Estudo vai avaliar ISTs em segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade socioeconômica

Coleta de material
Coleta de material na cavidade oral. Foto da internet semelhante ao que será feito na pesquisa.

Mulheres transgêneras, gays e pacientes atendidos no Centro Goiano de Doenças da Boca, da UFG, estão entre a população-chave. A proposta é reduzir a invisibilidade de dados oficiais e melhorar o atendimento dessa população pelo SUS. A pesquisa conta com apoio da Fapeg por meio do PPSUS e traz um método inovador de coleta de patógenos.

Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg

 

As infecções sexualmente transmissíveis (IST) são um problema significativo de saúde pública. Com a proposta de fornecer dados no âmbito epidemiológico (estimar prevalência e analisar fatores de risco associados às IST) em diferentes segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade social e econômica, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) vão desenvolver um projeto que prevê o rastreamento de infecções causadas pelas bactérias Chlamydia trachomatis (CT) e Neisseria gonorrhoeae (NG) e pelo herpesvírus humano (HHV) e papilomavírus humano (HPV).

A população-chave do estudo são mulheres transgêneras, gays, outros homens que fazem sexo com homens (HSH) e pacientes atendidos no Centro Goiano de Doenças da Boca da Faculdade de Odontologia da UFG, especializado em atender pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A distinção entre gays e HSH é que a primeira categoria contempla pertencimento e identificação, enquanto a segunda se encerra nas práticas sexuais e afetividades. A pesquisa vai inovar por utilizar um método de diagnóstico menos invasivo como a coleta de material da cavidade oral e orofaringe para o rastreamento desses patógenos.

Os trabalhos serão coordenados pela professora doutora Juliana Lamaro Cardoso, chefe do Departamento de Biociências e Tecnologia (Debiotec), do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da UFG e pela professora doutora Megmar Aparecida dos Santos Carneiro, também do IPTSP-UFG.

Esta população-chave, segundo Juliana Lamaro, tem elevado grau de exposição às ISTs devido a alguns fatores comportamentais ou estruturais que podem levar às condições de extrema vulnerabilidade, definida por parâmetros econômicos e sociais que incluem as situações de violência, pobreza, preconceito, estigma, discriminação e criminalização, que contribuem para ampliar as barreiras de acesso às ações de saúde.

Método inovador
Juliana Lamaro acredita que a coleta de material da cavidade oral e orofaringe para o rastreamento terá maior aceitabilidade e aplicabilidade em pacientes atendidos pelo SUS, principalmente na atenção primária. A coleta será realizada por esfoliação da mucosa oral em todo o palato mole e duro, assoalho da boca, superfícies dorsal e ventral da língua e orofaringe com uma escova tipo cytobrush, sendo que uma escova será utilizada para a cavidade oral e outra para a orofaringe.

A pesquisadora explica que a utilização de sítios extragenitais como a cavidade oral e orofaringe não é usual para detectar essas doenças, porém acredita-se que estes locais extragenitais sirvam como reservatórios ocultos e desempenhem um papel crítico na transmissão e sustentação das taxas elevadas de ISTs. “A triagem de sítios extragenitais tem sido defendida em vários cenários clínicos e de saúde pública, é uma prática emergente com base em estudos recentes de países ocidentais, destacando elevada prevalência de infecção nesses locais”, relata a pesquisadora.

Riscos das ISTs
Juliana Lamaro explica que as infecções ocasionadas pelas bactérias Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae e pelo herpesvirus humano e papilomavírus humano são frequentemente assintomáticas e tratáveis com antibióticos atualmente disponíveis no mercado, no entanto, a resistência antimicrobiana é uma ameaça crescente. “Se não tratadas, as ISTs podem causar várias complicações graves, mortes e aumentar os riscos de aquisição e transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV-1) e outras relacionadas ao desenvolvimento de lesões pré-neoplásicas e câncer, como o carcinoma escamoso da cavidade oral e orofaringe”, explica.

Já as infecções causadas pelo papilomavírus humano não possuem tratamento, mas existem vacinas disponíveis para o controle da infecção e transmissão,” explica. Segundo ela, o SUS oferece a vacina contra o HPV para o público-alvo, de acordo com os critérios do Ministério da Saúde, “mas a grande maioria da população incluída no estudo não tem conhecimento sobre esta disponibilidade da vacina”, completa.

A infecção por HPV é considerada uma das ISTs mais comuns, destaca Juliana Lamaro. Segundo a pesquisadora, na maior parte dos casos, são assintomáticas e autolimitadas, entretanto, infecções persistentes com tipos de HPV de alto risco oncogênico podem levar ao desenvolvimento de lesões pré-neoplásicas e câncer. “Acreditamos que encontraremos uma elevada prevalência de HPV neste grupo de estudo devido as situações de extrema vulnerabilidade. Mas, estudos conduzidos em outros países também evidenciaram prevalências elevadas de Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae”, destaca.

A pesquisa
O público estimado para a pesquisa é de mil pessoas, sendo 300 mulheres transgêneras, 300 gays/HSH e 400 pacientes provenientes da Faculdade de Odontologia, todos com idade igual ou superior a 18 anos.

Juliana Lamaro ressalta que este é o primeiro estudo que busca investigar estas ISTs em populações empobrecidas em Goiás. “Recentemente nosso grupo de pesquisa publicou dados sobre outras infecções em outros grupos em situação de vulnerabilidade (prevalência de Hepatite C em usuários de drogas; prevalência de sífilis e HIV entre moradores de rua).

Especificamente, a equipe da professora Juliana vai analisar os potenciais fatores de risco associados às infecções por HPV, HHV, CT e NG nestes segmentos populacionais; correlacionar os genótipos circulantes do HPV nesses grupos com os da vacina contra HPV disponibilizada pelo SUS/PNI; desenvolver ações educativas multidisciplinares, envolvendo professores e estudantes inseridos

Juliana Lamaro
Juliana Lamaro. Foto: Arquivo da pesquisadora

no âmbito da saúde, na prevenção combinada de ISTs em diferentes segmentos populacionais.

E ainda, detectar determinantes de resistência antimicrobiana nas NG isoladas; estimar a prevalência de HPV, HHV, CT e NG na cavidade oral e orofaringe nos grupos estudados; identificar os genótipos do HPV circulantes nesses indivíduos; produzir materiais de informação (cartilhas e panfletos) visando levar o conhecimento dos fatores de risco, e medidas de prevenção à transmissão das ISTs às populações estudadas; e verificar o conhecimento sobre ISTs nos diferentes segmentos populacionais do estudo.

Resultados
“Acreditamos que os resultados obtidos poderão ser aplicados no planejamento e implementação de ações e programas de prevenção e controle dessas infecções, principalmente nesses segmentos populacionais, diminuindo a invisibilidade de dados oficiais e melhorando o atendimento dessa população no Sistema Único de Saúde no estado de Goiás,” ressalta a pesquisadora. Para ela, o desenvolvimento do projeto e os dados gerados terão aplicabilidade primordial para o SUS. “Vamos fornecer dados epidemiológicos sobre o conhecimento de ISTs deste segmento populacional, além do rastreamento destas doenças em uma população praticamente não assistida pelo SUS.

PPSUS
A pesquisa será desenvolvida nos próximos dois anos. O projeto de pesquisa intitulado “Rastreamento de papilomavírus humano, Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae e herpesvírus humano na cavidade oral e orofaringe: Prevenção de infecções sexualmente transmissíveis em populações em situação de vulnerabilidade socioeconômica” foi selecionado pela Fapeg por meio da Chamada Pública 05/2020 – 7ª edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS). O valor fomentado será de R$ 117.200,00. 

Juliana Lamaro considera o PPSUS de extrema importância para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, e imprescindível para os pesquisadores do Estado de Goiás. “O PPSUS fortalece as ações de fomento à pesquisa em saúde com temas prioritários, levando em consideração os problemas de saúde da população em nível regional, assim como dos sistemas e serviços que necessitam de conhecimento científico para sua resolução”.

*Juliana Lamaro Cardoso leciona as disciplinas de Microbiologia e suas derivações para diversos cursos da área de Ciências Biológicas da UFG (Medicina, Biomedicina, Odontologia, Farmácia, Enfermagem, Nutrição, Engenharia de alimentos, Biologia, Biotecnologia, Medicina Veterinária, entre outros).

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