Pesquisa utiliza técnica in vitro para testes alergênicos em substituição a animais
Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação Social da Fapeg
Uma pesquisa 100% livre de animais de laboratório, que utiliza tecnologias baseadas em técnicas in vitro para avaliar o potencial alergênico de produtos e que apresenta resultados superiores às que utilizam ensaios in vivo. Autor do trabalho, Renato Ivan de Ávila é um pesquisador goiano, com formação em Farmácia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e que, com apoio de bolsas da Capes e CNPq, há 10 anos se debruça em estudos em busca de estratégias alternativas de testes de alergia que não precisem da experimentação de animais como cobaias.
A estratégia de testes in vitro desenvolvida por Renato pode ser aplicada para qualquer produto, mas segundo ele, a escolha foi no sentido de testar cosméticos e agrotóxicos, uma vez que o Brasil é o quarto maior mercado de cosméticos e a maior economia agroexportadora. “Então, em vista do grande uso desses produtos no País, a aplicabilidade do trabalho é de grande valia para garantir a segurança humana”, justifica o pesquisador.
Agora ele se prepara para a etapa final do seu projeto de doutorado em Ciências da Saúde, um programa de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da UFG, com planos de defender a sua tese em julho. Esse projeto rendeu ao pesquisador, em novembro do ano passado, o prêmio Lush Prize, na categoria de Young Research Americas, um concurso internacional que premia projetos científicos que viabilizam o fim de testes toxicológicos em animais.
Para Renato de Ávila, o Prêmio Lush Prize é o “Oscar na área de métodos alternativos à experimentação animal”. Ele revela que o valor recebido, 10 mil libras esterlinas (cerca de R$ 43 mil), será utilizado na finalização do seu projeto de doutorado e em outros projetos afins paralelos. Ele explica que o trabalho foi 100% conduzido em território goiano, na UFG. “É um prêmio que saiu do eixo Rio-São Paulo e estamos mostrando, com isso, que somos capazes, competentes e competitivos quanto qualquer parte do mundo”.
Junto com seu grupo de pesquisa, coordenado pela professora Marize Campos Valadares, que desenvolve projetos com parte de fomentos provenientes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), Renato pretende repassar todo o conhecimento adquirido e as técnicas estabelecidas no projeto na forma de treinamentos e capacitações para estudantes e profissionais da área. “Assim, acreditamos que o Brasil caminhará para uma Ciência Sustentável. A conjuntura atual é substituir protocolos arcaicos que utilizam animais de laboratório por tecnologias inovadoras e que venham a reduzir o sofrimento animal e tornar a Ciência mais ética, humanizada, sustentável e com maior capacidade em gerar um resultado confiável,” diz o pesquisador. Um dos fatos, que segundo ele, colabora para que os métodos sejam substituídos é que os modelos in vitro são menos onerosos que a experimentação animal.
Renato Ávila conta que professora Marize participou em várias etapas da sua formação acadêmica e que acabou por influenciar na escolha da área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em sua carreira. Ela acompanha o pesquisador desde a iniciação científica (aluno bolsista Pivic e Pibic/CNPq/Capes – 2008-2010), passando pelo mestrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia – UFG (2011-2013), com bolsa da Capes, e atualmente na supervisão de seu doutorado, também com bolsa Capes (2014-2017). Renato fez ainda doutorado-sanduíche na Lund University, na Suécia, como aluno bolsista da Capes, via Programa Doutorado- Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES), por nove meses (julho/2017 – março/2018). “As bolsas de mestrado e doutorado ainda são muito importantes para o aluno como forma de renda, o que permite que ele se dedique aos estudos de forma integral”, entende o pesquisador.
Investir em P&D para uma ciência sustentável
O projeto “Desenvolvimento de plataforma multiparamétrica alternativa ao uso de animal para avaliação do potencial alergênico de ingredientes cosméticos e agroquímicos e suas misturas”, de Renato Ávila, baseia-se nos princípios inovadores da Toxicologia do século XXI, propondo estratégias de avaliação do potencial de alergenicidade de misturas da “vida real” como, por exemplo, produtos cosméticos, extratos botânicos e agrotóxicos. “Saber se um produto tem potencial ou não em promover alergia quando em contato com a pele humana é muito importante, sendo mandatório para finalidades regulatórias com o intuito de promover a segurança humana”.
Muitos estudos de desenvolvimento de testes in vitro testam apenas substâncias puras, como, por exemplo, ingredientes de cosméticos, para responder se uma substância é segura, se não vai causar alergia quando aplicado na pele. “A nossa proposta é desenvolver métodos aplicados para também se testar a segurança do produto final (que consiste numa mistura de ingredientes), na forma em que ele chega ao consumidor. Ou seja, precisamos de métodos in vitro aplicados tanto para os ingredientes isolados como também para avaliar a segurança da mistura na ‘vida real’ (o produto final que é comercializado para uso humano, por exemplo, produto cosmético, que é produzido com a mistura de diversos ingredientes ativos),” comenta o pesquisador. “Indicação realizada a partir de três parâmetros: reação das proteínas da pele; substância inflamatória secretada por queratinócitos, que são as células mais comumente encontradas na epiderme, representando 80% das células epidérmicas; e a ativação de células dendríticas”, explica.
“Não é fácil fazer ciência no Brasil”, diz pesquisador
Renato acredita na possibilidade de um dia o uso de animais nas pesquisas científicas ser totalmente banido pela Ciência. “A Ciência tem alcançado grande desenvolvimento técnico-científico com o surgimento de ferramentas livres de animais com capacidade preditiva superior aos testes com animais de laboratório. É uma questão de tempo para que a substituição de protocolos ultrapassados envolvendo animais de laboratório ocorra e será um caminho sem volta”.
A realização do sonho de Renato, de utilizar cada vez menos porquinhos-da-índia, coelhos, cavalos ou camundongos e outros tantos animais em testes vai depender muito do avanço tecnológico, que está diretamente proporcional ao aporte financeiro que o governo vai aplicar em pesquisas de métodos alternativos validados e eficazes para substitui-los. “Nossos governantes têm que entender que não há desenvolvimento econômico sustentável se não há educação de boa qualidade. Não há possibilidades de um país alcançar autonomia tecnológica se não há investimento em Pesquisa e Desenvolvimento”, diz o pesquisador.
Ele aponta ainda outra dificuldade enfrentada pelos pesquisadores, as barreiras alfandegárias e a alta tributação de insumos laboratoriais destinados à pesquisa, que segundo ele são frutos de uma “legislação vigente arcaica”. Além disso, ele aponta falha na legislação brasileira, que ainda permite que animais de laboratório sejam usados para se testar cosméticos, por exemplo, enquanto que, na Europa, testar cosméticos em animais é proibido desde 2009. Dos Estados brasileiros, apenas São Paulo, Pará, Mato Grosso do Sul, Paraná e Amazonas proíbem essa prática. “Há um projeto de lei (PLC 70/2014) que visa estender a proibição de testes de cosméticos em animais para todo o território brasileiro, mas que há anos está em tramitação legislativa”, lamenta ele.
“Em 2014, tivemos um pequeno avanço quando houve o reconhecimento de 17 métodos alternativos ao uso de animais em atividades de pesquisa no Brasil (Resolução no. 18/2014). Em 2016, outra resolução normativa (no.31/2016) foi aprovada com a aceitação de mais sete métodos alternativos. Com a aceitação desses métodos, a Anvisa, nossa agência regulamentadora, torna-se menos conservadora e passa a aceitar essas técnicas modernas para avaliação de alguns efeitos e parâmetros de segurança de produtos”. Outro passo recente foi dado com a aprovação da Resolução Normativa n° 38/2018 do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), proibindo o uso de animais em atividades didáticas demonstrativas e observacionais, comemora o pesquisador.
Desempenho in vivo
Historicamente, os ensaios in vivo usados para avaliar o potencial alergênico de um produto são o teste de maximização/Buehler em porquinhos-da-índia [do inglês, Guinea Pig Maximization Test (GPMT) / Buehler test (BT)] e o ensaio do linfonodo local em camundongos [do inglês, murine local lymph node assay (LLNA)], explica o pesquisador. Embora ainda em uso, os ensaios em porquinhos-da-índia não são muito recomendados, esclarece ele, em vista das limitações técnicas, além de usar um grande número de animais (60 animais por produto testado). Já o LLNA tem sido o mais recomendado e usado, pois fornece resultados quantitativos e usa um número reduzido de animais (20 animais por produto testado) em comparação ao primeiro. “Contudo a literatura mostra que o desempenho dos ensaios animais em relação aos dados humanos é de 72%. Meus resultados, usando técnicas 100% livre de animais de laboratório, têm alcançado um desempenho superior a 90% e, a depender da tecnologia, um valor máximo de 100%. Assim, fica evidenciada a superioridade preditiva das tecnologias in vitro”, esclarece Ávila.