Estratégia para investigação genética e intervenção precoce em indivíduos com autismo é tema de pesquisa
Letícia Santana, da Assessoria de Comunicação da Fapeg
Com o fomento da Fapeg, por meio do PPSUS, estudo de geneticista tem o objetivo de auxiliar no tratamento adequado para o paciente com Transtorno do Espectro Autista e orientar as famílias para melhora da qualidade de vida
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é um grande desafio para os (as) pesquisadores (as) de todo o mundo, que buscam compreender o que torna uma pessoa mais propensa a apresentar essa condição neurológica, que compromete a interação social, a fala e/ou o comportamento do indivíduo em diversos níveis. Já se tem conhecimento que existem múltiplas causas para o autismo, entre elas, genética e ambiente, mas entender o cérebro de pessoas com TEA ainda é um mistério para a ciência.
Em Goiás, na área da genética, a professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e geneticista na Secretaria Estadual de Saúde, doutora Thaís Cidália, desde 2015 tem se dedicado a compreender as causas genéticas do autismo. Segundo informações do seu e-book “Diagnóstico, Mapeamento Genético e Terapias Personalizadas”, há uma quantidade de pesquisas recentes publicadas em revistas de grande impacto científico que reforçam a contribuição genética na casuística do autismo. Segundo Thaís, em 2010 foi revelado pela primeira vez o peso do fator genético no TEA, com a comprovação de que o distúrbio é altamente herdável. Por outro lado, o estudo esclareceu que o transtorno não está ligado a apenas um único gene, mas seria o resultado de variações genéticas em múltiplos genes.
Ainda segundo a professora, há cerca de 1000 genes descritos que estão relacionados ao desenvolvimento do TEA, cerca de 100 deles mais importantes. Mas ela ressalta que esses genes têm uma forte interação com fatores ambientais para o surgimento do autismo. “Recentemente, com o uso de tecnologias genômicas, pesquisas com amostras genéticas de indivíduos autistas permitiram identificar regiões cromossômicas e genes específicos envolvidos com várias características clínicas e comprometimentos típicos do autismo. No entanto, apesar de ser um transtorno com forte contribuição genética, o autismo reflete uma condição multifatorial com uma heterogeneidade fenotípica, envolvendo múltiplos genes e fatores ambientais para o seu desenvolvimento. Por estas razões, é um desafio para a ciência e para a medicina encontrar os genes e respectivas variantes genéticas de relevância clínica associadas ao TEA, para melhor compreensão de cada caso nas suas especificidades, pois cada indivíduo é clinicamente único”, explica Thaís.
Números
Abril é o mês de Conscientização do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo estatísticas divulgadas pelo órgão de saúde Centers for Disease Control and Prevention (CDC), no último março, 1 em cada 36 crianças de 8 anos são autistas nos Estados Unidos, o que significa 2,8% daquela população. O número desse estudo com mais de 226 mil crianças, é 22% maior que o anterior, divulgado em dezembro de 2021 — que foi de 1 em 44 (com dados de 2018).
PPSUS
O estudo sobre a influência da genética no diagnóstico do autismo fez parte da pesquisa que a professora Thaís Cidália realizou entre 2018 e 2021, e contou com o fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), por meio da Chamada Pública nº 04/17 – Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde ‒ FAPEG/SES-GO/CNPq/MS-DECIT/2017 – PPSUS/GO (PPSUS). A pesquisadora realizou os estudos no Laboratório de Citogenética Humana e Genética Molecular (Lagene) da Secretaria Estadual da Saúde, que funciona no Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), em Goiânia.
Thaís explica que o objetivo desse projeto aprovado foi para obter mais informações sobre a influência da genética no autismo e oferecer mais suporte no aconselhamento genético para as famílias com crianças autistas atendidas pelo SUS. Foram acolhidas 33 famílias durante o projeto, que receberam orientações e esclarecimentos sobre o TEA. “Como resultados dessa pesquisa, identificamos variantes genéticas importantes, algumas com recorrência em uma mesma família estando presente em mais de uma criança autista, demonstrando que o fator genético tem uma forte contribuição na etiologia do autismo. Nossa pesquisa também permitiu associá-las com as manifestações clínicas, auxiliando na intervenção precoce”, explica a pesquisadora.
Para ela, o projeto contribuiu muito com o Sistema Único de Saúde (SUS), ao atender as famílias no ambulatório de aconselhamento genético, ao realizar exames de alto custo e ao encaminhar os pacientes para profissionais especializados. Durante o Aconselhamento Genético, as famílias com filhos (as) autistas esclarecem dúvidas, recebem um direcionamento de tratamentos e melhora da qualidade de vida de toda família. Também obtêm mais informações como por exemplo, da avaliação de risco de recorrência de outros casos de TEA na família. Segundo a professora, “pesquisas confirmam que o risco de se ter um segundo filho autista é maior”.
Ainda como resultados da pesquisa, foram publicados dois artigos, um e-book e uma cartilha. Estão em produção novos artigos com mais resultados. Em um deles relata o caso de uma variante rara detectada.
Exames clínicos e genéticos
Apesar de os estudos científicos evidenciarem que no autismo a herdabilidade é estimada entre 70% a 90%, o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é baseado em exame clínico, realizado por neuropediatras ou psiquiatras, seguindo as considerações da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Thaís explica que a investigação genética pode ser um complemento quando já foi confirmado o TEA por meio do exame clínico. “Mas a investigação genética também pode ser feita mesmo sem ter fechado o diagnóstico do indivíduo com TEA. Quando no exame revela uma alteração em genes associados a sinais clínicos, que estão nos critérios do Espectro do Autismo, é uma informação adicional para fechar diagnósticos mais complicados”.
Ela ressalta a importância da investigação genética também em casos, por exemplo, em que uma criança já foi diagnosticada com TEA e segue para a avaliação genética e detecta que há uma variação genética com risco para comorbidades, como epilepsia ou esquizofrenia, por exemplo. “Pode ser feita uma estratégia de tratamento multiprofissional, que trabalha de forma preventiva para que aquele prognóstico de evolução para uma comorbidade não aconteça. A gente tem um equilíbrio do quadro ou até uma regressão quando consegue identificar alteração genética e tem uma estratégia mais assertiva”, ressalta. Ou seja, a investigação genética pode mostrar outros diagnósticos ainda ocultos ou síndromes relacionadas.
Contribuição com banco de dados sobre TEA
O projeto aprovado no PPSUS, intitulado “Estratégias para Investigação Genética e Intervenção Precoce na Qualificação da Atenção à Saúde de Indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) pelo Sistema Público de Saúde em Goiás”, recebeu o fomento de R$50 mil pela Fapeg. Os recursos foram utilizados na compra de insumos para a realização dos testes genéticos de alta resolução e equipamento para acessar bancos de dados internacionais.
“Esses bancos compartilham informações sobre as alterações genéticas com pesquisadores do mundo inteiro. Hoje, devido a nossa experiência, também participamos como colaboradores, alimentando um banco de dados internacional com nossos resultados da rotina implementada no Lagene da Secretaria Estadual da Saúde de Goiás”, diz Thaís.
Segundo a pesquisadora, mesmo após finalizar o projeto aprovado no PPSUS, a intenção é continuar a pesquisa em busca das variantes mais comuns, das mais raras e os casos associados a síndromes genéticas.
Exames genéticos
A pesquisadora explica que existem alguns tipos de exames genéticos importantes e que trazem informações valiosas, como por exemplo, o cariótipo, exame do X-Fragil, CGH-array sequenciamento genético de exoma ou de genoma total. “Mas para cada caso, um desses exames pode ser mais informativo. Por isso é tão importante fazer o aconselhamento genético pré-teste e pós-teste”.
Ela explica que esses exames permitem detectar alterações diferentes, desde alterações no número ou estrutura de cromossomos, microdeleções, assim como mutações pontuais. “Após a detecção da alteração, podemos inferir sobre os sinais clínicos e possível evolução do quadro, auxiliando no direcionamento das terapias com estratégias mais individualizadas para cada caso”, afirma.
A professora enfatiza que a avaliação genética ajuda na investigação da causa do autismo, nos esclarecimentos sobre a evolução do caso e as melhores terapias, conforme a particularidade de cada autista. Ela acrescenta também a importância de as famílias contarem com um olhar multiprofissional, pois é necessário um trabalho em equipe. “Isso pode trazer muitos ganhos para o autista e toda a família”, finaliza.