Especial PPSUS: Pesquisa identifica fragilidade no sistema de notificação compulsória de doenças
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Social da Fapeg
Conhecer a realidade vivenciada pelas unidades de vigilância em saúde no Estado de Goiás no que diz respeito ao processo de notificação de doenças e agravos de notificação compulsória foi o que propôs o projeto de pesquisa coordenado pela professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Maria Aparecida de Souza Melo, do Curso de Administração do Câmpus Anápolis de Ciências Socioeconômicas e Humanas. O trabalho contou com a participação da Secretaria Estadual da Saúde e Universidade Federal de Goiás (UFG)/Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública.
Os pesquisadores buscaram identificar quais fatores levam os profissionais de saúde do Estado de Goiás a não notificarem a ocorrência de casos de doenças, agravos e eventos que compõem a Lista Nacional de Notificação Compulsória. “Casos não notificados pelos profissionais de saúde às autoridades sanitárias, obstruem a adoção de medidas de prevenção e controle, o que compromete a saúde da população e, também, contribui para a disseminação de doenças”, observa Maria Aparecida.
A coordenadora do projeto explica que é a partir das informações geradas por estas notificações que são desencadeadas as ações da Vigilância em Saúde e que a detecção precoce de algum incidente resulta em ações rápidas e eficientes. Estas informações também subsidiam os gestores da saúde na formulação e avaliação das políticas, planos e programas de saúde, e no planejamento e na tomada de decisões”, atesta a professora. A notificação ocorre através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) que objetiva coletar, transmitir e disseminar os dados gerados na rotina do sistema de Vigilância em Saúde (Visa).
O monitoramento é normatizado pela Portaria GM/MS nº 204, de 17 de fevereiro de 2016, que contém a Lista Nacional de Notificação Compulsória. Notificação compulsória é a comunicação obrigatória à autoridade de saúde, realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de saúde pública, descritos no anexo, podendo ser imediata ou semanal. Agravo é qualquer dano à integridade física ou mental do indivíduo, provocado por circunstâncias nocivas, tais como acidentes, intoxicações por substâncias químicas, abuso de drogas ou lesões decorrentes de violências interpessoais, como agressões e maus tratos, e lesão autoprovocada.
A pesquisa
Intitulada Identificação dos incidentes críticos na notificação de doenças no âmbito da Vigilância em Saúde a pesquisa objetivou levantar e analisar os incidentes críticos relacionados com a notificação de doenças e agravos de notificação compulsória em uma amostra de trabalhadores da vigilância em saúde no Estado de Goiás, englobando a vigilância epidemiológica, vigilância sanitária e vigilância ambiental, nos níveis estadual e municipal.
Dos 246 municípios goianos, 107 aderiram ao estudo, o que, segundo a pesquisadora, possibilitou realizar o levantamento da estruturação da vigilância em saúde no Estado de Goiás. Com relação à estruturação da Vigilância, os pesquisadores detectaram que há distintas formas de organização da Vigilância e muitas (20,0%) não possuem Vigilância em Saúde do Trabalhador, Ambiental ou Controle de Zoonoses. Avaliaram dificuldades no processo de vigilância e “um deles é a inexistência de veículos (44,0%) e quando eles existem têm que ser compartilhados com outros órgãos (32,0%)”, revela.
Também foi identificado vínculo precário dos coordenadores dos Núcleos de Vigilância Epidemiológica (31,7% temporário e 21,8% comissionados). Dos demais funcionários, 13,4% são temporários e 14,1% comissionados, o que dificulta a internalização da capacitação. Há ainda profissionais com baixos níveis de qualificação (58,2% ensino médio e 4,4% fundamental, apesar de haver 37,5% com graduação e pós-graduação).
Segundo o resultado da pesquisa, a notificação nas unidades de saúde é manual e quem notifica não digita os dados nos Sinan (79,0%); 58,0% dos municípios não têm unidades de saúde privadas; e somente 7,0% das unidades de saúde privadas notificam as doenças e agravos de notificação compulsória.
Em uma segunda etapa da pesquisa, foram selecionados municípios goianos pertencentes às 17 Regiões de Saúde do Estado de Goiás, com diferentes tamanhos e formas de estruturação da vigilância: Adelândia, Alto Paraíso de Goiás, Anápolis, Aparecida de Goiânia, Bom Jesus de Goiás, Caldas Novas, Campinaçu, Campinorte, Cavalcante, Goiânia, Itaberaí, Mineiros, Moiporá, Novo Gama, Quirinópolis, Rianápolis e São Domingos. Foram feitas 83 entrevistas com os trabalhadores das unidades de saúde responsáveis pelo processo de notificação no Sinan para identificar os fatores que facilitam ou dificultam a notificação. Para as entrevistas, foi utilizada a técnica dos Incidentes Críticos, que consistia em realizar basicamente duas perguntas aos entrevistados solicitando que descrevessem um ou mais casos que ocorreram na unidade de atendimento que levaram a um processo adequado ou inadequado de notificação.
Os dados colhidos apontam 111 casos facilitadores, aqueles em que os entrevistados disseram que fizeram as notificações de forma correta, e 133 casos dificultadores, cuja notificação foi dificultada, associados a 33 doenças e agravos de notificação compulsória. Dos caso dificultadores, 56,4% deles não foram notificados e 21,1% tiveram notificação tardia. Outros foram notificados, mas não encerrados no Sinan. Houve ainda aqueles que os entrevistados não souberam precisar o desfecho.
Os principais fatores apontados como causas de subnotificações estão: a conduta do médico ou enfermeiro, dificuldades no processo de notificação, problemas relacionados ao paciente/familiares, médicos não notificam, não repasse de caso para notificação e somente a enfermagem fica responsável pelo processo.
Os principais resultados geraram um artigo científico que foi submetido para publicação em uma revista científica. Os resultados globais do estudo foram apresentados em um seminário realizado no dia 22 de março de 2017, no Hotel Golden Tulip em Goiânia, com carga horária de quatro horas de atividades. Neste seminário foram apresentados a mais de 30 gestores os resultados detalhados do estudo, com ampla discussão pelos participantes.
Aplicabilidade da pesquisa
Segundo a coordenadora da pesquisa, “as informações colhidas possibilitarão aos gestores o conhecimento da realidade vivenciada pelas unidades de saúde no processo de notificação e subnotificação, vez que inexiste na literatura trabalho com esta abordagem”. Assim, entende Maria Aparecida Melo, os gestores poderão empreender ações para a melhoria do processo de notificação, com reflexos na qualidade da atenção pelo uso da vigilância epidemiológica de forma mais efetiva para o planejamento das ações de vigilância da saúde da população.
A pesquisadora ressalta que o estudo desencadeou o desenvolvimento de outro projeto de pesquisa que objetiva utilizar os dados coletados para a construção de um instrumento para avaliação do processo de notificação de doenças e agravos no Sinan que poderá ser adotado para uso amplo no SUS.
Casos complexos e desafiadores
Os relatos dos trabalhadores da saúde são diversos e apontam casos muito complexos e desafiadores para o atendimento que ocorre nas unidades de saúde, comenta a professora Maria Aparecida de Melo. Ela cita como exemplo um caso em que uma paciente adentrou a unidade de saúde à noite passando mal, foi atendida, medicada e retornou para casa. Na madrugada do mesmo dia a paciente foi a óbito e, em seguida, outra pessoa da família começou com os mesmos sintomas, sendo levada à unidade de saúde para atendimento. Somente depois de ocorrido o óbito que o médico suspeitou que seria a Síndrome Respiratória Aguda e procedeu à notificação do caso.
Ela ressalta que “tal fato possibilitou identificar, pelas narrativas, as falhas ocorridas no atendimento, com consequências graves para a paciente e para população em função da ausência das ações oportunas de vigilância que são fundamentais nestes tipos de casos”.
“A maioria dos casos relatados apontou situações complexas que mostram as debilidades do sistema de saúde em termos de estruturação de recursos humanos e de materiais e equipamentos que refletem na subnotificação de doenças e agravos no sistema Sinan. Assim, o Sinan reflete uma situação que desarticula com a real situação de saúde da população”, conclui a pesquisa.
PPSUS: Gestão compartilhada
Esta pesquisa é uma entre as 29 contempladas com fomento da Chamada Pública nº 12/2013 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) no Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS) – Gestão Compartilhada. A chamada pública 12/2013 tem por objetivo apoiar atividades de pesquisa científica, tecnológica ou de inovação em áreas prioritárias para o fortalecimento do SUS em Goiás. O edital é uma parceria entre Fapeg, Ministério da Saúde, Secretaria de Estado da Saúde e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A professora doutora Maria Aparecida de Souza Melo possui graduação e mestrado em Administração; doutorado e pós-doutorado em Medicina Tropical e Saúde Pública. É pesquisadora da área da gestão em saúde, com foco na Vigilância Epidemiológica. Coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Administração do Campus Anápolis de Ciências Socioeconômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás e é editora da Revista de Administração da UEG.
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