Araguaia Vivo 2030 encerra primeiro ciclo em 2026
Um balanço destes dois últimos anos de atuação já aponta resultados promissores para o desenvolvimento sustentável na bacia do rio Araguaia e um robusto legado científico
O primeiro ciclo do Programa Araguaia Vivo 2030, iniciado em julho de 2023 tem previsão de conclusão em julho de 2026. Com suas ações estruturadas, a expectativa é de deixar um legado significativo: fortalecimento da ciência, contribuição para elaboração de políticas públicas mais eficientes; ações práticas para o desenvolvimento sustentável de uma bacia hidrográfica que possui uma enorme importância no contexto de segurança hídrica para o Estado, para a região Centro-Oeste e para o Brasil.
Os pesquisadores do projeto contribuirão, ainda, com a formação de novas gerações de pesquisadores e cidadãos conscientes e com a possibilidade para estabelecer um modelo replicável de gestão sustentável de bacias hidrográficas no Brasil para garantir um Araguaia vivo e saudável para 2030 — e além.
O Programa surgiu como uma das mais abrangentes iniciativas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável do país e tornou-se um marco de união entre ciência, tecnologia e participação comunitária em prol da preservação da bacia do rio Araguaia. As diversas expedições científicas realizadas no âmbito do projeto trouxeram resultados expressivos, capazes de contribuir para o equilíbrio entre biodiversidade, a realidade socioeconômica da região e qualidade de vida das comunidades.
O Araguaia é um dos grandes rios do Brasil. Ele percorre um trecho de mais de 2.114 km e banha quatro estados brasileiros: Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Pará. Forma uma das mais importantes planícies alagáveis brasileiras, englobando 145 sedes municipais, com uma população de mais de 1,5 milhões de pessoas. A bacia do Araguaia está inserida quase que em sua integridade no bioma Cerrado, com uma pequena inserção na região Amazônica em sua porção norte. A bacia serve como um importante corredor ecológico, conectando populações de várias espécies, inclusive as onças-pintadas (Panthera onca), conectando diferentes ecossistemas desde o Pantanal até a Amazônia.
Durante as duas grandes expedições que foram realizadas a bordo de um barco-hotel, no período de cheia de 2024 e 2025, pesquisadores e estudantes percorreram cerca de 3 mil quilômetros em cada expedição, trabalhando diariamente para buscar informações e evidências para preencher as lacunas de conhecimento para essa região e subsidiar políticas de conservação dos ecossistemas da bacia do Araguaia. Diversas expedições também foram realizadas por terra por diferentes equipes abrangendo diversas áreas do conhecimento, promovendo ciência, educação e diálogo com as comunidades. Puderam coletar espécies novas da flora e fauna, além de realizar o registro de novas ocorrências de espécies que nunca haviam sido encontradas na região, assim como identificar espécies ameaçadas de extinção. Estudaram aspectos importantes da biologia de animais e compreenderam como as mudanças no ambiente externo têm impactado os ecossistemas aquáticos e a biodiversidade no Araguaia.
Governo e Ciência
Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) com recursos da ordem de R$ 15.954.000,00, o programa é uma iniciativa da Aliança Tropical de Pesquisa da Água – Tropical Water Research Alliance (TWRA). A coordenação-geral do programa é da bióloga e doutora Mariana Pires de Campos Telles (professora da Pontifícia Universidade Católica – PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás – UFG). O programa também conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de outros programas e projetos associados, incluindo o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio Araguaia), executado pela PUC Goiás, também coordenado pela Dra. Mariana Telles e do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia (INCT) em “Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade”, coordenado pelo biólogo e Dr. José Alexandre Felizola Diniz Filho, além de diversas outras instituições parceiras.
O programa abrange atividades que vão desde o levantamento detalhado da biodiversidade à implementação de inovações tecnológicas como DNA ambiental (eDNA), drones e sensoriamento remoto. A proposta é transformar a bacia do Araguaia em referência nacional e internacional de desenvolvimento sustentável aliado à conservação ambiental. As 11 atividades do projeto são interligadas e abordam desde o monitoramento da fauna, flora e recursos hídricos até o incentivo ao turismo ecológico, práticas de pesca sustentável e educação ambiental. Uma das marcas do programa é seu caráter interdisciplinar e colaborativo, reunindo cientistas, gestores públicos, comunidades locais e tomadores de decisão em uma ampla rede de articulação.
Para Mariana Telles, o diferencial do projeto é sua abordagem holística: “Estamos integrando conhecimentos das ciências naturais, sociais e econômicas para enfrentar os desafios complexos que afetam o Araguaia. Queremos garantir não apenas a conservação ambiental, mas também o desenvolvimento humano, econômico e sustentável da região.”
Ciência com impacto local
Além dos avanços científicos e geração de dados inéditos sobre fauna e flora, o Araguaia Vivo se destaca por fortalecer as comunidades locais. Por meio do envolvimento direto da população em práticas sustentáveis e ações educativas, o programa busca gerar autonomia, renda e consciência ambiental com propostas como o turismo ecológico e pesca responsável. O turismo ecológico, por exemplo, é apontado como uma das vertentes mais promissoras para aliar preservação à geração de oportunidades econômicas. “A ideia é que as comunidades possam se apropriar dos conhecimentos e técnicas que estão sendo desenvolvidas”, explica a Dra. Mariana Telles.
O subprojeto Turismo e Pesca, liderado pelo professor Fabrício Barreto Teresa (UEG) já contabiliza cerca de 1666 pescarias registradas nas regiões de Aruanã, Bandeirantes, Luiz Alves e São Félix do Araguaia. Para esses registros de pesca, mais de 4 mil pescadores estavam envolvidos e mais de 17 mil peixes foram capturados. Essas atividades foram realizadas com a contribuição de guias turísticos locais (cientistas-cidadãos) que são atores importantes no Programa. O trabalho está revelando informações valiosas sobre o impacto da pesca esportiva e a presença de espécies ameaçadas de extinção, utilizando diferentes metodologias para entender, também, o perfil do turista que frequenta a região. Durante os trabalhos, foi realizado o primeiro registro da espécie Aguarunichthys tocantinensis, conhecida como rubinho, no rio Araguaia. Essa espécie é considerada criticamente ameaçada de extinção, e sua identificação na região pode gerar impactos significativos nas políticas públicas de conservação.
Inovação científica reconhecida
O programa já rendeu artigos científicos publicados em diferentes periódicos científicos internacionais. O primeiro artigo foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation. Intitulado “Environmental DNA and biodiversity patterns: a call for a community phylogenetics approach”, o trabalho propõe o uso de DNA ambiental como método inovador para mapear as comunidades biológicas da região, considerando suas relações evolutivas e padrões de diversidade genética.
Outro destaque foi publicado na revista Neotropical Ichthyology. O artigo “Darwinian shortfall and macroecological patterns in genetic data of Tocantins-Araguaia basin fishes” discute as lacunas no conhecimento sobre aspetos genéticos dos peixes da bacia do Araguaia e aponta caminhos para avançar na conservação baseada em dados genômicos.

Uma nova espécie de planta foi descoberta na bacia do Araguaia, reforçando a necessidade de realização destes inventários em função do potencial da região para informações científicas inéditas. O achado foi detalhado no artigo “An outstanding new Copaifera L. (Leguminosae, Detarioideae) species from the Araguaia River Basin, Goiás, Brazil”, publicado na revista Phytotaxa. O estudo descreve uma espécie inédita do gênero Copaifera, conhecida por sua relevância ecológica e medicinal, ressaltando a riqueza florística ainda pouco explorada do Cerrado goiano.
Na área de ecotoxicologia, foi publicado na revista Environmental Monitoring and Assessment o artigo “Combined effects of land use and geology on potentially toxic elements contamination in lacustrine sediments from the Araguaia River floodplain, Brazilian Savanna”, que avalia a contaminação por elementos tóxicos nos sedimentos lacustres, considerando o uso da terra e a geologia local.
Por fim, o artigo “_Proximity to research centers, fluvial accessibility, and dams presence drive sampling efforts for phytoplankton, zooplankton, and macrophytes in freshwater ecosystem_s”, publicado na revista Hydrobiologia, analisa os fatores que influenciam o esforço de amostragem em ecossistemas aquáticos, com ênfase nos impactos da infraestrutura e da logística sobre a produção científica na região.
Essa abordagem científica pioneira está ajudando a orientar estratégias de conservação baseadas em evidências, consolidando o papel do Araguaia Vivo como referência em pesquisa aplicada à proteção ambiental. Utilizando as informações filogenética, os pesquisadores ampliam a compreensão sobre a biodiversidade e se aprofundam no entendimento de como as comunidades dos organismos se formam e evoluem, especialmente em locais como a Bacia do Araguaia Vivo.
Rede de pesquisa e formação de pesquisadores
O Araguaia Vivo também se estrutura como um exemplo de sucesso na formação de uma ampla rede de pesquisa, envolvendo diretamente, nos dois primeiros anos do programa, cerca de 250 cientistas em atividade — sendo 138 bolsistas e 112 voluntários que atuam em atividades de gestão, comunicação científica e pesquisa teórica, em campo e em laboratórios. Essa força de trabalho está conectada a 15 instituições de ensino superior, das quais seis são do estado de Goiás — incluindo PUC Goiás, UFG, UEG, UFJ, IF Goiano e IFG — e nove de outras regiões do Brasil, evidenciando o caráter nacional e colaborativo do programa. Além disso, estão envolvidos 10 programas de pós-graduação com forte atuação em biodiversidade, ciências ambientais, genética, ecologia, evolução e conservação, promovendo a integração entre pesquisa de ponta e formação acadêmica em múltiplas áreas do conhecimento. As atividades de pesquisa e extensão são lideradas, em sua maioria, por pesquisadores vinculados às instituições goianas, o que reforça o papel estratégico do estado na produção de conhecimento científico e na aplicação de soluções voltadas à sustentabilidade da bacia do rio Araguaia. Essa articulação fortalece a ciência como instrumento de transformação social, sustentabilidade e desenvolvimento regional.
Ciência no Cinema
Frutos do Araguaia Vivo 2030 em parceria com o PPBio Araguaia, três produções audiovisuais inéditas foram lançadas durante o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), realizado em junho de 2025, na cidade de Goiás, um dos maiores festivais com temática ambiental do Brasil e do mundo. A programação do Fica incluiu a Sessão Araguaia Vivo para apresentar o documentário “Expedição Araguaia” (disponível no link https://www.youtube.com/watch?si=Y3J7HBuqCwJXl7K5&v=cSa6tuG6TZQ&feature=youtu.be ) e as animações “A lenda da Serra das Areias” e “Florinha do Cerrado”. Disponibilizado no YouTube em 4 de julho de 2025, o documentário já ultrapassou a marca de 18 mil visualizações até o dia 19 de julho, demonstrando seu forte impacto junto ao público.
“Foi um momento simbólico extremamente importante para mostrar para o mundo a grandeza que é o Rio Araguaia e a importância de juntar nossa força de trabalho científico com a comunidade e, de mãos dadas, de fato mudar a perspectiva de conservação e uso sustentável da região da bacia do Rio Araguaia e incentivar, inclusive, a diversificação de rendas para as comunidades locais para além da época de pesca”, comentou a pesquisadora Mariana Telles.
Educação ambiental

Entre as ações de destaque em educação ambiental desenvolvidas pelo Programa Araguaia Vivo e PPBio Araguaia, a publicação “Florinha do Cerrado” tem se consolidado como uma importante ferramenta de sensibilização e ensino para crianças e professores da rede pública. Com uma linguagem lúdica e recursos didáticos inovadores, como livros, cadernos de atividades, jogos, animações e clubes de ciência, a iniciativa busca valorizar a flora do Cerrado e despertar o protagonismo infantojuvenil na conservação ambiental. Em parceria com a Secretaria de Educação de Aruanã (GO), o programa promoveu um curso de formação continuada com a participação de 70 professores de quatro escolas municipais — incluindo uma escola indígena da etnia INỸ-KARAJÁ —, incentivando o uso da coletânea em diversas disciplinas escolares. A proposta inclui ainda uma trilha pedagógica interdisciplinar, a entrega de kits didáticos para aplicação em sala de aula e a realização de clubes de ciências, ampliando o alcance da mensagem de preservação para novos públicos e fortalecendo a educação científica e a conexão entre ciência, arte, educação e comunidade local.
Popularização da ciência e Divulgação
Duas ações de grande destaque na popularização da ciência promovida pelo Araguaia Vivo e PPBio Araguaia vêm ganhando visibilidade nacional e internacional: a expressiva presença no XIX Congreso RedPOP 2025, realizado em Puebla, México, e a atuação estratégica nas redes sociais. Ao todo, 12 trabalhos foram aprovados e apresentados no principal evento latino-americano de divulgação científica, abordando temas como educação ambiental nas escolas, cultura oceânica no Cerrado, protagonismo feminino, ciência cidadã na pesca, uso das redes sociais e desenvolvimento de recursos didáticos como jogos, livros, animações e outras produções audiovisuais. A participação no congresso reforça o compromisso do programa com a difusão e democratização do conhecimento.
Além do reconhecimento internacional conquistado no XIX Congreso RedPOP, o Programa Araguaia Vivo também vem se destacando no ambiente digital (ver site: https://araguaiavivo.thetwra.org/ ). O perfil @araguaiavivo no Instagram consolidou-se como uma das principais vitrines da ciência feita na bacia do Araguaia, promovendo a popularização do conhecimento científico por meio de linguagem acessível e recursos audiovisuais de qualidade. Ao longo de 2024, foram publicadas 261 postagens, com mais de 1 milhão de visualizações e crescimento contínuo da base de seguidores. Somente considerando o primeiro semestre de 2025, o perfil já acumula mais de 1,1 milhão de visualizações, com destaque para o mês de fevereiro (quando ocorreu a expedição do barco hotel), que registrou 503 mil visualizações e mais de 8 mil interações. O engajamento total nesse período ultrapassou 27 mil interações, e o número de seguidores chegou a 5.147 em junho. A estratégia digital inclui a divulgação de pesquisas, bastidores das expedições, formação de pesquisadores e professores, e conteúdos voltados à educação científica, conservação ambiental, formação de pesquisadores e professores, fortalecendo o vínculo entre ciência e sociedade.
O Programa Araguaia Vivo e o PPBio Araguaia também têm se destacado pela ampla presença nas mídias tradicionais, contribuindo significativamente para a divulgação científica junto à sociedade.
Compromisso
Segundo o presidente da Fapeg, Marcos Arriel, o projeto representa muito mais do que uma ação ambiental: “Estamos investindo em pesquisa científica de ponta para garantir um futuro sustentável para o rio Araguaia e suas comunidades. Este esforço não só protege o meio ambiente como também impulsiona o desenvolvimento econômico e social da região”.











