spintrônica e informação quântica; detecção de falhas na produção de mudas de tomate com uso de inteligência artificial; desenvolvimento de um sistema fotocatalítico para produção de hidrogênio verde e tratamento de efluentes; tecnologias inovadoras baseadas em LAMP para detecção de bactérias resistentes a antibióticos tanto para diagnóstico clínico quanto para monitoramento em esgoto; entre inúmeras outras pesquisas nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).

Licença-Maternidade

Amanda e Marina. “A licença permite que a mulher possa viver esse momento especial sem pressão por produção acadêmica imediata, o que faz toda a diferença


Amanda Alves de Melo Ximenes, 28 anos, é bióloga, mestre em genética e biologia molecular e bolsista de doutorado da Fapeg na mesma área. Trabalha com genética da conservação de espécies ameaçadas utilizando ferramentas genéticas e genômicas para estudar e entender melhor a dinâmica das populações e elaborar estratégias de conservação. Quando estava prestes a concluir o doutorado na Universidade Federal de Goiás, descobriu a gravidez. Por sorte, logo depois a Fapeg instituiu a licença-maternidade, o que a deixou mais tranquila para curtir a maternidade e ter mais tempo para se dedicar à pesquisa.

Hoje, mãe da Marina, com três meses, Amanda ainda está de licença. “Agora estamos com uma rotina um pouco mais definida, mas os três primeiros meses foram bem difíceis. Eu acho que a licença é fundamental para permitir que a mulher possa viver esse momento intenso e especial sem ter a cobrança de ter que trabalhar e produzir, mas se isso for possível dentro do período da licença, estamos no lucro”.

“Estou em um grupo de pesquisa que me apoiou e me ajudou em muitas tarefas que precisei entregar no final da gestação e depois do nascimento, então acho que isso me ajudou a manter o contato e não me afastar dos trabalhos. A maternidade é realmente muito diferente da paternidade, porque o neném depende muito da mãe nesse início, especialmente pela amamentação. Mas eu creio que a licença ajuda a gente a usufruir desse período mais desafiador do início da vida da criança e permite que possamos voltar depois para nos atualizarmos sem sairmos prejudicadas em relação a prazos e cobranças. A licença de quatro meses não é muito, mas também não é pouco, está sendo suficiente para ajuste de rotina e para me acostumar com a nova fase”, relata Amanda.

A resolução da Fapeg não só garante a continuidade da carreira acadêmica para as mulheres, mas também promove a igualdade de gênero na ciência. O apoio é essencial para que pesquisadoras como Amanda possam conciliar a maternidade com seus objetivos acadêmicos, mantendo-as na ciência e fortalecendo a pesquisa e a inovação no Brasil.

A licença veio normatizada por meio de Resolução e amplia os direitos decorrentes do afastamento temporário da bolsista para a maternidade. O artigo 24 da resolução garante às beneficiárias de bolsas de formação (graduação, mestrado e doutorado), e às bolsistas participantes de projetos de pesquisa, extensão e de inovação contempladas com bolsas de estudo com duração mínima de 12 meses, o direito de prorrogação por até 120 dias (quatro meses) nos prazos de vigência do benefício em função da maternidade, seja em virtude da ocorrência de parto, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção durante o período de vigência da bolsa. A resolução proíbe a suspensão do pagamento da bolsa durante o afastamento temporário da bolsista.

Políticas públicas
Mas a maternidade, para muitas mulheres acaba se tornando um obstáculo em suas jornadas acadêmica e científica. É fato que as mulheres desempenham um papel fundamental na ciência brasileira, com avanços significativos na participação em programas de pós-graduação e bolsas de iniciação científica, apesar de persistirem desigualdades de gênero, especialmente em posições de liderança e em áreas como ciências exatas e engenharias. É fundamental que as políticas públicas sejam ampliadas e aprimoradas para garantir um ambiente mais inclusivo e acolhedor para todas as cientistas.

Karla Maria Longo é mãe de dois filhos já adultos. Recentemente foi classificada em primeiro lugar no Prêmio Goiano de Ciência, Tecnologia e Inovação na categoria Pesquisador Goiano Destaque em outros Estados, promovido pela Fapeg. A pesquisadora é mãe do Pedro (médico psiquiatra) e da Clara (jornalista). Ela conta que conciliar a carreira de pesquisadora com a maternidade foi um desafio constante. A licença-maternidade para bolsistas é uma conquista recente, mas, mesmo assim, a pesquisadora considera que não é longa o suficiente para garantir nem o período completo de amamentação. Além disso, a falta de licença-paternidade estruturada, segundo ela, impede uma verdadeira divisão de responsabilidades, deixando o ônus da criação dos filhos, pelo menos no primeiro ano de vida, praticamente integralmente sobre as mulheres.

Karla Longo, Pedro e Clara. “O sistema acadêmico, com sua estrutura rígida e sua falta de apoio à maternidade, exige da mulher uma dose extra de resiliência”.

“Os meus filhos nasceram no final do meu mestrado e doutorado. Em ambas as ocasiões, não tive direito à licença-maternidade, algo que, na prática, coloca a mulher numa posição desvantajosa. Meu marido também é pesquisador, e embora tenha sido sempre um pai muito presente, a responsabilidade maior pela criação dos filhos no primeiro ano foi minha. Tentamos conciliar os papéis de mãe e pai integrando nossos filhos à nossa rotina, mas, ao fazer isso, enfrentamos uma sobrecarga que muitas vezes foi invisibilizada. Trabalhamos muito em casa para estarmos mais perto deles e, sempre que possível, os levávamos conosco em viagens de trabalho, inclusive para conferências científicas. Eles se acostumaram com esse ambiente e se adaptaram, mas foi uma adaptação repleta de desafios diários”, relata Karla.

“Quando meu filho mais velho nasceu, eu estava no final da redação da minha dissertação de mestrado. Parei por apenas duas semanas, de outra forma não teria conseguido defender o mestrado a tempo. No doutorado, optei por fazer um estágio sanduíche nos Estados Unidos, levando meu filho, então com seis anos, comigo, enquanto meu marido dividia-se entre São Paulo e Washington. Nesse período, meu filho frequentou escola e creche, lidando com a distância do pai, aprendendo um novo idioma em um ambiente culturalmente muito diferente e com a xenofobia. Depois de retornar ao Brasil e defender meu doutorado grávida de oito meses, emendamos um pós-doutorado nos Estados Unidos, porque ainda não havíamos conseguido trabalhos permanentes. Dessa vez, fomos todos juntos, com minha filha mais nova com apenas três meses. A NASA, onde fizemos o pós-doc, tinha uma creche no campus, mas só conseguimos uma vaga quatro meses depois. Durante esse período, trabalhei a maior parte do tempo com minha bebê no meu escritório, o que é um reflexo claro da falta de estrutura adequada para conciliar as demandas da maternidade com uma carreira acadêmica”. Atualmente Karla trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e participa de um projeto fomentado pela Fapeg (Centro de Estudos, Monitoramento e Previsão Ambientais do Cerrado – CEMPA-Cerrado).

A pesquisadora conta que, ao longo de sua carreira, viu muitas mestrandas e doutorandas optando por adiar a maternidade temendo as dificuldades que surgem ao tentar conciliar ambas as tarefas. “O sistema acadêmico, com sua estrutura rígida e sua falta de apoio à maternidade, exige da mulher uma dose extra de resiliência. Muitas vezes, as mulheres acabam pagando um preço alto, sacrificando não só o seu tempo e bem-estar, mas também sua saúde mental e o equilíbrio familiar”, desabafa.

Dever de casa

Polyana e Sarah. “Poder vivenciar a maternidade sem abrir mão do desenvolvimento profissional, pra mim, tem sido gratificante”.

Polyana Borges Mendonça é gerente de Inovação da Fapeg. Mãe da Sarah, dois aninhos, para ela, conciliar maternidade e trabalho tem sido um grande desafio. “A compreensão e a empatia dos gestores e colegas de trabalho são fatores de apoio muito importantes. Poder vivenciar a maternidade sem abrir mão do desenvolvimento profissional, pra mim, tem sido gratificante. Sinto que posso ser um exemplo pra minha filha, de que a mulher pode sim ocupar espaços importantes, desde que não se cobre tanto e passe a valorizar cada pequena vitória diária — porque elas importam muito”, diz Polyana.

“Com a maternidade mudam as prioridades, a rotina e as responsabilidades. Além disso, estou constantemente buscando estar suficientemente presente com a minha filha enquanto tento dar o melhor de mim no trabalho. A rotina é exaustiva, e a constante necessidade de conciliar reuniões, prazos e demandas com noites mal dormidas e as necessidades de uma criança pequena exige um esforço físico e emocional enorme. Eu tenho rede de apoio, que me deixa mais tranquila para conseguir cumprir as demandas necessárias, mas sei que isso pode ser uma angústia para as mães que não a tem. Principalmente porque culturalmente, ainda é atribuído à mãe uma sobrecarga de responsabilidade com os filhos bem maior.

Governo na palma da mão