A suspensão no fornecimento de eletricidade por falta de pagamento

Autor:Mário Antônio Lobato de Paiva – advogado

Com a chegada do ano novo foram renovadas as esperanças no que diz respeito asquestões ligadas a justiça. Esperamos maior celeridade na prestaçãojurisdicional, acesso facilitado aos menos favorecidos e principalmente orespeito aos direitos constitucionais assegurados em nossa Carta Política porparte daqueles que detêm o poder econômico e estatal.

Almejamos uma correta e justa aplicação do direito embenefício de todos. Porém ainda deveremos enfrentar muitos desafios paraalcançar a efetivação dos direitos estatuídos em nossos organismos legais.

Um desses desafios é a questão ligada a suspensão dofornecimento de serviços essenciais para a sobrevivência do ser humano como aenergia elétrica e a água pois recebemos junto a fatura de energia elétrica umcontrato de adesão intitulado de “contrato de prestação de serviço público deenergia elétrica para unidades consumidoras atendidas em baixa tensão”.

A cláusula quinta do referido contrato aborda a questão dasuspensão do fornecimento dispondo que: “Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência,conforme os itens 1 e 3 abaixo, ou após prévio aviso, conforme os itens 4 e 5:

Item 5- falta de pagamento da fatura de energiaelétrica”. Além disso, o contrato ainda possui em seu rodapé aslogomarcas da ARCON (Agência Estadual de Regulação e Controle de ServiçosPúblicos) e da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

No entanto o referido contrato não leva em consideraçãoque o fornecimento de energia elétrica e água é público, essencial e regidopelo princípio da continuidade, característica estas asseguradas pelaConstituição Federal, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Greve.

Já existem decisões de Cortes Superiores nesse sentidocomo é a do festejado Ministro José Augusto Delgado que, em julgamento derecurso (nº 8.915/MA-(97/0062447-1) interposto pela Companhia Energética doMaranhão CEMAR pronunciou-se da seguinte forma:

“3. A energia é, na atualidade, um bem essencial àpopulação, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a suainterrupção; 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-seàs empresas concessionárias de serviço público; 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola oslimites da legalidade; 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada noBrasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosseadmitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampladefesa; 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar aquem deles se utiliza.”

No Tribunal de Justiça do Estado do Pará podemos encontrartrês decisões liminares conquistadas por intermédio de mandados de segurançaimpetrados por nós que impediram o corte no fornecimento de serviçosessenciais. A primeira proferida pela excelentíssima Juíza de Direito VeraAraújo de Souza da 13O. Vara Cível de Belém onde considera o serviço de telefonia como essencial e subordinado ao princípio da continuidadedeterminando o desbloqueio e reinstalação dos terminais telefônicos doimpetrante (Publicada no Diário da Justiça do Estado em 29 de janeiro de 2001).A segunda decisão proferida pela excelentíssima juíza de Direito Maria do CéuMaciel Coutinho da 13O. Vara Cível de Belém determinou que fosse imediatamentereligada a luz do imóvel da impetrante (Proferida em 12 de fevereiro de 2001).A terceira e última decisão esta de mérito, proferida pela juíza Ruth do Coutogurjão da 22O. Vara Cível de Belém declarou a ilegalidade do ato de ruptura dofornecimento de água no imóvel da impetrante fundamentando a decisão no Códigode Defesa do Consumidor e na Constituição Federal. (Proferida em 29 de maio de2001).

Assim denotamos que tanto na jurisprudência local e dasCortes Superiores baseadas na legislação vigente, não há justificativas para aprática abusiva do corte no fornecimento energia elétrica por falta depagamento para cobrança de dívidas, expondo o consumidor a constrangimento,sendo certo que existem mecanismos legais de cobrança.

Devemos ter em mente que apenas ao Poder Judiciário cabe adecisão da suspensão do fornecimento de serviços essenciais. Pois com base no princípio da isonomia todos devem ser submetidos a jurisdição. Assim no caso de inadimplência a fornecedora deverá acionar o Judiciário para cobrar os valoresdevidos e, se verificada a má-fé aplicar a pena máxima determinando o corte.

Argumentos favoráveis ao regime vigente de suspensãodireta do fornecimento pela própria empresa são insubsistentes e contrários avários princípios do Estado Democrático de Direito. Um desses argumentos é deque a submissão da cobrança pelas vias judiciais seria uma sentença de mortepara a empresa pois acarretaria prejuízos que não poderiam suportar em virtude da demora na prestação jurisdicional e das elevadas custas e emolumentosjudiciais.

Referido argumento é inaceitável pois se adotado em outroscasos, muitas lides, ou a grande maioria, seria resolvida pelas próprias partescom a utilização da força bruta. A título de exemplo poderíamos mencionar oproprietário de um imóvel que não recebe os aluguéis a vários meses e que sesentindo prejudicado expulsa o inquilino como suas próprias mãos pois a ação dedespejo iria demorar e ele não poderia suportar os prejuízos inerentes apermanência do locatário no imóvel. Ora se um simples proprietário de um imóvel locado pode suportar tamanho prejuízo pergunta-se: Por que um empresa de fornecimento de energia elétrica não poderia? Por que a diferença detratamento? Onde se encontra a aplicação do princípio da isonomia?

Com certeza não encontraremos resposta para essas perguntas que nãosejam pautadas em critérios políticos e econômicos opressores. Mesmo assimdenunciamos que a permanência dessa situação desrespeita a ordem legal e traz consigo um retrocesso milenar remontando a justiça privada o chamado “olho porolho de dente por dente” onde o poder do mais forte é o que prevalece.

Queremos esclarecer que não somos favoráveis ainadimplência e nem contrário a cobrança pelo serviço prestado pela fornecedora da energia elétrica. O que postulamos é apenas o respeito ao devido processolegal e as normas constitucionais e legais não deixando ao talante dofornecedor a decisão que cabe ao Poder Judiciário.

Assim esperamos que os órgãos responsáveis pelafiscalização dessas empresas denunciem este contrato de adesão imposto aosconsumidores no sentido de retirar a cláusula que permite a suspensão dofornecimento energia elétrica pela falta de pagamento sem que seja submetido aapreciação do Judiciário a legalidade do ato que pode gerar danos materiais e morais espelhando grave repercussão negativa na vida e dignidade do cidadãocomum.

Fonte: Data do artigo: fevereiro de 2003.

Disponível em<http://www.direito.com.br/Doutrina.ASP?O=1&T=3002>. Acesso em agosto de 2003.

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