Turismo e Pesca: Frentes de pesquisas do Araguaia Vivo impactam a ciência e comunidade

Perfil do turista que frequenta o rio Araguaia, formação de base de dados do estoque pesqueiro, incentivo ao turismo de observação de vida selvagem e etnoturismo, registro de espécie ameaçada de extinção, parceria com guias locais para uma ciência-cidadã são alguns resultados de uma das 11 frentes de trabalho do Programa Araguaia Vivo

Com a chegada do mês de julho, o rio Araguaia se transforma em um dos destinos mais procurados por turistas e pescadores de Goiás e de diversas partes do Brasil. Atrativos naturais, pescarias e paisagens deslumbrantes são apenas um lado da experiência. Por trás dessa movimentação, uma grande iniciativa vem atuando para preservar e garantir o futuro desse patrimônio natural: o Programa Araguaia Vivo 2030.

Lançado em julho de 2023, o Araguaia Vivo é considerado o maior estudo de bacias hidrográficas do Brasil. Além de ser um amplo projeto científico, ele é uma força conjunta de ação ambiental, social e educacional. A proposta é ambiciosa: preservar a saúde ambiental da bacia hidrográfica do rio Araguaia, restaurar ecossistemas do Cerrado, preencher lacunas do conhecimento, formar pesquisadores, garantir conhecimentos científicos como ferramentas para orientar a elaboração de políticas públicas mais eficientes e promover um turismo mais consciente e sustentável.

Parte da equipe do Araguaia Vivo. Foto: Araguaia Vivo

Com estas propostas, o Araguaia Vivo, uma iniciativa da Aliança Tropical de Pesquisa da Água – Tropical Water Research Alliance (TWRA) financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) com recursos da ordem de R$ 15. 954.000,00, se torna uma iniciativa multidisciplinar que reúne estudantes, cientistas, comunidades locais e 23 instituições de pesquisa, públicas e privadas, espalhadas pelo Brasil com o objetivo de fortalecer esta conexão entre ciência, sociedade e políticas socioambientais. O programa tem na sua coordenação geral a professora e bióloga, doutora Mariana Pires de Campos Telles (da Pontifícia Universidade Católica -PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás – UFG).

Turismo e Pesca

Reunião de planejamento dos guias do distrito de Bandeirantes com o professor Fabrício. Foto: Araguaia Vivo 2030

Com 11 subprojetos em andamento, o de Turismo e Pesca ganha destaque neste mês de julho, sob a coordenação do pesquisador Fabrício Barreto Teresa, professor do curso de Ciências Biológicas e do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais do Cerrado (Renac) da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Neste segmento, o Programa Araguaia Vivo tem buscado gerar dados e ferramentas visando a gestão sustentável do turismo, que é uma importante fonte da economia para os municípios do Vale do Araguaia e a pesca, uma atividade central para as comunidades ribeirinhas.

Turismo de Observação de Vida Selvagem
O turismo no rio Araguaia, tradicionalmente voltado à pesca entre os meses de março e outubro, começa a ganhar novos contornos desenhados sob a coordenação da equipe do professor Fabrício. A proposta é a abertura de uma terceira frente: o turismo de observação de vida selvagem, que visa romper com a forte sazonalidade da atividade econômica, que sofre uma queda brusca durante a piracema — período de reprodução dos peixes, quando a pesca é proibida e a população ribeirinha fica desprovida de atividades econômicas relacionadas ao rio. A abordagem surge como uma alterativa sustentável e estratégica para garantir renda às comunidades locais ao longo de todo o ano, e fortalecendo o Araguaia como destino de ecoturismo no Brasil.

Segundo o professor Fabrício Barreto, a iniciativa parte da constatação de que o Araguaia possui um vasto potencial natural ainda pouco explorado, que é o turismo de contemplação da natureza aproveitando as belezas naturais que existem. A região abriga uma rica biodiversidade facilmente observável, com espécies emblemáticas como o tuiuiú, a cigana, botos, capivaras, jacarés e, ocasionalmente, até onças-pintadas. “É um tipo de turismo já consolidado no Pantanal e que tem tudo para crescer aqui também”, afirma o coordenador do projeto.

Com esse foco e para incentivar a atividade, o professor Fabrício conta que foram realizados cursos de capacitação em Luiz Alves e São Félix do Araguaia, em parceria com profissionais experientes que atuam no Pantanal. A formação teve uma grande receptividade e foi realizada com o objetivo de preparar moradores locais para desenvolver atividades de observação da fauna e contemplação da natureza, aproveitando as paisagens únicas e a cultura da região. Além da vida selvagem, o projeto também aposta no etnoturismo, com a criação de roteiros que incluem a visita a aldeias indígenas.

Estamos com esse roteiro bem maduro e esse ano vamos testá-lo com operadores de turismo com a ideia de que eles possam oferecer nas prateleiras para o público em geral”, destacou Fabrício Barreto.

Conhecendo o turista

Entrevistas para traçar o perfil dos turistas. Foto: Arquivo Araguaia Vivo

Em várias frentes de trabalho, os pesquisadores realizaram no ano passado um estudo do perfil do turista que visita o rio, principalmente no período de alta temporada, para entender suas motivações, de onde vêm, o grau de satisfação, o comportamento deles no rio, aspectos que gostariam que fossem melhorados e assim traçar o perfil deste turista para entender como eles interagem com o rio, como melhorar essa experiência e até mesmo subsidiar ações de educação ambiental e de oferta de atividades.

Em julho de 2025, os pesquisadores estão fazendo o levantamento dos ranchos – estruturas construídas nas praias para receber os turistas – desenvolver e aplicar protocolo de avaliação dos indicadores de sustentabilidade das atividades turísticas e da qualidade ambiental dos locais de maior visitação (tipo de lixo, se são separados, se captam água do rio, número de pessoas e ocupação das praias).

A Pesca

Peixe Rubinho- Foto: Ricardo Ezequiel Ramos Lino

Uma das lacunas encontradas pelos pesquisadores do Araguaia Vivo era a falta de dados básicos sobre os estoques pesqueiros da região, informação fundamental para o manejo sustentável da pesca. “Até recentemente, faltavam dados básicos sobre os estoques pesqueiros da região, dificultando ações de manejo e conservação”, explica o professor. Essa lacuna começou a ser preenchida em 2024 com o projeto Monitoramento Participativo da Pesca no Rio Araguaia. Um dos destaques do levantamento foi o primeiro registro da espécie Aguarunichthys tocantinensis, popularmente conhecida como rubinho, no rio Araguaia. Essa espécie é considerada criticamente ameaçada de extinção, e sua identificação na região pode gerar impactos significativos nas políticas públicas de conservação.

O projeto adotou uma abordagem inovadora ao transformar 50 guias de pesca locais em cientistas cidadãos. Equipados com diários de pesca, eles registraram voluntariamente os detalhes das expedições pesqueiras que acompanhavam, enquanto pesquisadores realizaram entrevistas mensais com pescadores nos portos das cidades goianas do médio Araguaia, durante a temporada de pesca (de março a outubro). Os resultados deste trabalho foram consolidados no Boletim da Pesca e estão sendo apresentados em encontros públicos realizados na cidade de Aruanã, no distrito de São José dos Bandeirantes e no povoado Luiz Alves, com forte presença da comunidade e dos guias participantes.

Para o professor Fabrício, “o monitoramento participativo fortalece o protagonismo das comunidades ribeirinhas na gestão dos recursos naturais, estreitando os laços entre ciência e sociedade”. Além disso, reforça a conscientização sobre a importância da conservação da pesca sustentável. O professor afirma que esta devolutiva faz com que os guias se sintam valorizados e parceiros da ciência, em caso de algum problema ambiental, como por exemplo mortandade de peixes eles se tornam um meio de comunicação direto com os pesquisadores.

Iury, guia ciência-cidadã. Foto: Araguaia Vivo

No subprojeto foram monitoradas, nos dois primeiros anos, 1666 pescarias registradas nas regiões de Aruanã, Bandeirantes, Luiz Alves e São Félix do Araguaia, resultando na captura de 17 mil peixes de 24 espécies. Para esses registros de pesca, 4.578 pescadores foram envolvidos. Entre as espécies mais pescadas estão o mandubé, barbado, pacu, piranha, dourada e cachorra-facão, que juntas representaram 81% do total.

Os dados também revelaram variações sazonais importantes: peixes de grande porte, como piraíba e pirarara, apresentaram maior rendimento de pesca (chance de capturar o peixe) entre os meses de abril e maio. As informações coletadas formam agora uma base inédita e essencial para avaliar a vulnerabilidade dos estoques frente a impactos ambientais como mudanças climáticas, assoreamento e desmatamento, temas prioritários para a segurança econômica e alimentar das comunidades locais.

O Rio
O Araguaia é um dos grandes rios do Brasil. Percorre 2.114 quilômetros desde a sua nascente, no sul do Estado de Goiás, até sua união como rio Tocantins, já na região Norte. No “coração” do Brasil, a planície de inundação é uma das mais importantes planícies alagáveis brasileiras, com uma área de drenagem de aproximadamente 387 mil km², abrangendo 145 sedes municipais. Trata-se de uma região que serve como um importante corredor ecológico, conectando diferentes ecossistemas e populações de várias espécies, incluindo as onças-pintadas, além da sua importância no contexto de segurança hídrica para o estado de Goiás, região Centro-Oeste e para o Brasil.

Fapeg na mídia. Reportagem da Televisão Anhanguera. Assista ao vídeo:

https://g1.globo.com/go/goias/videos-ja-1-edicao/video/programa-araguaia-vivo-une-pesquisadores-e-moradores-para-fortalecer-turismo-no-araguaia-13785596.ghtml

Entrevistas para traçar o perfil dos turistas. Foto: Arquivo Araguaia Vivo

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