Goiás desenvolve projeto pioneiro para monitoramento ambiental aquático
As metodologias padronizadas, os novos protocolos desenvolvidos e os resultados obtidos com a pesquisa utilizando biomarcadores no zebrafish poderão ser aplicados em diversos contextos que visem a conservação da biodiversidade e monitoramento do ecossistema aquático em todos os Estados do Brasil.
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg
Implementar um sistema de biomonitoramento aquático por meio da análise de múltiplos biomarcadores no zebrafish. Esta é a proposta do projeto de pesquisa BioLeVe, pioneiro no Brasil, que está sendo desenvolvido como forma de contribuir para a manutenção dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade e para o monitoramento ambiental e uso sustentável dos recursos na Reserva Particular de Desenvolvimento Sustentável Legado Verdes do Cerrado (RLVC), em Niquelândia (GO).
O zebrafish, também conhecido como paulistinha ou peixe-zebra, é um pequeno teleósteo (3 a 4 cm), da espécie Danio rerio, tropical de água doce. Nos últimos anos vem atraindo a atenção da comunidade científica como sistema-modelo para estudos comportamentais, genéticos, toxicológicos e para desvendar o mecanismo de diversas doenças humanas e para testar novos agentes terapêuticos ou produtos biotecnológicos.
Coordenado pelo professor doutor Thiago Lopes Rocha, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o projeto conta com uma equipe multidisciplinar de estudantes de graduação, pós-graduação (mestrado e doutorado) e pesquisadores da UFG e Universidade Estadual de Goiás (UEG), além de colaboradores de diversas universidades nacionais e internacionais. O projeto conta com fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).
O projeto
O BioLeVe prevê a análise dos parâmetros físicos e químicos da água (rios) associada à avaliação de múltiplos biomarcadores por meio do teste de embriotoxicidade com o zebrafish (ZET). Os dados ecotoxicológicos serão avaliados conjuntamente com a análise do solo e classificação da paisagem.
Os pesquisadores estão avaliando o potencial efeito embriotóxico e teratogênico induzido pela exposição dos embriões do zebrafish às amostras de água e sedimento colhidas nos rios da reserva Legado Verdes do Cerrado. Pretendem também identificar e quantificar as alterações morfológicas ao longo do desenvolvimento do zebrafish exposto às amostras de água e sedimento; caracterizar os biomarcadores histopatológicos nas larvas de zebrafish; e classificar as amostras de água e sedimento da reserva de acordo com a presença de contaminantes e efeitos ecotoxicológicos.
Além desse objetivo principal, o projeto está contemplando um subprojeto (um estudo também pioneiro) sobre os efeitos da antropização da paisagem na diversidade de endoparasitos de peixes (ictioparasitofauna) da bacia do alto Rio Tocantins e, consequentemente, a composição e diversidade da fauna de peixes (ictiofauna). O zebrafish vem sendo utilizado como sistema-modelo para análise da qualidade da água na Reserva LVC e vai poder contribuir para a conservação da biodiversidade do Cerrado.
Pioneirismo em biomonitoramento
O aumento da poluição aquática constitui um problema crescente, especialmente devido ao seu impacto na saúde humana e ambiental, com consequente diminuição da biodiversidade. Os rios do Cerrado estão susceptíveis à poluição devido às atividades agropecuárias, aplicação de agrotóxicos nas lavouras, emissão de efluentes industriais e urbanos, atividades turísticas, e inúmeras outras fontes de poluição.
O biomonitoramento através das análises químicas das amostras ambientais (água ou sedimento) possibilita a quantificação dos poluentes na água, mas não fornecem informações sobre sua biodisponibilidade e efeitos nocivos dos poluentes aos organismos, explica o professor Thiago. “Assim, a complementação das informações abióticas com o uso de múltiplos biomarcadores em peixes é uma estratégia que poderá ser recomendada e incluída em projetos de monitoramento da qualidade ambiental na busca de informações sobre a integridade de ecossistemas aquáticos. Neste contexto, o Projeto BioLeVe é pioneiro no Brasil quanto à utilização do sistema-modelo zebrafish em programas de biomonitoramento em Reserva”, ressalta o pesquisador.
Segundo ele, os resultados do projeto também vão contribuir para o desenvolvimento de tecnologias aplicadas ao biomonitoramento do ecossistema aquático que poderão ser aplicadas em todos os Estados do Brasil. O projeto também vem contribuindo para o estabelecimento ou modificação de diversos protocolos do teste de embriotoxicidade com o zebrafish (ZET) aplicado ao biomonitoramento ambiental. Desse modo, esses protocolos contribuirão com o projeto BioLeVe e com o desenvolvimento de projetos futuros sobre biomonitoramento e análises ecotoxicológicas de água e sedimentos.
Rio Traíras
Os trabalhos estão concentrados basicamente no canal principal do Rio Traíras, com pontos de coleta localizados na Reserva, que possui uma área de 32 mil hectares. O Traíras é um dos rios de destaque para o município de Niquelândia por ser o manancial de captação de água para abastecimento público, além da sua relevância ambiental. Localizado no trecho superior da bacia do Rio Tocantins, é um dos afluentes pela margem direita do Rio Maranhão. Este, juntamente com o Rio das Almas são os formadores do Reservatório da Usina Hidroelétrica (UHE) de Serra da Mesa.
Apoio da Fapeg
Denominado BioLeVe: Biomonitoramento do ecossistema aquático da Reserva Legado Verdes do Cerrado através de abordagem integrada com o sistema-modelo zebrafish (Danio rerio), o projeto foi um dos selecionados por meio da Chamada Pública 04/2018 – Conservação da Natureza – Legado Verdes do Cerrado lançada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) em parceria com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e a empresa Reservas Votorantim. A chamada teve como objetivo apoiar propostas que pudessem contribuir efetivamente para a conservação da natureza, no âmbito da Reserva Legado Verdes do Cerrado. A pesquisa recebeu R$ 100 mil para a sua execução, que teve início no dia 11 de dezembro de 2018 e previsão de término em dezembro deste ano.
Thiago Rocha ressalta que nos últimos anos o Brasil sofreu vários desastres ambientais, e por isso considera fundamentais o incentivo e o financiamento de projetos como este, que visem o desenvolvimento de tecnologias aplicadas à promoção da saúde humana e ambiental.
Etapas da pesquisa
O projeto teve início com as visitas técnicas para a elaboração do planejamento estratégico da pesquisa. Em uma primeira fase, a equipe realizou a análise e classificação do uso do solo. As amostras de água e sedimento foram coletadas em três companhas [duas campanhas no período seco (julho/2019 e outubro/2019) e uma no período chuvoso (janeiro/2020)] para caracterizar as variações anuais dos seus parâmetros físicos e químicos. A quarta/última coleta seria realizada em abril de 2020, mas o professor Thiago explica que teve que ser adiada devido à pandemia da Covid-19 para novembro de 2020. Os parâmetros físicos e químicos da água foram analisados em campo, com auxílio de uma sonda multiparâmetro, e em laboratório, seguindo as metodologias recomendadas internacionalmente.
Thiago explica que a etapa de quantificação dos metais está em andamento. Ele ressalta que a coleta, caracterização e análise toxicológica de sedimento para estudos complementares à proposta original do projeto foi feita uma vez que a região pode apresentar metais associados aos sedimentos devido ao histórico de mineração na região.
O pesquisador comenta ainda sobre as outras etapas do projeto de pesquisa. Após a reprodução dos peixes (Danio rerio) em condições laboratoriais no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP – UFG) e obtenção dos embriões viáveis, o teste de embriotoxicidade com o zebrafish (ZET) foi conduzido com as amostras de água e sedimentos coletadas na reserva e diversos biomarcadores foram analisados. Também foi realizada uma análise complementar sobre a caracterização da embriotoxicidade dos metais Níquel e Cobalto (ambos extraídos na região) no zebrafish.
Registros de etapas do projeto BioLeVe
Além disso, por meio de um levantamento preliminar da ictiofauna, foram coletados mais de 200 espécimes de peixes, representados por 11 famílias, 23 gêneros e 35 espécies de peixes. Mais de 1500 parasitos de peixes foram coletados e estão em fase de identificação das espécies. Segundo Thiago, anteriormente ao Projeto BioLeVe, não haviam estudos sistematizados sobre peixes na Reserva LVC. “Esse será o primeiro estudo científico a incluir dados ictiológicos do rio Traíras no planejamento de conservação dessa Reserva”, esclarece. Ele explica ainda que coletas adicionais serão necessárias para a elaboração de um checklist da ictiofauna, que poderá ser acrescido ao aparecimento de novas espécies de peixes para a ciência, bem como novos registros de ocorrência e/ou espécies que sejam endêmicas da região.
Análise preliminar
Resultados parciais da pesquisa indicam que a água do rio Traíras apresenta boa qualidade de água e baixa toxicidade para os embriões e larvas do zebrafish, analisa o professor. Por outro lado, os testes iniciais com o sedimento indicam que alguns metais podem se associar ao sedimento. “Dadas essas diferenças e a relação entre os fatores estruturais e limnológicos do habitat, espera-se uma interação complexa entre peixes e ambiente e a análise integrada desses resultados disponibilizará informações relevantes sobre a qualidade desse ecossistema. Desse modo, os resultados confirmarão a importância da reserva LVC para a conservação da biodiversidade do Cerrado”, comenta o pesquisador.
Outros benefícios
O projeto BioLeVe contempla, ainda, a formação de recursos humanos altamente qualificados em áreas estratégicas para o Brasil, como a Ecotoxicologia, Biotecnologia Ambiental, Biodiversidade e Conservação. Integram o projeto, dois planos de trabalho de iniciação científica da UFG e dois planos da UEG, bem como dois projetos de doutorado em andamento no Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Animal (PPGBAN) da UFG, sob orientação do professor Thiago Lopes Rocha.
O Projeto BioLeVe também contribuiu para o estabelecimento do Setor de Peixes do Biotério do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da UFG. A manutenção, alimentação e reprodução do sistema-modelo zebrafish (Danio rerio) foram estabelecidas no Setor de Peixes. Para isso, o professor relata que foi planejado e construído um sistema de recirculação de água para manutenção do zebrafish. Os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) para manutenção, alimentação e reprodução do zebrafish foram elaborados. Nesse sentido, além de fornecer os animais (especialmente os embriões) para o Projeto BioLeVe, o Setor de Peixes contribuirá com o desenvolvimento de diversos projetos da UFG e instituições parceiras.
Consolidação do laboratório
O Projeto BioLeVe, juntamente com outros projetos aprovados pela Fapeg e CNPq, permitiu a consolidação do Laboratório de Biotecnologia Ambiental e Ecotoxicologia (LaBAE) no IPTSP – UFG, sob coordenação geral do professor Thiago Lopes Rocha. Segundo ele, o estabelecimento do laboratório possibilitou o desenvolvimento e consolidação de novas linhas de pesquisas na UFG, como a Biotecnologia Ambiental e a Ecotoxicologia, as quais contribuíram para a reconhecimento do curso de Biotecnologia da UFG com nota 5 (nota máxima do MEC), além do desenvolvimento de diferentes planos de trabalho de iniciação científica e projetos de mestrado, doutorado e pós-doutorado em Programas de Pós-Graduação de diferentes institutos da UFG e instituições parceiras. Além disso, o laboratório é multidisciplinar e integra projetos de pesquisa, ensino, extensão e inovação.
Importância do Apoio
Thiago Rocha entende que a Chamada Pública da Fapeg foi muito importante para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação em áreas prioritárias para o Brasil. “A chamada permitiu uma maior aproximação da UFG com empresas que visam a conservação dos recursos naturais do Cerrado, como a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Possibilitou o financiamento do Projeto BioLeVe e de outros dois projetos que contemplam a biodiversidade de plantas e análise do solo, além de proporcionar a capacitação de recursos humanos, o estabelecimento de novos laboratórios, linhas de pesquisa, e ampliação do uso do sistema-modelo zebrafish em programas de biomonitoramento.
Histórico
Em março de 2017, a Fapeg assinou um Termo de Cooperação com a Reserva Votorantim para apoio a projetos de pesquisa na área de conservação. A área é uma Reserva Privada de Desenvolvimento Sustentável (RPDS) da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), criada em parceria com o Governo de Goiás, com 32 mil hectares, protegida pela Votorantim há mais de 40 anos. A reserva é a primeira unidade de conservação de Goiás desse porte e uma das primeiras do País enquadrada como Reserva Particular de Desenvolvimento Sustentável, categoria prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Fruto desse Termo de Cooperação, em maio de 2018, a Fapeg lançou a Chamada Pública nº 04/2018 para apoio à formulação e implantação de projetos de Pesquisa e Desenvolvimento na Reserva Votorantim – Legado Verdes do Cerrado, em parceria com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e com a empresa Reservas Votorantim Ltda, com investimento total para a realização de pesquisas básicas e aplicadas de R$ 300 mil, recursos de capital e custeio.