Dia Mundial da Água: Fapeg investe cerca de R$ 34 milhões em projetos para recuperação, preservação e sustentabilidade do ecossistema aquático do Cerrado
Os projetos são um esforço conjunto que une ciência e comunidade em um compromisso em defesa da sustentabilidade do planeta
O dia 22 de março, Dia Mundial da Água, coloca em discussão e alerta a necessidade vital de ações de preservação desse recurso natural seriamente ameaçado em todo o planeta. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) dá um passo histórico nesta direção ao investir aproximadamente R$ 34 milhões em três grandes projetos estratégicos para a manutenção do ecossistema aquático em Goiás: o Araguaia Vivo 2030 (com investimento de cerca de R$ 16 milhões), o Centro de Excelência em Segurança Hídrica do Cerrado (Cehidra Cerrado), com investimento de R$ 15 milhões e a Rede de Pesquisa em Segurança Hídrica e Sociobiodiversidade para o Desenvolvimento Sustentável do Cerrado (Rede HidroCerrado), esta última em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), recursos da ordem de R$3,7 milhões das duas agências. Vez ou outra, pesquisadores dos três programas vão atuar em parceria em iniciativas afins.
Financiado pela Fapeg, o Programa Araguaia Vivo 2030 é executado pela Aliança Tropical de Pesquisa da Água – Tropical Water Research Alliance (TWRA), uma organização científica sem fins lucrativos, e tem na coordenação-geral a bióloga, professora e doutora Mariana Pires de Campos Telles (da Pontifícia Universidade Católica -PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás – UFG) e na vice coordenação-geral, o biólogo, doutor Ludgero Cardoso Galli Vieira (Universidade de Brasília – UnB). O Programa consiste em 11 atividades interligadas, abrangendo pesquisa, educação ambiental, inovação tecnológica e conservação. Essas atividades visam fornecer informações para uma melhor gestão e conservação dos recursos naturais, incluindo água e florestas, promovendo o desenvolvimento sustentável na região.
“Sem a visão inovadora e estratégica da Fapeg, manteríamos o padrão de financiamento insuficiente, com pequenos grupos de pesquisa desconectados, cujos projetos apresentavam limitações significativas em seus impactos e frequentemente se tornavam rapidamente desatualizados”, destaca Ludgero. O programa, na visão do professor, representa um avanço nunca antes visto na conservação do rio Araguaia. O Araguaia Vivo conta com a participação de mais de 200 pesquisadores, entre efetivos e voluntários. Os trabalhos tiveram início em julho de 2023 e, nesse primeiro ciclo, serão concluídos em julho de 2026.
Com uma extensão aproximada de 380.000 km², a bacia hidrográfica do rio Araguaia é verdadeiramente vasta. Para se ter uma ideia, é maior que a Alemanha e ocuparia o sétimo lugar entre os países europeus em termos de área. Esta bacia integra os dois maiores biomas do Brasil, Cerrado e Amazônia, e dependendo da espécie, como a onça-pintada, pode se conectar com o Pantanal, formando um dos maiores corredores ecológicos do mundo, explica Ludgero. O professor destaca ainda que, a bacia hidrográfica do Araguaia oferece enorme potencial para impulsionar o crescimento econômico brasileiro. “Diante de tais características, a conservação da região é um desafio considerável, exigindo o envolvimento de uma variedade de atores. Será necessário contar com equipes bem coordenadas e grupos multidisciplinares aptos a enfrentar as múltiplas demandas em benefício da bacia do Araguaia”.
A professora Mariana Telles destaca a importância de celebrar o Dia da Água para mostrar a importância “do nosso bem maior para a continuidade da vida na terra, particularmente do Cerrado, que é considerado o berço das águas, ou a caixa d’água do Brasil no sentido de ser um reservatório importante para a preservação da dinâmica natural da água no cerrado e dos outros biomas a ele conectados, possibilitando a vida das pessoas que habitam nesses territórios”.
Cehidra Cerrado
O Centro de Excelência em Segurança Hídrica do Cerrado (Cehidra Cerrado), com sede no Câmpus Central da Universidade Estadual de Goiás (UEG), em Anápolis, foi lançado em novembro de 2024. Conta com um investimento de R$ 15 milhões da Fapeg, que será aplicado ao longo de cinco anos, visando impulsionar pesquisas e inovações para a gestão hídrica sustentável no Cerrado. Atuará em frentes como monitoramento da quantidade e qualidade da água, educação para a segurança hídrica e apoio estratégico para políticas públicas. Entre as questões que o centro buscará responder estão a disponibilidade de água para o consumo humano, a agricultura e a indústria, além de formas de recuperar ecossistemas aquáticos degradados e adaptar os municípios do Cerrado às mudanças climáticas.

O Cehidra Cerrado nasceu como unidade avançada de pesquisa com o objetivo de desenvolver tecnologias e serviços focados na preservação em segurança hídrica. A estrutura do centro inclui uma rede de instituições e pesquisadores locais, nacionais e internacionais, com núcleos operacionais distribuídos em diversas cidades goianas, como São Miguel do Araguaia, Porangatu, Iporá e Quirinópolis. Essa rede permitirá que o centro atue de forma integrada, promovendo soluções e inovações que beneficiem diretamente a sociedade e o meio ambiente do Cerrado.
A UEG também é referência nacional na área de segurança hídrica, sendo uma das três instituições no Brasil a contar com o sistema de mesocosmos, que permite a simulação de ecossistemas em ambiente controlado. “Essa parceria vai beneficiar toda a população, impactando diretamente nas torneiras de todas as casas. Precisamos monitorar e acompanhar o que acontece com nossos recursos hídricos”, destacou Cláudio Stacheira, pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UEG.
Rede HidroCerrado
Financiado pela Fapeg e Capes, o projeto está estruturando uma rede de pesquisa interdisciplinar entre programas de pós-graduação nas áreas de Ciências Ambientais, Biodiversidade e Biotecnologia, com ações de internacionalização e interiorização para ampliação de estudos sobre bacias hidrográficas do Cerrado. Além do fortalecimento dos cursos de pós-graduação, o projeto propõe identificar poluentes ao longo dos rios do Cerrado, desenvolver processos sustentáveis de despoluição da água e metodologias inovadoras de monitoramento da qualidade da água. As pesquisas serão realizadas na bacia do rio Meia Ponte, uma vez que estudos prévios dos pesquisadores da Rede apontam contaminação desde a nascente até a foz; e na bacia Araguaia-Tocantins, com perspectivas de ações mitigadoras e de educação ambiental nos municípios.

A coordenadora da Rede, a professora Samantha Salomão Caramori, do curso de pós-graduação Recursos Naturais do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (UEG), explica que serão monitorados poluentes emergentes em rios do Cerrado e apresentadas soluções baseadas na natureza para auxílio na resolução de problemas ambientais. A rede é interdisciplinar e conta com a participação de pesquisadores dos programas de pós-graduação (PPGs) da Universidade Evangélica de Goiás (UniEvangélica) – Anápolis; da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás); do Instituto Federal de Goiás (IFG); da Universidade Católica Dom Bosco (MS); da Universidade Federal da Grande Dourados (MS); e da Universidade de Brasília (UnB). Os trabalhos foram iniciados neste mês de março com previsão de conclusão no primeiro semestre de 2029.
Para a coordenadora da Rede, a colaboração entre instituições de pesquisa no Centro-Oeste brasileiro fortalece a capacidade científica da região, além de contribuir para o avanço de estudos relacionados ao cumprimento de metas presentes nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável previstos na Agenda 2030 da ONU. “Ao compartilhar experiências, recursos e conhecimentos, as instituições podem abordar de maneira mais eficaz os problemas locais, identificando soluções inovadoras e sustentáveis, além de fazer melhor uso dos recursos aplicados pelas agências de fomento. A aproximação entre as Instituições de Ensino Superior envolvidas, por meio de seus programas de pós-graduação, contribuirá para a diminuição de assimetrias na formação discente, elevando assim a qualidade na formação de recursos humanos e intensificando as produções científicas de resultados de pesquisas realizadas nos laboratórios”, destaca.
Araguaia Vivo 2030
O programa conta com o apoio de 23 instituições de pesquisa, públicas e privadas, distribuídas no território nacional. A coordenação é composta por docentes e pesquisadores de nove instituições de ensino superior de Goiás e do Brasil, incluindo biólogo, engenheiro ambiental, cientista natural, geógrafo, engenheiro de pesca, engenheiro civil, engenheiro agrônomo, cientistas da computação, tecnólogo em geoprocessamento, geógrafo, economista e turismólogo. Outros parceiros que estão contribuindo de forma efetiva com o projeto, são o Instituto Onça Pintada, PesqueJá, Circuito Gigantes do Araguaia, Projeto Peixara e PPBio Araguaia.
Nestes um ano e meio do projeto Araguaia Vivo, Mariana Telles afirma que excelentes resultados foram alcançados e que vão colaborar para elaboração de políticas públicas e para o preenchimento de lacunas de conhecimento para a região, incluindo a descrição de uma nova espécie de planta, batizada cientificamente como Copaifera araguaiensis, encontrada na região de Aruanã. Novas espécies de aves encontradas estão em processo de descrição.
Redução da vazão da água
Com base em 21 estações hidrológicas da Agência Nacional de Águas (ANA), os pesquisadores obtiveram informações de vazão hídrica dos últimos 40 anos (1980-2020) na bacia hidrográfica do rio Araguaia. Os números apontam que cada divisão da bacia do rio (Alto, Médio e Baixo Araguaia) assim como toda a bacia apresentou uma redução de vazão hídrica significativa nesse período de tempo. As estações estão localizadas tanto no canal principal do rio Araguaia quanto em afluentes e abrangem toda a bacia hidrográfica.
Os principais resultados deste estudo de vazão hídrica foram: 1- dentre as 21 estações hidrológicas, 18 apresentaram reduções significativas na vazão hídrica; 2 – ao comparar cada mês isoladamente ao longo dos 40 anos (apenas janeiro, apenas fevereiro, apenas março…), todos os 12 meses do ano apresentaram reduções significativas de vazão de água, mas com um destaque para os meses mais secos do ano (agosto, setembro e outubro) que, proporcionalmente, perderam ainda mais vazão hídrica.
Os estudos apontaram ainda que a superfície de água (lâmina de água) foram concordantes aos de vazão hídrica. “Toda a bacia hidrográfica e suas subdivisões analisadas apresentaram significativas, e elevadas, reduções de superfície hídrica”. Ele aponta uma correlação significativa entre a redução da superfície hídrica com o aumento do desmatamento, da agricultura e pecuária e da quantidade de área irrigada na bacia hidrográfica do rio Araguaia.
Os pesquisadores também têm avaliado o estado de saúde hídrica do médio Araguaia por meio do índice TWHI (Tropical Water Health Index). Os resultados demostram um gradiente de saúde hídrica, com valores ruins mais ao sul (entre Aruanã e Luís Alves do Araguaia) e melhores ao norte (Ilha do Bananal). Um outro resultado destacado é a quantificação de mercúrio (Hg) em peixes. “Determinamos as concentrações de mercúrio em 1604 indivíduos de 50 espécies de peixes que ocorrem na bacia hidrográfica do rio Araguaia. Destes, 78 indivíduos apresentaram concentrações acima dos limites de segurança estabelecidos pela Anvisa, incluindo as seguintes espécies: mandubé ( Ageneiosus brevifilis ), sardinha-gato ( Agoniates halecinus ), apapá ( Pellona castelnaeana ), piranha ( Pygocentrus nattereri e Serrasalmus sp .), avoador ( Anodus sp .) e sardinha ( Triportheus sp .)”.
A Fundação também fomenta pesquisas sobre a qualidade da água nos lagos urbanos de Goiânia e os impactos da contaminação em rios estratégicos do Cerrado, garantindo a segurança hídrica da população.