Com apoio da Fapeg, pesquisadores publicam e-book sobre biodiversidade e sistema agroflorestal no Cerrado

A conservação da biodiversidade não é mais um tema para ser apenas discutido. Ações e atitudes são necessidades urgentes frente às mudanças que vêm ocorrendo ao longo do último século e que têm provocado poluição do ar e da água, além de fragmentação de habitats naturais, comprometendo a persistência de várias espécies no planeta. Somado a tudo isso, lacunas de conhecimento a respeito da diversidade e da distribuição das espécies têm preocupado cientistas que não sabem quantas nem quais espécies existem em muitas regiões, o que dificulta o planejamento de ações adequadas de conservação e manejo.

Levando em consideração estas lacunas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) financiam estudos e pesquisas como os Programas de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELDs) em territórios situados no estado de Goiás. Um dos resultados deste apoio a pesquisas nesta área foi o lançamento, no último dia 26, do e-book intitulado “Biodiversidade associada a um sistema agroflorestal no Cerrado.”

O material de divulgação científica foi produzido por meio de parceria entre pesquisadores do PELD EBMN – Biodiversidade em Paisagens Fragmentadas (Universidade Federal de Goiás, IF Goiano/Campus Rio Verde, UniRV), e PELD CEMA – Cerrado e Mata Atlântica  (Universidade Federal de Jataí), com os proprietários da Fazenda Mata Lobo, em Rio Verde/GO, que se destaca na região sudoeste de Goiás e em todo o Cerrado pela adoção de um sistema agroflorestal, intercalando espécies arbóreas (cobertura florestal) e agrícolas, para a produção de café. No e-book constam quais espécies de anfíbios, mamíferos e plantas lenhosas ocorrem nas áreas de estudos dos dois PELDS, na região de Rio Verde.

Segundo o professor doutor Alessandro Ribeiro de Morais, do Laboratório de Ecologia, Evolução e Sistemática de Vertebrados (LEESV) do Instituto Federal Goiano campus Rio Verde, um dos coordenadores do PELD EBMN, o e-book foi dividido nos seguintes capítulos: Fazenda Mata do Lobo: uma experiência de agrofloresta no bioma Cerrado; Os sapos, as rãs e as pererecas: diversidade, ecologia e conservação; Armadilhas fotográficas ajudam a desvendar a vida secreta dos mamíferos de médio e grande porte; Roedores e marsupiais da Mata do Lobo, sudoeste de Goiás: reduzindo lacunas de conhecimento sobre a diversidade de pequenos mamíferos; Espécies arbóreas: ampliando o conhecimento sobre as formações florestais no cerrado; e Uso econômico sustentável em áreas de preservação permanente e reserva legal.

O professor alerta sobre a necessidade de se investir em pesquisas aplicadas, mas também em pesquisas básicas. Ele explica que, muitas das lacunas de conhecimento a respeito da biodiversidade podem ser preenchidas a partir da pesquisa básica, como por exemplo, amostragem de espécies em áreas subamostradas e não amostradas previamente. Para ele, o conhecimento básico é essencial para a superação de desafios como a conciliação entre a produção agrícola e a conservação da biodiversidade. No Cerrado, explica ele, a realidade vem sendo alterada em grandes proporções nas últimas décadas e não se sabe como a maioria das espécies nativas tem respondido a estas alterações antrópicas. Considerando esta lacuna, os pesquisadores, de diferentes áreas do conhecimento (agronomia, botânica, ecologia, zoologia e divulgação científica) se juntaram neste trabalho para apresentar informações a respeito da biodiversidade associada a um sistema agroflorestal do Cerrado privado que adota boas práticas agrícolas e que contribui de modo significativo para a conservação da natureza.

A fazenda

Sistema agroflorestal da Fazenda Mata do Lobo. Foto do e-book

A fazenda Mata do Lobo, em Rio Verde, está completamente inserida no bioma Cerrado. Ela é de propriedade de Luiz Henrique Meireles Vasconcelos, que é agrônomo e agricultor com atuação nessa região há mais de 30 anos. A principal atividade desenvolvida na fazenda é a produção de grãos (soja e milho, em uma área de 2,300 mil hectares), mas há também uma granja com 12 mil suínos em fase de terminação e uma agrofloresta, implantada seguindo princípios, práticas e manejos de agricultura sintrópica, para fins de produção de café. Um dos objetivos da fazenda é conciliar produção agrícola e conservação da biodiversidade.

Atualmente, a agrofloresta implantada abrange 30 hectares e é entendida como uma área de inovação dentro da propriedade, pois possibilitou a transformação do manejo realizado nas áreas de monocultura ao mudar a percepção dos ambientes produtivos e suas relações ecológicas. A agricultura sintrópica pode ser resumida como um complexo sistema agrícola baseado em processos ao invés de insumos. Os processos providenciados pela floresta atuam para que seja possível alcançar independência total em relação ao uso de fertilizantes e pesticidas.

Sapos, rãs e pererecas

Leptodactylus mystacinus Foto: Werther P. Ramalho

A anurofauna da fazenda Mata do Lobo foi estudada entre os anos de 2019 e 2023. Os trabalhos de campo foram conduzidos durante a estação chuvosa do Cerrado (outubro a março), pois é nesse período em que há maior número de espécies em atividade. Para a amostragem das espécies foram selecionados cinco corpos d’água entre brejos, lagoas, represas. Alguns dos locais de amostragem são adjacentes ao sistema agroflorestal da fazenda Mata do Lobo. A anurofauna foi amostrada por meio de metodologias complementares, tais como a busca ativa em sítios reprodutivos e o monitoramento acústico passivo.

O trabalho possibilitou o registro de 30 espécies de anfíbios anuros, o que representa cerca de 27% das espécies previamente conhecidas para o estado de Goiás e cerca de 12% daquelas que são encontradas no Cerrado. O professor Alessandro explica que os anfíbios são os vertebrados mais ameaçados do planeta e as principais ameaças a esses animais são a perda e fragmentação dos habitats naturais, a mudança climática, as doenças (quitridiomicose), a poluição e a introdução de espécies exóticas invasoras. Apesar desse cenário, nenhuma das espécies registradas encontra-se ameaçada de extinção de acordo com as listas vermelhas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Por outro lado, 11 (36,6%) das 30 espécies registradas nesse estudo são endêmicas do Cerrado, ou seja, a destruição desse bioma compromete a persistência dessas espécies ao longo do tempo.

Armadilhas fotográficas – mamíferos de médio e grande porte

Instalação de armadilhas fotográficas em um fragmento florestal na fazenda Mata do Lobo.

Também chamados de mastofauna, os mamíferos registrados no Cerrado constam de 251 espécies, com 191 delas em Goiás, sendo 45 espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte. Para se ter uma melhor dimensão do impacto de atividades antrópicas sobre as populações desses animais no estado é necessário identificar, principalmente, a área de ocorrência e números de indivíduos. A forma de fazer isso é por meio de inventários em áreas com elevada diversidade e intensa atividade humana, e a Fazenda Mata do Lobo, no município de Rio Verde, foi escolhida, segundo o professor Alessandro, por vir ao encontro de estudos realizados em diversas parte do mundo que encontraram evidências de que os sistemas agroflorestais podem contribuir com a manutenção da biodiversidade e dos processos ecossistêmicos. Os pesquisadores buscaram, então, identificar e caracterizar a mastofauna de médio e grande porte ocorrendo nos diferentes ambientes da fazenda.

Os registros foram feitos por meio do uso de armadilhas fotográficas, cujas câmeras possuem sensores de movimento e calor que são ativados quando algum animal entra na área de alcance do equipamento. As armadilhas foram instaladas em árvores e espalhadas por seis sítios amostrais distribuídos pela área das propriedades de modo a abrangerem diferentes tipos de vegetação ali presentes. Os trabalhos de campo revelaram a ocorrência de 20 espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte destacando-se os registros de quatro espécies indicadas como vulneráveis nas listas vermelhas de espécies ameaçadas de extinção da IUCN e/ou do Ministério do Meio Ambiente: gato-maracajá (Leopardus cf. wiedii), tatu-canastra (Priodontes maximus), anta (Tapirus terrestres) e tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla).

Foto capturada das câmeras instaladas na fazenda

As demais espécies encontradas não são ameaçadas de extinção. Os pesquisadores explicam que, para que essas espécies ocorram em um determinado local, é necessário que os remanescentes cumpram alguns requisitos e ainda apresentem um nível razoável de preservação. Isso sugere que os fragmentos na região da Mata do Lobo reúnem essas condições, suportando populações viáveis desses animais. Essa conclusão é reforçada pelos registros de adultos acompanhados de filhotes em diferentes estágios de desenvolvimento, indicando que os animais conseguem permanecer no local e reproduzir.

Pequenos mamíferos

Os pequenos mamíferos fornecem importantes serviços ecossistêmicos como o controle de populações de gramíneas, plantas daninhas, insetos, escorpiões, entre outros invertebrados, e atuam como polinizadores e/ou dispersores de sementes. Os pesquisadores entendem que esses animais podem ser considerados bons modelos para avaliar os impactos das modificações dos ambientes, uma vez que apresentam ciclo de vida curto, considerável variedade de hábitos alimentares e de estratégias reprodutivas, além de níveis diferenciados de sensibilidade às modificações antrópicas no meio ambiente.

A amostragem dos pequenos mamíferos não voadores (roedores e marsupiais) foi realizada com o auxílio de pequenas gaiolas que capturam o animal vivo. Das sete espécies de pequenos mamíferos e os respectivos números de cromossomos observados durante as análises citogenéticas realizadas nos exemplares coletados, quatro são roedores (Rodentia) e as outras três espécies são marsupiais (Didelphi-morphia). Todas as espécies registradas costumam ser abundantes e amplamente distribuídas no Cerrado e nos demais biomas brasileiros, sendo classificadas como “preocupação menor ” nas listas de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e Ministério do Meio Ambiente. Essas espécies podem ser importantes fontes de alimento para predadores como o gato do mato, jaguatirica, lobo guará, dentre outros, viabilizando a presença e a manutenção de populações viáveis na Mata do Lobo e região.

Espécies arbóreas

Dentre todas as savanas mundiais, o Cerrado detém a de maior biodiversidade, não só devido à sua extensão geográfica, mas principalmente pelas vastas faixas de transição com os outros biomas brasileiros, exceto o Pampa, no sul do país. Segundo informações do e-book, ”apesar de sua grande importância ecológica, em termos de biodiversidade e endemismos, e na prestação de outros serviços ecossistêmicos, infelizmente, o Cerrado vem passando por sérias ameaças, como queimadas constantes, desmatamento, caça, entre outros. No sudoeste goiano essa realidade é notória e há décadas o Cerrado vem perdendo espaço para áreas urbanas e principalmente lavouras. As unidades de conservação são inexpressivas na região e as áreas de proteção permanente e de reserva legal nas propriedades particulares, em geral passam por algum tipo de intervenção humana”.

Equipes em campanhas de campo executando marcação de árvores e herborização de plantas. Foto do e-book

Segundo os pesquisadores, os estudos sobre a flora nativa são importantes para ampliar o conhecimento ecológico e distribuição das espécies nos ecossistemas naturais. Também podem gerar informações sobre o estado de conservação das espécies e dos fragmentos florestais, frente à expansão da agricultura no Cerrado brasileiro e, especialmente, no sudoeste goiano. “Essas questões nos instigaram a apresentar ao público um pouco das características da vegetação nativa dos ambientes de reserva legal (florestas estacionais semideciduais) e de áreas de proteção permanente (florestas de galeria) de uma propriedade rural em Rio Verde, estado de Goiás”.

Embora as principais plantas relatadas no estudo não se encontrem ameaçadas, a pesquisa exalta a importância dos fragmentos de florestas semideciduais e florestas de galeria, os quais se encontram isolados em matriz agropecuária e são importantes corredores ecológicos conectando ecossistemas diversos no Cerrado. O estudo registrou uma elevada diversidade de espécies arbóreas, o que segundo os pesquisadores, reflete na funcionalidade ecossistêmica, mostrando a complexidade de interações que estas espécies da flora apresentam com a fauna silvestre. O estudo, segundo os pesquisadores, fornece, ainda, subsídios para indicar espécies de plantas apropriadas para recuperar ambientes degradados na região, ou até mesmo a inserção delas em sistemas agroflorestais, existentes na própria fazenda Mata do Lobo.

No e-book, os pesquisadores concluem que, “Quanto mais ações científicas divulgando que é possível conciliar produção agrícola com a conservação da biodiversidade, maiores serão as chances de mudar o paradigma criado pelo modelo do uso convencional do solo nas áreas protegidas e/ou destinadas a auxiliar a conservação nos imóveis rurais. É notória a existência do paradigma do uso agrossilvipastorial nas áreas consolidadas, até mesmo porque a legislação ambiental veio regularizar este modelo. Portanto, é importante levar ao conhecimento do proprietário ou possuidor do imóvel rural que, a legislação brasileira ampara o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas de reserva legal e nas áreas de preservação permanente consolidadas. Para esta última, a parcela de área cujo uso agrossilvipastoril é mantido deixa de promover importantes funções ambientais que beneficiariam o próprio imóvel rural e as adjacências. No entanto, ao pensar em um modelo de produção para estas áreas, que concilie espécies produtivas exóticas com espécies nativas, o produtor terá retorno econômico concomitante à melhoria da conservação dos recursos naturais de sua propriedade rural”.

Download do e-book ( https://www.projetoebmn.com/publicacoes)

Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Setorial

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