Intervenção educativa demonstra eficácia para adesão de puérperas ao tratamento da sífilis
A intervenção propiciará resultados relevantes para o SUS, contribuindo para a prevenção de complicações da sífilis, além de diminuir a disseminação da doença
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg
A sífilis tem sido motivo de preocupação no cenário mundial. Estima-se que 11 milhões de adultos são infectados pela bactéria Treponema pallidum por ano em todo o mundo. No Brasil, a situação epidemiológica dessa infecção é alarmante, fato evidenciado pelo quantitativo elevado de notificações. Segundo dados do Ministério da Saúde (2019), em 2018, foram registrados, no Brasil, 62.599 casos de sífilis em gestantes e 26.219 casos de sífilis congênita que resultaram 895 óbitos. O Estado de Goiás registrou, neste mesmo ano, 3.664 casos de sífilis gestacional e 543 casos de sífilis congênita.
Pesquisa sob a coordenação da professora Janaína Valadares Guimarães, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (UFG) concluída em setembro deste ano, avaliou a efetividade de uma intervenção educativa em puérperas com sífilis e suas parcerias sexuais, bem como os fatores de risco associados à sífilis gestacional e congênita. “O projeto de pesquisa envolveu uma equipe de alunas de graduação, mestrado e doutorado e o resultado evidenciou a eficácia do uso da intervenção educativa para melhora do conhecimento e da adesão terapêutica após a alta hospitalar, fortalecendo o autocuidado”, destacou a professora.
Foi um estudo clínico randomizado conduzido em puérperas expostas ao Treponema pallidum na gestação atendidas em três maternidades públicas de referência em gestação de alto risco do Estado de Goiás. O projeto teve fomento do Governo de Goiás por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), pela Chamada Pública 4/2017 do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS). Segundo a pesquisadora, o apoio da Fapeg possibilitou a aquisição dos insumos necessários para a execução do estudo, notebook, materiais de consumo e didáticos, além do incentivo à mobilidade dos pesquisadores e auxiliares para execução do projeto e divulgação dos resultados em eventos científicos.
“Na prática clínica verifica-se a persistência da sífilis no puerpério decorrente do tratamento inadequado da gestante e sua parceria sexual durante o pré-natal, culminando na transmissão vertical da doença”, relata a professora. Ela aponta que no momento atual de epidemia da sífilis no Brasil e no mundo com vistas a uma imediata ação de controle, sua pesquisa se torna importante por demonstrar que a intervenção educativa associada ao seguimento pode contribuir para adesão ao tratamento e destaca as possíveis fragilidades do sistema de saúde no contexto da prevenção da sífilis gestacional e dos desfechos adversos da gestação devido a exposição ao Treponema pallidum.
Conclusão
A professora Janaína Guimarães destaca que o estudo demonstrou uma frequência maior de puérperas reagentes ao T. pallidum entre jovens, pardas, com parceria sexual fixa e que vivem em condições socioeconômicas desfavoráveis. Ressalta também que houve predomínio de multíparas, com pré-natal realizado no serviço público de saúde, diagnósticos de sífilis no pré-natal e não realização dos exames de triagem do terceiro trimestre de gestação.
O estudo dividiu as participantes em dois grupos: com intervenção educativa (GI) e com orientação habitual (GC). Ficou comprovado que o conhecimento prévio das puérperas sobre sífilis avaliado em ambos os grupos foi inadequado e que, após a aplicação do pós-teste, as puérperas do grupo que recebeu a intervenção educativa exibiram um escore de conhecimento significativamente maior em relação ao pré-teste e, consequentemente, apresentou maior adesão ao tratamento quando comparado às puérperas do GC. “Dessa forma, evidencia-se a eficácia do uso da intervenção educativa para melhora do conhecimento e da adesão terapêutica após a alta hospitalar, fortalecendo o autocuidado”, explica a professora.
“A pesquisa confirma a necessidade de investimentos na melhoria da qualidade da assistência ofertada às mulheres durante todo o período do ciclo gravídico puerperal, considerando a magnitude da sífilis e suas repercussões”, frisa a pesquisadora.
A doença
A sífilis gestacional é uma infecção sexualmente transmissível causada pelo Treponema pallidum que ocorre na gestação e que pode ser transmitida via transplacentária da mãe para o filho levando à sífilis congênita. “Essa infecção é grave e se não tratada ou tratada de forma inadequada pode causar graves efeitos adversos para o concepto como: aborto, óbitos fetal e neonatal, má-formação, prematuridade, baixo peso ao nascer e comprometimento no crescimento e desenvolvimento,” relatou a pesquisadora.
Importância da pesquisa
Para Janaína Valadares, no âmbito da Atenção Primária, os produtos dessa pesquisa possibilitarão: a criação de protocolos de intervenção educativa com seguimento sistematizado para o combate à sífilis gestacional, e consequentemente da sífilis congênita; a capacitação de enfermeiros da Estratégia Saúde da Família (ESF) de Goiânia para o atendimento e seguimento das gestantes expostas ao Treponema pallidum e suas parcerias sexuais até a ocorrência do tratamento adequado.
Janaína recomenda que as gestantes que não comparecem à consulta pré-natal, sejam contatadas por busca ativa pelos profissionais de saúde e/ou agentes para garantir a realização do rastreamento sorológico para Treponema pallidum e outras doenças. “A mulher no ciclo gravídico puerperal que apresenta sífilis e sua parceria sexual devem ser acompanhados por meio de busca ativa ou por contato telefônico e receber reforço educativo e orientações de tratamento até a conclusão completa da terapêutica”, ressalta.
A professora recomenda ainda, a implantação do teste rápido da sífilis em todas as unidades de saúde e Estratégia Saúde da Família para que ocorra o diagnóstico imediato com tratamento oportuno das gestantes e suas parcerias sexuais. Para ela, a implementação do planejamento reprodutivo nas Unidades de Saúde e o fortalecimento da referência e contrarreferência também são estratégias que minimizam os riscos de perpetuação da sífilis em gestações futuras e favorecem o combate da transmissão vertical.
No âmbito da atenção terciária ela aponta a necessidade de implementação de um protocolo de seguimento por meio de contato telefônico destinado às puérperas expostas ao Treponema pallidum. “Para isso é importante que os profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento às puérperas com sífilis sejam capacitados a prestar atendimento e seguimento adequados até o tratamento completo e efetivo da mulher e sua parceria sexual”.
Segundo Janaína, o impacto na elevação da oferta adequada de serviços de saúde com uma intervenção de curto prazo, ou seja, durante período puerperal, propicia resultados relevantes para o SUS com a prevenção dos desfechos adversos causados pela doença na mãe, parceria sexual e criança, contribuindo para o SUS como uma ação de prevenção às complicações da sífilis, ao mesmo tempo em que diminui a disseminação da doença por meio de tratamento e aconselhamento efetivos. “Além de impactar nos maiores entraves, que são a subnotificação da sífilis e acompanhamento do pós-tratamento”, acrescenta.
Etapas da pesquisa
Para avaliar o impacto da pesquisa, a intervenção educativa proposta pela pesquisadora ocorreu em cinco momentos:
1º Aplicação do pré-teste de conhecimento sobre sífilis e do instrumento de coleta de dados para verificação dos fatores de risco;
2º- Intervenção educativa por meio da apresentação de um conjunto de orientações com material ilustrativo relacionado à sífilis (tratamento, manifestações clínicas e transmissão vertical);
3º- Contato telefônico com as puérperas e sua parceria sexual para acompanhamento do tratamento, reforço da intervenção e esclarecimento de dúvidas;
4º- Aplicação do pós-teste para verificação do conhecimento adquirido pelas puérperas após as intervenções educativas;
5º- Avaliação do tratamento quanto à adequação, três meses após a primeira intervenção educativa.