Governo investe em crianças e adolescentes na prevenção às drogas
Lívia Amaral
No bairro em que mora a auxiliar administrativa Rosidene Rodrigues Cardoso, de 39 anos, é comum ver crianças envolvidas com o tráfico de drogas. Mãe de dois filhos, um de 12 e uma de 9 anos, sua preocupação permanente é impedir que suas crianças sigam esse caminho. Foi aí que o Programa Educacional Bombeiro Mirim (Proebom) começou a fazer parte de suas vidas. A ação desenvolvida pelo Corpo de Bombeiros é uma das várias iniciativas do Governo de Goiás de prevenção às drogas.
“Na rua de cima da minha casa tem boca de fumo. Lá tem crianças de 9 anos que já vendem drogas. Então pra mim é muito sofrido, é uma batalha. Não deixo meus filhos irem para a rua, fico vigiando eles… deixei até de viver para viver para eles”, comenta Rosidene. Ela conta que foi professora durante 15 anos e atuava nas proximidades da sua casa. “Muitos dos meus ex-alunos já morreram e os que estão vindo agora estão indo pelo mesmo caminho”, lastima.
Com o Proebom ela percebeu diferenças nos filhos. A transformação mais significativa foi no menino de 12 anos, que antes era considerado ‘difícil’. A mãe relata que M. era agressivo e indisciplinado, principalmente na escola. Ele também era mais distante, não aceitava o carinho da família. Não aceitava ordens, nem dos pais nem dos professores. Ao se tornar um bombeiro mirim ele mudou de comportamento. Agora aceita a ordens até mesmo de coleguinhas, obedece a normas e regras. “Ele se tornou um menino mais carinhoso. Não gostava de beijos, abraços. Agora já chega, abraça… Aceita ser abraçado”, explica a mãe.
Para Rodrigo (nome fictício), de 11 anos, o programa tem um significado especial. O menino tímido chegou ao Bombeiro Mirim depois que sua mãe foi denunciada ao Conselho Tutelar. Ela estaria deixando ele e seu irmão de seis anos sozinhos em casa por longas horas. Ele diz que a denúncia era mentirosa, mas lembra que cuidava do irmão mais novo no período em que não estava na escola, sem ninguém em casa. Na época tinha dificuldades em Matemática e Ciências. Também não tinha muitos amigos no colégio. No Proebom ele ganhou mais do que imaginava: fez amigos. “Aqui é mais fácil de fazer amigos porque aqui os amigos da gente já perguntam o nosso nome, na escola não”, comenta.
Também pelo programa ele recebeu informações e criou um laço de confiança com os professores para enfrentar a realidade que o cerca. Timidamente ele revela que já viu pessoas usando drogas. “Alguém próximo, até meu parente”, lembra. Rodrigo diz que ficava com medo porque essa pessoa mudava de comportamento e ficava grosseira. Nessas ocasiões esse usuário chegou a brigar com ele. Com as aulas aprendeu na teoria o lado ruim das drogas e se sentiu seguro para criar uma rede de confiança. “Confio nos professores, tenho confiança para pedir ajuda quando preciso e sei que eles podem ajudar”, comenta.
Prevenção às drogas e muito mais
Embora tenha disciplinas de prevenção às drogas, o Proebom é bem mais amplo. O curso pode ser oferecido em regime anual (até 720 horas/aula), semestral (até 400 horas/aulas) ou mensal/temporadas (100 horas/aula). Ele ocorre nas dependências das unidades operacionais do Corpo de Bombeiros e das unidades de assistência social pública ou privada, sendo coordenado por parte das unidades de bombeiros militar. Os bombeiros mirins têm aulas de Educação Física, Noções de Salvamentos, Noções de Primeiros Socorros, Estudo e Prática Bombeiro Militar – Ordem Unida, Noções de Teoria de Incêndio, Ética e Cidadania, Higiene Pessoal, Acompanhamento Pedagógico, Noções de Educação Ambiental, Noções de Educação no Trânsito, Prevenção e Combate ao uso de drogas, Noções de informática e Temas Transversais: Palestras, filmes, recreação e atividades culturais.
João (nome fictício), de 8 anos, ainda não tem idade suficiente para participar do Proebom. Diariamente ele vê os alunos do Programa fazendo Educação Física, interagindo e sonha em participar. “Eu acho o Bombeiro Mirim tão ‘bão’!”, afirma. O motivo, segundo ele, para querer fazer parte de um projeto é “porque você pode salvar as pessoas”. Esse imaginário que gira em torno da figura dos bombeiros também ajuda nesse processo de aprendizagem.
O presidente da Fundação Dom Pedro 2º e bombeiro, coronel Benjamim Martins, afirma que no imaginário popular, principalmente da criança, o bombeiro é uma figura de muita credibilidade. Isso facilita a aproximação com os alunos. Outro ponto importante, segundo Martins, é que um dos grandes problemas sociais é a falta de disciplina. Então quando esse indivíduo entra em um contexto militar ele percebe que a disciplina não é ruim.
O instrutor do programa, Alonso, argumenta que o Proebom foi um marco na Região Noroeste de Goiânia. “Porque ele vem atender realmente as necessidades do jovem e adolescente dessa região”, pontua. Em uma das áreas mais críticas do município e com altos índices de criminalidade, as crianças – a maioria em situação de vulnerabilidade – encontram oportunidades e esperança. Funcionando no Centro de Referência em Assistência Social (Cras), o programa atende crianças até que estejam quase com 16 anos e os encaminha para os programas de capacitação do Governo.
Um dos objetivos do Proebom é que os alunos se tornem multiplicadores. A família de Gustavo, de 13 anos, sabe bem o que é isso. Desde que entrou no programa ele não se cansa de mostrar o que aprendeu nas aulas. A tia do aluno foi uma das principais influenciadas pelo menino. Desde que aprendeu os prejuízos causados pelas drogas lícitas e ilícitas ele iniciou uma ‘campanha’ contra o tabaco. Durante algumas semanas insistindo com a tia para que parasse de fumar, ele finalmente teve sucesso. “Até mostrei a palestra no computador para ela”, recorda.
As drogas são ameaças cotidianas na vida do garoto. No bairro onde mora, no caminho da escola para casa, é comum ver pessoas usando entorpecentes. “Uma vez me ofereceram quando eu estava saindo da escola. Eu desconversei e fui embora”, expõe. Ele conta que nas aulas aprendeu que não pode ficar junto com os meninos que usam. Para se manter no programa Gustavo tem que ser exemplar. Não pode abaixar as notas. O resultado dessa condição são notas melhores.
Rafael, de 14 anos, também é Bombeiro Mirim. Ele avalia que poderia estar fazendo ‘coisas erradas’ caso não estivesse no programa. Antes ele tinha muito tempo ocioso. O garoto lembra de um amigo que sempre estudou com ele na escola. Agora o colega usa drogas, não vai mais às aulas e mudou de comportamento. “Já me ofereceram drogas, mas inventei uma desculpa e saí de lá. Sempre que vejo alguém usando eu saio de perto”, destaca.
“Na medida em que você orienta, você já chega antecipadamente com um alerta. Em dizer que realmente é um dano muito grande à saúde pública, um dano à vida. E que a vida das pessoas, principalmente do jovem, é muito mais importante que as drogas. E viver com qualidade é viver sem droga”, afirma Alonso.
Bombeiro Mirim
O Programa Educacional Bombeiro Mirim foi criado em 2004. Hoje são atendidos 1.261 alunos de sete a 16 anos em todo o Estado. A demanda é tão grande no Corpo de Bombeiros que apenas 20% dos inscritos conseguem uma vaga. O restante fica em uma fila de espera. O processo de seleção é por sorteio. O objetivo principal é contribuir para a formação das crianças e adolescentes utilizando como referência valores de cidadania e civismo, como: ética, respeito à pluralidade cultural, valorização e preservação do meio ambiente, compromisso com as ações básicas de saúde, oriental sexual e inserção do aluno no mundo globalizado de forma consciente e crítico-transformador.
Em relação à prevenção às drogas, o Bombeiro Mirim tem colhido bons frutos. Ele é um programa social voltado para o fortalecimento da cidadania e civismo das crianças e adolescentes, dando-lhes a oportunidade de visão crítica e consciente da sociedade, além de voz ativa em seu meio, bem como a integração da corporação com a comunidade em geral. Desta forma os alunos, tornam-se multiplicadores da ideia de segurança e convivência social, afastando-se dos meios violentos da sociedade e do convívio com as drogas.
Mais prevenção
As ações de prevenção às drogas em Goiás não se restringem ao Corpo de Bombeiros. Para isso foi criado o Grupo Executivo de Enfrentamento às Drogas (Geed), composto por nove órgãos do governo: as secretarias de Segurança Pública, Saúde, Educação, Cultura, Cidadania e Segplan, a Agel, Fapeg e Casa Civil. Cada instituição age de sua maneira, mas integrada com as demais, para combater as drogas e seus efeitos em território goiano. A Secretaria de Educação investe na prevenção capacitando seus educadores e incluindo a drogadição no conteúdo programático (acesse aqui as ações).
A Polícia Militar, além de suas ações de repressão, tem investido no Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd). Por meio do Batalhão Escolar a polícia vai às escolas ministrar aulas sobre prevenção às drogas. Hoje há 15 instrutores com a missão de conscientizar crianças e adolescentes sobre os riscos do uso de entorpecentes. Essas aulas ocorrem na própria escola, seja ela particular, pública ou conveniada.
No primeiro semestre de 2013, o Programa atendeu somente no Batalhão Escolar 10.289 alunos. Nesse segundo semestre o Proerd está alcançando 7.872 alunos. Ao longo de sua história, em todo o Estado, mais de 167 municípios goianos receberam o Programa, chegando à marca de 580 mil atendimentos. O objetivo é atingir todas as cidades goianas.
Uma das instrutoras do programa, sargento Daniele Silva Feitosa, conta que no início os alunos ficam receosos. Porque, segundo ela, parte das pessoas ainda tem medo da polícia. Com o tempo eles ganham confiança. O resultado dessa convivência são adolescentes e crianças mais informados e conscientizados, e policiais com mais experiência de vida a partir dos relatos dos alunos.
O soldado Fabiano, que é instrutor há dois anos, afirma que grande parte desses estudantes vive em situação de risco. Dentro da própria casa tem pais usuários de drogas ou residem em locais próximos de pontos de venda de drogas. “Alguns alunos com 12 anos dizem que tem pessoas que usam e a gente dialoga sobre isso”, afirma.
Os resultados do projeto são perceptíveis. “Certa vez depois da aula um aluno me procurou. A gente estava falando sobre como agir de forma confiante em uma situação real, de oferta de drogas. Porque o adolescente começa a experimentar droga por curiosidade ou influência de grupos de amigos. Então esse aluno meu me procurou, me agradecendo pela aula porque tinha sido muito importante para a vida dele. Eu perguntei porque e ele disse: na semana passada, depois que você deu aquela aula de como agir de forma confiante, eu passei por uma situação semelhante. Eu saí da minha casa, minha mãe havia pedido para eu ir a um mercado próximo, e um grupo de amigos estava fazendo uso de drogas. Na hora que eles me ofereceram eu lembrei e pude exercer essa habilidade desenvolvida nas aulas. Isso foi muito importante para ele e muito emocionante para mim, como professor do Proerd”, relata.