Projeto de biotecnologia para controle do carrapato recebe R$ 143 mil do Governo de Goiás

Estudo desenvolve produto de controle biológico que interrompe o ciclo reprodutivo do carrapato

Foto: Divulgação

Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg

Os carrapatos se alimentam do sangue do animal e transmitem agentes que causam doenças hemolíticas graves, conhecidas como a Tristeza Parasitária Bovina (TPB) que envolve a babesiose e a anaplasmose, responsáveis por grandes prejuízos econômicos como mortalidade no rebanho, perda de peso, diminuição na produção de leite, danos no couro, anemia. Os principais sinais no gado são febre alta, apatia, prostração, mucosas oculares amareladas, desidratação e urina escura.

O Brasil tem o maior rebanho bovino comercial do mundo, e Goiás ocupa a segunda posição no ranking nacional, segundo dados do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos de 2017. Os prejuízos do carrapato bovino, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, para a pecuária nacional são superiores a 3 bilhões de dólares por ano.

Os acaricidas químicos sintéticos ainda são os principais produtos utilizados para o controle do carrapato bovino. No entanto, ao longo do tempo, seja pela sua utilização contínua ou pela aplicação de forma errada, utilizando dosagens inferiores ou superiores às recomendadas pelos fabricantes, os carrapaticidas químicos vão se tornando ineficazes e os carrapatos resistentes a esta ferramenta química.

Devido ao desenvolvimento crescente de resistência aos acaricidas sintéticos, pesquisadores do Departamento de Biociências e Tecnologia, do Setor de Parasitologia, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, coordenados pelos professores Éverton Kort Kamp Fernandes e Lígia Miranda Ferreira Borges, estão desenvolvendo um biocarrapaticida por meio de uma técnica biológica que utiliza fungo entomopatogênico do gênero Metarhizium, um fungo encontrado naturalmente no meio ambiente, patogênico para artrópodes em geral, capaz de infectar e matar  o carrapato.

O projeto conta com fomento do Governo de Goiás, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), no valor de R$ 143.000,00. O estudo foi selecionado pela Chamada Pública nº 07/2016 (Programa de Apoio a Núcleos Emergentes – Pronem/Fapeg/CNPq). A Chamada é realizada em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e tem como público-alvo os pesquisadores que são bolsistas de produtividade do CNPq (PQ ou DT). O projeto conta ainda com o apoio da CAPES e INCT-Entomologia Molecular.

Ovoposição de Carrapatos. Foto: Divulgação

O objetivo da Chamada pública é apoiar a execução de projetos de pesquisa científica, tecnológica e de inovação dos grupos de pesquisa emergentes, formados por pesquisadores com destaque na sua área de conhecimento e com experiência na coordenação de projetos, de modo a induzir a formação de novos núcleos de excelência em pesquisa do Estado de Goiás com pesquisas que possam contribuir significativamente para o avanço e a difusão do conhecimento em área de fronteira da ciência ou da tecnologia.

Éverton Fernandes ressalta que o fomento da Fapeg é fundamental e indispensável para o desenvolvimento do projeto. “Os recursos estão sendo usados para aquisição de equipamentos, materiais e serviços, com colaboração estrangeira, e assim permitindo o andamento do projeto conforme planejado. O auxílio do Estado ao pesquisador em Goiás é fundamental para que possamos desenvolver estudos de ponta com destaque nacional e internacional”, comenta. “Este projeto financiado pela Fapeg não só permite o desenvolvimento de tecnologia para o controle de carrapatos, mas também permite a formação de recursos humanos qualificados para desenvolverem novos estudos e atuarem no mercado”, lembra o pesquisador.

Os dois coordenadores do projeto desenvolvem pesquisas exclusivamente sobre biologia e controle de carrapatos. Esses professores orientam projetos em três programas de pós-graduação da UFG, contando com uma equipe de seis estudantes de doutorado, dois doutores realizando pós-doutorado, dois estudantes de mestrado, e seis estudantes de graduação em Medicina Veterinária e Biotecnologia.

O Projeto conta com participação de pesquisadores, analistas e estudantes das instituições Embrapa Gado de Leite – Núcleo Centro-Oeste, Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Arroz e Feijão, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e da empresa Green Universe Agriculture, da Espanha.

Produto

O produto que está sendo desenvolvido é uma formulação multiparticulada desse fungo e o alvo da sua aplicação é sempre o meio ambiente, ou seja, a pastagem, interferindo em uma parte do ciclo do carrapato, quando a fêmea ingurgitada se desprende do gado para fazer a oviposição, e assim fazer um controle biológico do carrapato que parasita os bovinos.

Cada fêmea do carrapato pode colocar até 3 mil ovos. Os pesquisadores apostam em fazer o controle na pastagem, onde 95% dos carrapatos de uma propriedade podem ser encontrados, contra apenas 5% encontrados parasitando animais. A princípio não existem restrições para uso associado das formulações desenvolvidas nesse projeto com produtos químicos convencionais, explica Éverton Fernandes.

O produto deve entrar no mercado como um método opcional ao controle químico e desponta como uma opção inovadora, sustentável e eficiente. O fungo é específico para invertebrados e, portanto, seguro para o homem, animais e meio ambiente. Os fungos fariam, então, o controle biológico indo ao encontro do conceito de saúde única, que é a abordagem das saúdes animal, humana e do meio ambiente como uma só.

Resultados
O projeto prevê o aprimoramento de duas patentes já depositadas e os pesquisadores estão desenvolvendo estratégias de aplicações desses produtos. A formulação multiparticulada do fungo tem depósito de patente sob registro INPI BR10 2017 0040615, e o repelente para uso e cães é uma patente depositada sob registro BR10 2016 0021979. Essas patentes foram depositadas no INPI pelos pesquisadores envolvidos nesse projeto.

Após a eficácia conferida em testes de laboratório, os pesquisadores concluíram testes em condições de campo e semicampo: um na pastagem, em semicampo, para o controle do carrapato do bovino (Rhipicephalus microplus), e outro conduzido com cães infestados pelo carrapato do cão, (Rhipicephalus sanguineus). 

Foto: Divulgação

Éverton Fernandes explica que, os testes apontaram que o uso dos compostos repelentes nas coleiras foi capaz de reduzir a infestação de cães por carrapatos em ambiente altamente infestado sem combinação com outro método de controle. O outro teste mostrou que a formulação multiparticulada do fungo foi capaz de reduzir a infestação do carrapato do bovino em condição simulada de pastagem, que são testes de semicampo conduzidos em vasos contendo vegetação, e infestada artificialmente com carrapatos. Em uma etapa seguinte foram conduzidos testes em pastagem com condições semicontroladas: parte desses testes foram concluídos e outros vêm sendo conduzidos para avaliar a eficácia dos grânulos no controle do carrapato dos bovinos. Estes testes são muito dependentes da condição ambiental (temperatura e umidade, especialmente). Neste sentido, os testes continuam sendo executados em períodos de seca e das águas para confirmação da sua eficácia, explica Everton Fernandes.

O professor ressalta que os resultados das pesquisas estão sendo preparados para publicação. “Estávamos organizando um grande teste para execução nos meses de fevereiro e março deste ano, mas com a pandemia da Covid-19 tivemos que adiar nossos planos. Esse teste será conduzido no quintal de residências de participantes voluntários de Goiânia e região metropolitana com cães infestados naturalmente por carrapatos visando a aplicação dos colares com compostos repelentes nos cães e da aplicação dos grânulos formulados com fungo no ambiente, testando, portanto, a estratégia push-pull. Esses testes estão sendo planejados com embasamento em diversos testes menores que foram conduzidos ao longo dos últimos dois anos; estes testes buscam avaliar a eficácia dos métodos de controle e determinar quais são os pontos que podem ser aperfeiçoados para garantir maior eficiência”, conclui.

Os estudos em laboratório são conduzidos no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) e na Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ) da UFG. Os testes de campo e semicampo estão sendo conduzidos na  Embrapa Gado de Leite – Núcleo Centro-Oeste, em Santo Antônio de Goiás, com participação de analistas da instituição. Nesta etapa, a formulação particulada será aplicada na pastagem e vai produzir conídios, que são os agentes infectantes e, depois, serão colocadas as fêmeas dos carrapatos para fazer a oviposição. 

Ciclo
Os bovinos adquirem o carrapato quando caminham por uma pastagem infestada. As larvas dos carrapatos sobem no animal e procuram um local para se fixar; é o início da fase parasitária. Neste período, as larvas se alimentam e se transformam em ninfas que, posteriormente, darão origem aos adultos, que irão sugar sangue e acasalar. A fêmea fecundada se enche de sangue (ingurgitação) e, em seguida, deixa o hospedeiro, iniciando a fase não-parasitária ou de vida livre. No solo, a fêmea procura um local ideal para o depósito dos ovos. Após a incubação, de cada ovo sairá uma larva, que irá se posicionar na ponta da pastagem à espera de um bovino, concluindo o ciclo.

 

 

 

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