Estudo investiga dificuldades de acesso dos usuários do SUS ao serviço de saúde bucal
Ao identificar os obstáculos, os pesquisadores pretendem colaborar com informações que subsidiem a tomada de decisões para o planejamento e execução de políticas e ações intra e intersetoriais que ampliem o acesso e melhore a qualidade do serviço na Atenção Primária do SUS. A pesquisa conta com apoio da Fapeg por meio do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS)
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg
Quais obstáculos (geográficos, temporais, culturais) os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) encontram para a utilização dos serviços de saúde bucal? Qual o grau de satisfação destas famílias e comunidades com estes serviços disponibilizados pelo SUS? Quais as possíveis associações entre as dificuldades de acesso, a satisfação e as características dos indivíduos e das unidades participantes?
Uma equipe, coordenada pela professora Lidia Moraes Ribeiro Jordão, da Universidade Federal de Goiás (UFG), composta por professores da Faculdade de Odontologia da UFG, estudantes de graduação e pós-graduação e cirurgiões-dentistas da Secretaria Municipal de Saúde que atuam na Diretoria de Atenção Primária e Promoção da Saúde e em Centro de Saúde da Família vai investigar estas questões por meio de um projeto de pesquisa intitulado “Acesso ao cuidado em saúde bucal na Atenção Primária à Saúde em Goiânia: obstáculos enfrentados pelos usuários, famílias e comunidades.”
O projeto foi um dos 20 selecionados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) por meio da Chamada Pública nº 05/2020 – 7ª Edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS). “O fomento advindo da Fapeg/PPSUS é de vital importância para garantir o apoio (bolsas) aos estudantes de graduação e mestrado que dedicam tempo à realização da pesquisa, além de viabilizar o acesso a softwares específicos para processamento dos dados”, diz Lidia Jordão.
Os pesquisadores esperam identificar fatores que impeçam ou dificultem a entrada e permanência do usuário na rede de atenção à saúde bucal, quando possui uma necessidade relacionada à saúde bucal, além de agregar informações sobre a satisfação dos usuários, família, profissionais de saúde e comunidade. Ao identificar estas informações, eles pretendem subsidiar a tomada de decisões para o planejamento e execução de políticas/ações intra e intersetoriais, de forma a ampliar o acesso e melhorar a qualidade do serviço de saúde bucal. “Espera-se que os elementos dificultadores do acesso identificados nesta pesquisa gerem soluções classificadas como tecnologias leves (processos gerenciais e de saberes) que possam ser extrapoladas para os serviços de saúde públicos (transferência de conhecimento)”, explica Lidia Jordão.
Saúde bucal
A saúde bucal tem íntima relação com a saúde geral do ser humano, pois a boca interage com todas as estruturas do corpo. Componente fundamental da saúde e do bem-estar físico e mental, a saúde bucal inclui a capacidade de falar, sorrir, saborear, mastigar, engolir e transmitir uma variedade de emoções, com confiança e sem dor ou desconforto e sem doença do complexo craniofacial, com repercussão na qualidade de vida. Na região Centro-Oeste, 78,4% da população adulta necessita de tratamento odontológico, número maior que a média nacional, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil2010).
Atenção primária
A atenção primária em saúde bucal constitui a porta de entrada principal para acesso do usuário ao SUS. Refere-se às diversas ações e serviços que abrangem aspectos de promoção e proteção da saúde bucal, ofertadas em nível individual e coletivo, além de ações relacionadas ao diagnóstico precoce e tratamento de doenças bucais, bem como recuperação, configuradas no atendimento clínico individual.
No nível populacional, constam ações como, a adição de flúor nas águas de abastecimento, campanhas de prevenção do câncer bucal ou as atividades de educação em saúde bucal – orientações de higiene bucal e escovação supervisionada – realizadas em escolas, no contexto do Programa Saúde na Escola.
De forma individual, as ações ocorrem nos consultórios odontológicos públicos localizados nas unidades básicas de saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da assistência clínica aos usuários. “As atividades clínicas, neste contexto específico, envolvem procedimentos de menor densidade tecnológica, capazes de prevenir e resolver a maior parte dos problemas de saúde bucal da população. Os casos mais complexos, que não são resolvidos no nível da atenção primária, como por exemplo, tratamento de canal (endodontia), cirurgias, próteses totais, são encaminhados aos Centros de Especialidades Odontológicas, assim como para outras instâncias do SUS, como hospitais – por exemplo, nos casos de tratamento do câncer bucal – para sua resolução”, explica Lidia Jordão.
A professora ressalta que, em geral, a busca por estes serviços, nas unidades básicas de saúde é bastante acentuada devido a diversos fatores, entre eles ela cita os de ordem social e econômica. “A maior parte da população brasileira depende de forma exclusiva dos serviços públicos de saúde, uma vez que os mesmos são ofertados de forma gratuita, com boa qualidade, contrapondo-se aos procedimentos de alto custo prestados pela rede privada”.
No contexto das ações clínicas, ela aponta alguns procedimentos mais procurados: ações de orientação em saúde bucal, procedimentos preventivos, exame clínico, visita domiciliar, raspagem periodontal (remoção de tártaros), profilaxia e polimento, restaurações simples, extrações dentárias, bem como atendimentos de urgência para alívio de sofrimento, como em casos de dor de dente, abscessos infecciosos e traumatismos bucais.
Pandemia
Lídia Jordão explica que, com a pandemia de Covid 19, no município de Goiânia, assim como em várias cidades brasileiras, a Secretaria de Saúde interrompeu a oferta desses serviços, devido ao alto risco de transmissibilidade do novo coronavírus no ambiente clínico do consultório odontológico, assim como foi realizado por outras secretarias em todo território nacional. Segundo ela, foram mantidos apenas atendimentos de urgência em unidades de saúde de pronto atendimento à saúde, com a realização limitada de procedimentos básicos que não podiam ser adiados.
A pesquisadora acredita que esse lapso deverá provocar sérios prejuízos à saúde bucal da população usuária do SUS, já que ações preventivas e de tratamento precoce deixaram de ser realizadas. “Espera-se que com o avanço das ações de imunização da população e dos profissionais de saúde, este serviço seja reativado em breve, atendendo aos protocolos de biossegurança para evitar possíveis transmissões do coronavírus, tornando a garantir a continuidade desses serviços, resgatando o direito à saúde bucal da população”.
A pesquisa
Os participantes do estudo serão adultos selecionados nas populações que compõem o território dos Distritos Sanitários de Goiânia. A professora explica que a coleta de dados será realizada em duas etapas: aplicação de questionário e realização de grupos focais.
Segundo ela, serão convidados informantes-chave (líderes comunitários, agentes comunitários de saúde, coordenadores de equipamentos sociais e membros dos conselhos locais de saúde) para participar de grupos focais on-line, responder questionário eletrônico autoaplicável e multiplicar o questionário em suas comunidades. “Os grupos focais serão guiados por roteiro pré-estabelecido, gravados e conduzidos por moderador com experiência nesta técnica e na temática. Terá como referência a Carta dos direitos dos usuários do SUS”, ressalta a professora.
Já o questionário será validado e pré-testado e incluirá variáveis sociodemográficas e questões quanto às experiências prévias com o serviço odontológico público e tentativas de acesso, bem como obstáculos encontrados.
Barreiras já conhecidas
Estudos na literatura apontam que o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é um entrave que limita a aplicação de recursos, além da influência política na interrupção de programas de saúde, esclarece Lidia Jordão. “Há diferentes barreiras que impedem ou dificultam o acesso, como a cobertura parcial das equipes de saúde bucal na Estratégia Saúde da Família e a ausência de percepção da necessidade de cuidados odontológicos, inclusive preventivos, por parte dos usuários”, aponta ela.
Há ainda outras limitações, como a distância física entre a unidade e os usuários e os meios de locomoção que podem dificultar o acesso. “A disponibilidade temporal de abertura da unidade, de forma que horários restritos que conflitam com o horário de trabalho de usuários tendem a ser fatores impeditivos para o acesso, além da própria pandemia de Covid-19, que levou à suspensão dos atendimentos odontológicos no SUS, com exceção da urgência, apesar de iniciativas para retomá-lo”, enumera Lidia Jordão.
Equipe
Lidia Moraes Ribeiro Jordão ministra disciplinas e estágios em Odontologia Coletiva e Educação Popular em Saúde (graduação) e Educação no Ensino Superior (pós-graduação) na Faculdade de Odontologia e no Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Compõem a equipe: a pesquisadora colaboradora Profa. Dra. Maria do Carmo M. Freire, docente do PPGO/UFG; o pesquisador colaborador Dr. Newillames Gonçalves Nery, Cirurgião-dentista da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia; a pesquisadora colaboradora Ms. Érika Fernandes Soares, da equipe da Diretoria de Atenção Primária da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia; o pesquisador Yuri Cavalcante, mestrando no Programa de Pós-graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia da UFG; e a pesquisadora Gabriela Montenegro dos Anjos Gonçalves, estudante de graduação em Odontologia da Universidade Federal de Goiás.