Especial PPSUS: Pesquisa analisa as novas institucionalidades para racionalizar a judicialização da saúde
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Social da Fapeg
Um projeto de pesquisa coordenado pela professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mércia Pandolfo Provin, analisou as novas institucionalidades criadas para racionalizar o fenômeno da judicialização da saúde em Goiânia. A pesquisa aborda questões relacionadas ao enfrentamento dos gestores da saúde e dos juristas frente às distorções provocadas pela judicialização, bem como suas implicações para Gestão do SUS e para sociedade. Ela acredita que o processo de cooperação entre as instâncias judiciárias e a gestão pública em saúde em decorrência da criação e implantação das novas institucionalidades são importantes na garantia do direito à saúde dos usuários do Sistema Único de Saúde SUS.
Apesar do acesso aos bens e serviços de saúde no Brasil ser uma garantia constitucional, inúmeros cidadãos têm buscado a Justiça para solicitar medicamentos disponibilizados ou não pelo Sistema Único de Saúde como última alternativa para obtenção do remédio ou tratamento não autorizado pelo SUS, seja por falta de previsão na Relação Nacional de Medicamentos (Rename), seja por questões orçamentárias. “Esse fenômeno vem sendo chamado de judicialização da saúde, e tem gerado alguns desafios à gestão do SUS, como a elevação dos gastos públicos”, explica Mércia Provin.
Além disso, ela entende que a judicialização traz inúmeras distorções relacionadas às políticas públicas (fornecimento de medicamentos fora das listas oficiais) e sociais (iniquidades no acesso, favorecendo os indivíduos que têm acesso ao sistema de Justiça).
Novas institucionalidades
Ela explica que, para lidar com estes desafios, observa-se uma aproximação entre o Poder Executivo (gestores do SUS nas esferas municipal e estadual) e do Poder Judiciário como forma de racionalizar as demandas judiciais de medicamentos no Estado de Goiás e minimizar os impactos da judicialização da saúde e também para tentar evitá-la. “Estas esferas do Poder têm criado novas institucionalidades, que podem ser estratégias e/ou mecanismos extrajudiciais de mediação, a fim de promover o diálogo interinstitucional e a resolução dos conflitos de acesso a medicamentos”, argumenta.
Os dados do estudo foram coletados por meio de pesquisa documental e de entrevistas com os atores-chave da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, Ministério Público do Estado de Goiás e Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, instituições envolvidas na criação e implantação das novas institucionalidades.
Foram analisados 969 processos com solicitação de medicamentos, sendo 511 judiciais e 458 administrativos. Os processos judiciais com solicitação de medicamentos deferidos e atendidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, no período de 2003 a 2015, e processos administrativos, deferidos no período de 2010 a 2015. Foram avaliadas características as sociodemográficas dos usuários, as enfermidades, as características dos medicamentos, o custo total dos processos e origem da prescrição na abertura do processo (público ou privado).
Dados da pesquisa
Considerando o perfil dos requerentes dos processos judiciais, 292 (57,1%) eram do sexo masculino e 219 (42,9%) do sexo feminino, enquanto que nos processos administrativos eram 243 (53,1%) e 215 (46,9%), respectivamente.
A mediana da idade dos requerentes foi de 43,0 (20,0-64,0) anos nos processos judiciais e de 52,0 (26,0-64,3) anos nos administrativos. A mediana da renda foi de 6,4 (4,2-9,3) salários mínimos nos processos judiciais e de 5,3 (3,6-7,0) salários nos administrativos.
Em relação ao custo total do processo, a mediana foi de R$ 406,2 (143,9-1198,6) nos processos judiciais e de R$ 863,1 (167,9-2810,3) nos administrativos. Em relação à origem da prescrição presente nos processos judiciais, 77 (28,2%) eram provenientes do sistema público e 196 (71,8%) do sistema privado, enquanto que nos processos administrativos eram de 245 (64,0%) e 138 (36,0%), respectivamente.
Resultados
Em Goiás, identificou-se sete institucionalidades, sendo quatro criadas pelo Executivo e três pelo Judiciário e dentre elas estão os departamentos, comissões, câmaras técnicas e termos de cooperação técnica. Segundo a pesquisa, estas institucionalidades solucionaram alguns problemas na gestão da assistência farmacêutica, ofereceram assessoria técnica ao Judiciário para análise das demandas judiciais e promoveram o diálogo e a aproximação entre as instituições envolvidas no processo. Houve consenso de que auxiliaram na garantia do acesso integral à saúde, reduziram o número de demandas judiciais por medicamentos propostas pelo Judiciário ao priorizar a resolução dos conflitos de acesso a medicamentos de forma administrativa.
“Os resultados do estudo revelam que a resolução dos conflitos de acesso a medicamentos de forma administrativa também aumenta os gastos do poder público com a aquisição dos medicamentos requeridos, e pela necessidade de estabelecimento de novos fluxos operacionais. Desta forma, são necessários novos esforços, através do diálogo e do reconhecimento das posições legítimas e dos interesses dos diferentes interlocutores envolvidos, para aprimorar o acesso e a cobertura universal no âmbito do SUS”, conclui a coordenadora da pesquisa.
Pesquisa pode ajudar gestores na redução de custos da judicialização
Mércia Provin espera que “os resultados do estudo auxiliem nas tomadas de decisões de gestores e operadores de direito e reduza as distorções causadas pela judicialização, e que a sociedade seja beneficiada com a garantia de acesso aos bens e serviços da saúde.
Os resultados da pesquisa já foram apresentados em alguns congressos. Segundo a professora, “no último evento constatamos uma preocupação de gestores e juristas com a redução da judicialização da saúde e da minimização de seus efeitos colaterais. No entanto, com a aprovação da PEC que congelou os gastos públicos da área da saúde por 20 anos, juristas e profissionais da saúde acreditam que a judicialiazação crescerá exponencialmente nos próximos anos, haja visto que o direito à saúde ainda é garantido pela Constituição”.
Mércia Pandolfo Provin possui graduação em Farmácia e Bioquímica pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1989), mestrado em Genética e Bioquímica pela Universidade Federal de Uberlândia (2003) e doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás (2011). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de Goiás, membro efetivo do mestrado Profissional em Saúde Coletiva – UFG. Tem experiência na área de Farmácia, com ênfase em Assistência Farmacêutica tanto na área assistencial quanto no ensino. Principais temas trabalhados: direito a saúde, assistência e atenção farmacêutica.
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