Mobilidade na Itália como expansão da pesquisa: de inovações em fármacos a estudos sobre praças públicas

Letícia Santana, da Assessoria da Comunicação Social da Fapeg

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença de Parkinson (DP) acomete 1% da população mundial com idade superior a 65 anos. No Brasil, estima-se que 200 mil pessoas são afetadas por esta doença, que tem como sintomas motores mais comuns o tremor, a rigidez muscular e alterações posturais. Diante dessa realidade, enquanto as causas ainda são desconhecidas, estudiosos buscam meios para retardar a progressão da doença ou dos sintomas.

Atualmente, o tratamento mais utilizado baseia-se na administração oral do precursor de dopamina, o levodopa, um fármaco que alivia os sintomas da DP. A dopamina é um neurotransmissor responsável pelo foco e concentração, que resulta no sentimento de bem-estar e prazer e o uso da levodopa restaura essa neurotransmissão. Entretanto, seu uso causa reações adversas como intolerância gastrintestinal e queda de pressão.

Apesar de este fármaco ser ainda o mais efetivo desde a década de 60, outro obstáculo observado é que a maioria dos fármacos administrados pela via oral dificilmente consegue atravessar a barreira hematoencefálica, uma estrutura que protege o Sistema Nervoso Central (SNC) de substâncias químicas presentes no sangue. Assim, esses medicamentos não atingem o cérebro com concentrações suficientes para serem eficazes, o que também ocorrem com outros medicamentos usados para outras doenças do SNC.

Experimentos na Farmatec
Edilson Ribeiro em experimentos na Farmatec da UFG. Foto: Letícia Santana.

Para aumentar a concentração desses fármacos no SNC e, portanto, ser mais eficiente, uma estratégia promissora é o uso de nanopartículas associadas à administração intranasal, conhecida também como nose-to-brain delivery. Este estudo foi desenvolvido no último ano pelo então mestrando  da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edilson Ribeiro de Oliveira Júnior, sob a coordenação da orientadora no Brasil, Eliana Martins Lima, em parceria com a orientadora da Itália, Eliana Grazia Leo, da Università Di Modena e Reggio Emilia.

A parceria surgiu após Edilson ser aprovado na Chamada Pública Mobility Confap Italy Call (MCI), lançada em 2017, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) no âmbito do Acordo de Cooperação firmado entre o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e a Universidade de Bolonha, secretaria técnica da rede de Universidades Italianas.

Foco do estudo

Farmatec da UFG
Edilson Ribeiro, na Farmatec. Foto: Letícia Santana

No Brasil, sob a coordenação da professora Eliana Martins, o acadêmico faz parte de um grupo que trabalha com o desenvolvimento de medicamentos inovadores voltados à solução de problemas complexos no tratamento de doenças crônico-degenerativas e doenças infecciosas com o uso da nanotecnologia, conforme explica Eliana. “Nossa pesquisa visa contribuir para que melhores medicamentos possam ser desenvolvidos e chegar ao uso clínico, contribuindo com a melhoria na qualidade de vida de pacientes que se submetem a tratamentos de doenças como, por exemplo, câncer, doenças do sistema respiratório, do sistema nervoso central, infecções generalizadas, etc.”, diz a coordenadora Eliana Martins.

Assim, ao saber do edital da Itália e entrarem em contato com pesquisadores daquele país, encontraram a professora Eliana Grazia que já estudava as nanopartículas e a Doença de Parkinson (DP). Interessado em ampliar os estudos acerca de sua pesquisa, Edilson submeteu proposta no edital da Fapeg, foi aprovado e embarcou para uma experiência, como ele mesmo relata, como espetacular. “Ampliei o foco do meu projeto de mestrado, utilizando a mesma via de administração, que é o nose-to-brain delivery, tanto para o câncer cerebral como também para o Parkinson”, explica Edilson.

Os experimentos
Inicialmente o projeto previa o desenvolvimento de micropartículas e nanopartículas. Porém, durante os estudos in vivo de administração via nose-to-brain, apenas as nanopartículas, que são partículas cujo diâmetro deve ter entre 20 e 100 nanômetros, foram utilizadas. Para se ter uma ideia, as nanopartículas só podem ser vistas com microscópicos eletrônicos de alta resolução, pois são partículas cerca de 1 bilhão de vezes menores que o metro.

Dentro dessas nanos está o fármaco, ficando assim protegido contra qualquer tipo de degradação. As nanos permitem que se aumente o tempo de residência do fármaco na cavidade nasal permitindo que sejam levadas até o cérebro por diferentes mecanismos.

Apresentação na Itália
Edilson apresenta resultados da pesquisa no congresso ROMA Nanomedicine 2018. Foto: Arquivo Pessoal

Após seis meses na Itália, Edilson agora compartilha com os pesquisadores do laboratório FarmaTec da UFG tudo que aprendeu. “O grupo da Itália já era consolidado e com vários artigos publicados na área de nose-to-brain delivery. Fiz experiência in vivo (testes com animais) e in vitro (células) para investigar o comportamento das formulações desenvolvidas. Na Itália trabalhei com novas nanopartículas, diferentes das que desenvolvi no Brasil, o que enriqueceu mais ainda meu conhecimento”.

Edilson enfatiza que estes estudos estão em uma fase pré-clínica, ou seja, ainda em testes em animais e células. “Com certeza nossos trabalhos poderão contribuir de forma importante para a sociedade. Mas, como toda inovação na área de novos medicamentos, ainda estamos nos estágios iniciais da pesquisa e precisamos de mais investimentos e parcerias”, afirma.

Edital Itália
Com o objetivo de fortalecer as parcerias internacionais, no ano de 2017 a Fapeg lançou pela primeira vez o Mobility Confap Italy Call (MCI), quando oito pesquisadores foram contemplados entre Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. Em 2018, em uma nova chamada, mais 13 pesquisadores foram contemplados para realizar seus estudos nas universidades italianas.

O MCI visa facilitar e apoiar a colaboração efetiva entre os dois países para a cooperação científica, tecnológica e de inovação, por meio da mobilidade de estudantes em programas Stricto Sensu. Para participar, entre os pré-requisitos, o proponente deveria ser estudante devidamente matriculado em um Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (PPGSS) de instituições sediadas no Estado de Goiás ou pesquisador com vínculo empregatício com instituições de pesquisa e/ou universidades com sede no Estado de Goiás.

Por meio deste edital, a Fapeg financiou passagens de ida e volta, além de uma bolsa no valor de 1.300 euros por mês, durante seis meses para estudantes de Mestrado e Doutorado. Já para pesquisadores em estágio Pós-Doutoral, o tempo de estadia na Itália foi de um ano com bolsa no valor de 2.100 euros por mês.

A coordenadora de Edilson no Brasil, Eliana Martins, ressalta que este tipo de fomento que permite a cooperação internacional é de extrema importância para pesquisadores que trabalham em áreas na fronteira do conhecimento e de elevado cunho tecnológico. “Abre oportunidades para estabelecimento de novas colaborações em projetos científicos e tecnológicos, ampliando o alcance de nossos trabalhos. Um exemplo de resultado deste caso em particular é que recebemos uma doutoranda da Universidade de Modena em nosso laboratório para um período de seis meses na forma de doutorado sanduíche”, diz.

Bolsista Juliana Pugliesi
Juliana Pugliesi durante Mestrado na Itália. Foto: Arquivo Pessoal

Mais um exemplo de como o investimento com parceiros internacionais é exitoso é o da pesquisadora Juliana Pugliesi. Também contemplada na Chamada Pública Mobility Confap Italy Call (MCI), de 2017, Juliana aprofundou suas pesquisas de Mestrado na Itália, onde embarcou para estudar a arquitetura da Praça Universitária de Goiânia correlacionando à transformação da produção artística e teórica do artista ítalo-brasileiro Waldemar Cordeiro. Após voltar ao Brasil para defender sua tese, Juliana já retornou à Itália, mas agora está se preparando para o Doutorado, colhendo assim os frutos desse intercâmbio internacional.

Ela conta que os professores admiram muito a arquitetura moderna brasileira e, enquanto estava na Itália, um professor a alertou sobre a possibilidade de estudar a história da arquitetura de Brasília com as influências de Le Corbusier, as superquadras e a paisagem urbana. “Acrescentei a ele sobre a importância do arquiteto Lúcio Costa em todo esse processo”, explica.

“Vim com a minha mãe e minhas filhas em janeiro de 2018 para iniciar as atividades e voltei para ao Brasil em abril para a defesa. Neste período meu marido chegou à Itália para ficar com as meninas que estavam já bem adaptadas e na escola. Retornei para a Itália em junho de 2018. Está tudo muito intenso e muito corrido. Para mim foi uma felicidade ter sido aprovada para esse intercâmbio na Itália, em Bolonha, uma experiência incrível. A Fapeg esteve extremamente presente nos financiamentos e orientações, pontual com todas as atividades. Apresentou-se como a principal gestora dessa possibilidade dos estudos na Itália”, diz Juliana.

Praça Universitária em estudo
Espaço público destinado ao lazer das crianças, ao encontro de casais, às manifestações políticas ou culturais, sem dúvida, as praças públicas fazem parte do cotidiano de quem vive nas áreas urbanas. Conectando ruas e transformando paisagens, as praças têm sido objeto de estudo de pesquisadores, uma vez que cada uma apresenta histórias de criação e transformação peculiares, que merecem um olhar atento para a valorização de um local que promove há tantos anos a socialização. Foi isso que fez a arquiteta e urbanista, Juliana Pugliesi, em sua dissertação de mestrado da Faculdade de Artes Visuais (FAV), do Programa de Pós-Graduação em Projeto e Cidade, da Universidade Federal de Goiás (UFG), sob a orientação do Dr. José Arthur D`Aló Frota.

praça universitária
Vista aérea da Praça Universitária realizada em 1970. Fonte: Acervo fotográfico de Luiz Mauro de Souza Vasconcelos. Imagem extraída do projeto da Pugliesi,

A pesquisadora escolheu como tema de mestrado a análise da história e da arquitetura da Praça Universitária, de Goiânia, entre os anos de 1960 e 1980, correlacionando à transformação da produção artística e teórica do artista ítalo-brasileiro Waldemar Cordeiro. O interesse em escrever acerca deste tema remete às lembranças afetivas da infância e adolescência de Juliana, que por diversas vezes utilizou o espaço público. “Recordo de, na minha infância, caminhar com meus pais. Me recordo muito dos jardins, do museu, do espelho d’água. No decorrer dos anos usei muito o espaço para outras atividades como lazer e também ajudando na organização de manifestações políticas do movimento estudantil, como estudante e depois como profissional de Arquitetura”, relembra.

O projeto, inicialmente, tinha como foco estudar o paisagismo da praça, entretanto, a pesquisa se ampliou após identificar a autoria dos projetos de urbanismo e paisagismo pelo artista Waldemar Cordeiro, e da arquitetura do museu pelo grupo de arquitetos Heitor Ferreira de Souza, José Magalhães Júnior e Mássimo Fiocchi, responsáveis pelo projeto do Palácio da Cultura, hoje Biblioteca Marieta Teles Machado, estendendo assim o seu campo de estudo para avaliação da concepção dos projetos urbanísticos e paisagísticos, suas estratégias no processo criativo do espaço urbano, sua historicidade e seu papel social, além da investigação dos projetos como um novo marco da modernização urbanística da cidade de Goiânia na década de 1960. O recorte temporal se dá entre 1960 e 1980, período que destaca sua construção ao início de suas primeiras modificações físicas.

O projeto aborda o objeto de estudo como um lugar expressivo, dinâmico e plasticamente diferenciado para responder por meio das análises das obras e da trajetória artística do Waldemar Cordeiro e suas influências europeias, o processo que gerou a forma do espaço e sua comunhão com a evolução urbanística da cidade. “Acredita-se que esses fatores podem, de algum modo, identificar de forma mais detalhada, como ocorreu a construção da Praça diante da modernização da cidade, seu significado arquitetônico e social e contribuir para pensar novas intervenções”, diz.

Diante da aproximação do projeto de Juliana Pugliesi à trajetória artística do ítalo-brasileiro Waldemar Cordeiro e sua relação com a Praça Universitária, ela candidatou-se à Chamada Pública Mobility Confap Italy Call (MCI) realizada em 2017 pela Fapeg. Após aprovada, a pesquisadora embarcou para a Itália, estudando na Università di Bologna, no Dipartimento di Architettura, oportunidade que permitiu a realização de acréscimos aos estudos das obras do ítalo-brasiliano Waldemar Cordeiro e também a análise de algumas praças italianas, abrangendo uma relação entre o objeto da pesquisa e outros espaços urbanos. “Para tal fundamentação, nos aportamos em análises comparativas entre autores e algumas obras arquitetônicas”, diz.

Ela acrescenta que o projeto de pesquisa se ampliou muito após a estadia na Itália. “Tive a oportunidade de estar em seminários importantes na cidade de Bologna – Universidade Alma Mater, com professores que direcionaram a pesquisa para alguns campos do urbanismo que ainda não tinham destaque dentro do conteúdo do trabalho”, relata Juliana.

Com o título “Como um rio caudaloso em ideias visíveis. A arquitetura e a história da praça Universitária – 1960 a 1980”, Juliana explica que as curvas da praça se assemelham ao curso de um rio caudaloso e foi a ideia usada por Waldemar Cordeiro. Para ela, pesquisar sobre a praça Universitária não se caracteriza apenas como uma realização profissional, mas também como a de uma cidadã que colabora com a memória e história de um espaço público tão importante na cidade de Goiânia.

Governo na palma da mão

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