O Código de Defesa do Consumidor e os contratos de adesão

Autor: Eduardo Scaravaglioni – assessor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

A preocupação em atender e preservar os interesses do consumidor sempre existiu, desde o primeiro momento em que se estabeleceu a relação comprador-vendedor. Contudo, naquela época, essa relação assumia um caráter muito pessoal, e eventual conflito circunscrevia-se à órbita privada ou individual dos litigantes, não merecendo maior relevo social.

Com o passar do tempo, todavia, em face da mudança nas relações de comércio e em razão do advento da sociedade de consumo, caracterizada pela produção em massa aliada ao imperioso crescimento da publicidade nesse campo, houve necessidade do Estado (felizmente) intervir com seu poder cogente, nas relações de consumo em que figurasse como parte o consumidor, tutelando seus interesses, Isto deu-se, porque, se de um lado o consumidor, isoladamente considerado, se mostrava frágil e impotente para enfrentar as novas ofensas que lhe eram arremessadas pelo mundo moderno, de outro lado impunha-se ao Estado conferir um tratamento jurídico peculiar a esse conflito oriundo de uma relação que não mais se estabelecia no plano eminentemente individual.

A ideia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez manifestada a vontade, as partes estão ligadas por um contrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontade ou pelas figuras da força maior e do caso fortuito (acontecimentos fáticos incontroláveis pela vontade do homem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor frente à tutela jurisdicional.

Hoje em dia, em virtude do Código de Defesa do Consumidor, a vontade continua essencial à formação dos negócios jurídicos, mas sua importância e força diminuíram, levando à relativação da noção de força obrigatória e intangibilidade do conteúdo do contrato. É o que dizem os artigos 6º, incisos IV e V e 51, ambos do CDC.

Os contratos de adesão são os contratos já escritos, preparados e impressos com anterioridade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes à identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato. As cláusulas são preestabelecidas pelo parceiro contratual economicamente mais forte, sem que o outro parceiro possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito. É evidente que esses tipos de contrato trazem vantagens as empresas, mas ninguém duvida de seus perigos para os contratantes hipossuficientes ou consumidores. Estes aderem sem conhecer as cláusulas, confiando nas empresas que as pré-elaboraram e na proteção que, esperam, lhes seja dada por um Direito mais social.

Esta confiança nem sempre encontra correspondente no instrumento contratual elaborado unilateralmente, porque as empresas tendem a redigi-los da maneira que mais lhe convém, incluindo uma séria de cláusulas abusivas e sem equidade, restritivas de direito.

A jurista e pesquisadora Cláudia Lima Marques, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, em sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor, ed. Revista dos Tribunais, 1992, página 31, nos diz que nos contratos de adesão “…limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado”.

Assim os contratos de adesão são cada vez mais comuns na vida contemporânea.

Como nos contratos de adesão o consumidor tem de aceitar em bloco as cláusulas preestabelecidas pelo fornecedor, na maioria das vezes o consumidor sequer lê completamente o instrumento contratual ao qual vai aderir. Portanto, deve existir um “dever de transparência” nas relações de consumo. Assim, o consumidor deve ser informado, deve ter a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato. Além disso, o contrato de adesão deverá ser redigido de tal forma a possibilitar a sua compreensão pelo “homem comum”.

Ripert, em sua obra “La Règle Morale dans les Obligations Civiles – A Regra Moral nas Obrigações Civis, pág. 105, já em 1925, analisando a concepção da vontade soberana das partes, exaltando suas virtudes, mas desnudando suas mazelas, lançou seu protesto e perplexidade sobre tal tipo de contrato, dizendo que há sempre uma espécie de vício permanente do consentimento, revelado pela própria natureza do contrato. O ilustre mestre francês dizia que “O único ato de vontade do aderente consiste em colocar-se em situação tal que a lei da outra parte é soberana. E, quando pratica aquele ato de vontade, o aderente é levado a isso pela imperiosa necessidade de contratar. É uma graça de mau gosto dizer-lhe: tu quiseste. A não ser que não viaje, não faça um seguro, que não gaste água, gás ou eletricidade, que não use transporte comum, que não trabalhe ao serviço de outrem, é-lhe impossível deixar de contratar.”

Quanto a interpretação dos contratos de adesão, a regra geral é que se interprete o contrato, especialmente as suas cláusulas dúbias, contra aquele que redigiu o instrumento.

É que se tratando de uma relação de consumo, tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor, tem-se que as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Assim, é sabido que existem alguns requisitos para a validade dos contratos de adesão. O consumidor tem que ter sido informado pelo fornecedor das condições gerais do contrato, anteriormente à assinatura (ou no mínimo no momento) do contrato. É necessário que o “homem comum” possa ler e entender o que significam aquelas cláusulas, quais as obrigações e os direitos que está aceitando. Os textos longos, impressos em letras pequenas, de difícil leitura, impressos no verso de documentos não satisfazem a exigência de maior transparência do Código de Defesa do Consumidor (artigo 4º “caput” e art. 36 do CDC).

Os contratos de adesão servem principalmente aos interesses do estipulante, que fixa de forma unilateral as condições do negócio jurídico e procura por muitos meios e inúmeras cláusulas, de forma explícita, e as vezes implícita, resguardar preferentemente seus interesses, eliminar para si todos os riscos, diminuir os casos e a extensão de sua responsabilidade, fixar ao outro prazos exíguos para prática de atos, a manifestação de vontades ou o exercício de direito; nada prevê contra si mas cria taxas, comissões, sanções, penas e multas, pelo mínimo descumprimento por partes do aceitante.

Os contratos de adesão servem de bom exemplo para evidenciar a superioridade de uma partes sobre a outra, superioridade intelectual, econômica social e jurídica.

Isso porque, quanto a esses contratos, deve-se sempre perquirir se o consumidor ao aderir conhecia o conteúdo ou a extensão da cláusula que lhe é prejudicial ou mesmo sabendo que era, não teve sua vontade reduzida pela necessidade de contratar.

Assim, a relação de consumo que é formada de um lado por um fornecedor de serviços e, de outro lado, por um consumidor destinatário final de tais serviços, deve ser regida prevalentemente pelas normas do Código de Defesa do Consumidor que são de ordem pública e interesse social (artigo 1º do CDC), e inderrogáveis pela vontade das partes.

Como visto, os contratos nas relações de consumo, principalmente os de adesão, largamente utilizados, não podem ser considerados como um assunto de interesse restrito e exclusivo das partes, uma vez que são do interesse de todos, pois todos estão potencialmente expostos a se sujeitar a eles. Assumem, então, uma feição coletiva que interessa à sociedade controlar.

Por isso, o CDC estabelece um patamar de lealdade e de controle em que a boa-fé passa a ser, objetivamente, um pensar não só em si mesmo, ou em como se poderá transferir riscos profissionais próprios para o outro parceiro através de um contrato, mas sim pensar que o parceiro – consumidor – , também tem expectativas legítimas. Ou seja, que a relação que se forma entre o fornecedor e o consumidor não serve somente às vantagens do primeiro, mas também a que o outro atinja o fim previsto no contrato que resultou de um prévio encontro entre os dois.

SCARAVAGLIONI, Eduardo. O Código de Defesa do Consumidor e os contratos de adesão . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=706>. Acesso em 13 de agosto de 2003.

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