Estudo avalia situação epidemiológica da Febre Maculosa Brasileira em Goiânia

 Letícia Santana, da Assessoria de Comunicação da Fapeg

Pesquisadores coletando amostra de sangue de capivaras
Foto: Arquivo Pessoal

A Febre Maculosa Brasileira (FMB) é uma doença causada por uma bactéria, denominada Rickettsia rickettsii, e é transmitida pela picada do carrapato Amblyomma sculptum (popularmente conhecido como carrapato estrela). No Brasil, de 2007 a 2021, 2601 casos foram confirmados da doença e 848 evoluíram para óbito, segundo informações do Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde. Em Goiás, foram notificados 16 casos confirmados desde 2007, sem registro de mortes.

Pesquisadora identificando carrapatos Foto: Arquivo Pessoal

Com dados epidemiológicos ainda incipientes sobre a doença em Goiás, o pesquisador doutor Felipe da Silva Krawczak, da Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ) da Universidade Federal de Goiás (UFG), também consultor do Ministério da Saúde (MS), juntamente com a sua equipe do Laboratório de Doenças Parasitárias (LADOPAR -UFG),  deu início a um estudo para avaliar a possível circulação de riquétsias (bactérias) em carrapatos coletados do ambiente, de cães, equinos e capivaras, animais hospedeiros desses carrapatos, além da pesquisa de anticorpos contra riquétsias do grupo da febre maculosa (GFM) nos soros desses animais. A pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), por meio da Chamada Pública 05/2020 – 7ª edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS).

“No estado de Goiás e em Goiânia já foram confirmados casos de Febre Maculosa em seres humanos nos últimos anos e sabe-se pouco sobre essa doença. Não se tinham estudos robustos sobre o vetor, hospedeiros selvagens e infecção pelas riquétsias nos carrapatos”, explica o pesquisador. Felipe informou que, em parceria com as secretarias municipal e estadual de Saúde de Goiás, a equipe realizou coletas em locais, considerados por esses órgãos, como áreas sob vigilância epidemiológica: proximidades da barragem do João Leite e na Escola de Agronomia da UFG.

Entenda a doença

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Causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, a FMB é transmitida pela picada do carrapato da espécie Amblyomma sculptum (carrapato estrela)A ocorrência da doença é mais comum em locais onde há pessoas que vivem ou frequentam áreas rurais e/ou locais infestados por carrapatos, que podem estar infectados pela bactéria R. rickettsii, mantidos principalmente pelas capivaras e equinos. Para a bactéria ser transmitida, o carrapato infectado precisa ficar pelo menos quatro horas fixado na pele do indivíduo. Segundo o Ministério da Saúde, as larvas (micuim) e principalmente as ninfas são os estágios de vida do ciclo do carrapato mais agressivos para o ser humano. Tanto as ninfas como os adultos (fase de vida do carrapato conhecido como rodoleiro) da espécie de carrapato A. sculptum são capazes de se deslocar com relativa velocidade por mais de um metro em busca de hospedeiro. O movimento do carrapato, nesse caso, é direcionado pela presença do hospedeiro, em especial pelo CO2 expelido com a respiração. Assim, em alguns minutos os carrapatos chegam ao hospedeiro.

Por isso, como forma de prevenção é importante que as pessoas, ao entrarem em locais de mato, estejam de calça e camisa compridas e claras e, preferencialmente, de botas (Confira mais no quadro ao lado). “A Febre Maculosa Brasileira é uma das doenças infecciosas mais letais do mundo”, afirma o pesquisador Felipe Krawczak. Por ter os sintomas muito semelhantes aos de outras doenças como mal-estar, febre, dor de cabeça, entre outros, pode ser confundida com doenças virais, por exemplo. Daí a importância de a pessoa informar ao médico se frequentou lugares como chácaras ou ambientes de mata com a presença de equinos e capivaras, no geral, e se observou carrapatos fixados pelo corpo.

Como o diagnóstico da FMB pode ser tardio em virtude de ser confundida com outras doenças, há o risco de a doença evoluir. Em determinados casos, pode ser necessária a internação do paciente. A falta ou demora no tratamento da Febre Maculosa Brasileira pode agravar o caso, podendo levar ao óbito. Segundo o Ministério da Saúde, o tratamento é realizado com antibiótico específico e deve ser iniciado no momento da suspeita da doença.

Resultados da pesquisa

Extração do DNA de carrapatos no laboratório
Foto: Arquivo Pessoal

Coordenada pelo professor Felipe Krawczak, a equipe do LADOPAR/EVZ/UFG coletou carrapatos da vegetação e de cães, equinos e capivaras oriundos de áreas de vigilância epidemiológica e realizou a pesquisa molecular de riquétsias (bactérias), além da pesquisa sorológica de anticorpos contra riquétsias do Grupo Febre Maculosa. Com base nos resultados das análises sorológicas, foi possível evidenciar a circulação dessas riquétsias, destacando a importância de aprofundar os estudos acerca da doença na região e de intensificar as medidas de vigilância, sobretudo em áreas onde há capivaras que podem atuar como hospedeiro amplificador da bactéria. “Os cães, equinos e capivaras servem como sentinelas da circulação dessa bactéria em carrapatos”, explica o pesquisador.

Ele informa que “até o momento, a bactéria altamente letal, Rickettsia rickettsii, não foi detectada no estado de Goiás. No estudo, nós não encontramos o DNA da Rickettsia rickettsii nos carrapatos e nem de Rickettsias pertencentes ao grupo da febre maculosa. Encontramos apenas a Rickettsia bellii nos carrapatos e os anticorpos delas nos animais [em Goiânia], mas essa Rickettsia não causa a febre maculosa. Alguns animais, no entanto, apresentaram anticorpos para Rickettsias do grupo da febre maculosa”, explicou o pesquisador.

Ainda, segundo Felipe, todos os dados obtidos durante o estudo são encaminhados à Secretaria Estadual de Saúde de Goiás e Secretaria Municipal de Saúde da capital para a tomada de decisões, além de publicações científicas. “Repassamos as informações para as autoridades terem conhecimento se tem risco para o ser humano ou não; se esses carrapatos estão infectados ou não e se são carrapatos que picam o ser humano ou não”, diz.

O pesquisador afirma que o fomento da Fapeg, por meio do PPSUS, teve grande relevância. “Jamais conseguiríamos desenvolver um experimento com análise sorológica (detecção de anticorpos anti-riquétsias), extração de DNA de carrapatos e PCR, que são técnicas com elevado custo, sem um apoio financeiro. O fomento da Fapeg foi crucial, e sem ele não seria possível o desenvolvimento do estudo”. O projeto foi contemplado com recursos de, aproximadamente, R$ 70 mil, na última edição do PPSUS.

O objetivo dessa chamada pública é apoiar financeiramente projetos de pesquisa que promovam a melhoria da qualidade da atenção à saúde no Estado de Goiás representando significativa contribuição para o desenvolvimento da Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde (CT&IS), no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). É realizada em parceria com o Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (Decit/SCTIE) do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Secretaria de Estado da Saúde (SES).

Com base nos resultados das pesquisas realizadas pela equipe LADOPAR já foram publicados três artigos científicos em revistas internacionais renomadas e mais um está em análise. O primeiro, na revista Experimental and Applied Acarology (Fator de Impacto: 2.380), tratou sobre a dinâmica sazonal do carrapato A. sculptum para o estado de Goiás, revelando como ele se comporta.  O segundo artigo foi publicado na Parasites and Vectors (Fator de Impacto: 4.047). O grupo de trabalho fez uma revisão da dinâmica dessa espécie de carrapato envolvendo todos os estudos que já se tem publicações na América do Sul. O terceiro, publicado na Animals (Fator de Impacto: 3.231), trata sobre a descoberta de uma nova espécie de Babesia sp. (protozoário) em capivaras para o mundo.

Equipe em campo para coletar capivaras, sob a coordenação do pesquisador doutor Felipe Krawczak
Foto: Arquivo Pessoal

Segundo o Felipe, mais um artigo já está em submissão para avaliação em revista internacional. Ele explica que foi feita uma análise molecular de DNA de Rickettsia detectado em carrapato do gênero Amblyomma, e posteriormente submetido ao sequenciamento de DNA para detecção da espécie. “Esses dados reforçam a necessidade da continuidade das pesquisas e da vigilância para FMB no estado de Goiás”, fiz Felipe. O estudo contemplado pelo PPSUS, fomentado pela Fapeg, será finalizado em abril.

Governo na palma da mão

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