Plano Diretor – Gestão da Educação Superior: O Enfoque do Financiamento


A origem do sistema de ensino superior brasileiro e, em conseqüência, as discussões sobre o financiamento das suas atividades estão na Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, transformada na Universidade do Brasil, em 5 de julho de 1937, e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir de 1965. A Universidade do Brasil era entendida como o grande projeto universitário do Governo, a partir de 1931, e implantada, em 1937, como modelo para as demais instituições de ensino superior do País.

A fundamentação do Estatuto das universidades está presente na reforma promovida pelo Ministro Francisco Campos. Nesta Reforma, foi adotada, como regra, a organização do ensino superior em universidades, abandonando-se o modelo colonial de faculdades isoladas; a universidade não seria mais o local onde só se ensinava, mas passaria a ser um local em que a pesquisa pura desinteressada e a ampliação do saber teriam lugar assegurado; a instituição universitária deveria interagir com a sociedade, desenvolvendo projetos de extensão, atuando sobre e com a sociedade, com o objetivo de analisar, discutir e resolver os problemas que a afligem. O documento tratava, ainda, do estabelecimento da autonomia para a universidade.

Com o argumento de que a universidade no Brasil era recente e ainda não havia acumulado experiência que permitisse ao Estado implementar uma autonomia integral, o projeto se referia em autonomia relativa; a autonomia plena seria obra de conquista de espírito universitário, amadurecimento experiente e dotado do seguro e firme sentido de direção e de responsabilidade.

A idéia de autonomia relativa se materializou quando ficou definido que ela se restringiria à autonomia administrativa, didática e disciplinar, nos limites estabelecidos pelo estatuto. Portanto, nenhuma referência foi feita a algum grau de autonomia de gestão financeira.

Houve, portanto, na origem das instituições públicas uma indefinição sobre as regras de seu financiamento. Não houve a vinculação de patrimônio, nem a constituição de fundos que garantissem a continuidade de recursos financeiros para a manutenção e desenvolvimento das atividades. A situação hoje não é muito diferente, as instituições continuam dependendo dos recursos vinculados aos fundos públicos.

O disciplinamento da autonomia de gestão financeira, isto é, o financiamento das atividades do meio universitário, é vital para as definições das suas políticas de ensino, pesquisa e de interação com a sociedade. A procura por fontes de financiamento para essas políticas remonta às origens da universidade, pois a manutenção material limita qualquer independência, fundamental para o exercício da autonomia.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em sua Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, realizada em Paris, no período de 5 a 9 de outubro de 1998, elaborou os documentos “Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI” e “Marco Referencial de Ação Prioritária para a Mudança e o Desenvolvimento do Ensino Superior”, em que se faz uma análise dos compromissos e funções da educação superior. Sobre o aporte de recursos financeiros para a manutenção e o desenvolvimento do ensino superior, a Conferência concluiu que o financiamento da educação superior requer recursos públicos e privados.

O financiamento das IES representa um aspecto importante na discussão da vida nacional e é fundamental para definir o perfil dessas instituições: se de um escolão de terceiro grau, apenas formador de profissionais stricto sensu, ou se de uma instituição que ensina, aprimora o conhecimento humano pela investigação científica e interage com a sociedade procurando solucionar os problemas que a afligem.

O parlamento brasileiro, por meio da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), de 1988, da LDBN e do PNE apresentou, em nome da sociedade, o papel e as funções que as IES brasileiras devem exercer para que elas participem ativamente da vida cultural e econômica brasileira.

A LDBN (1996, art. 43) estabelece as finalidades da educação superior:

I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

II – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e dos benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Ao estabelecer as diretrizes para a educação superior o PNE (2001) ressalta que: (a) nenhum país pode aspirar a ser desenvolvido sem um forte sistema de educação superior; (b) a produção de conhecimento, hoje mais do que nunca e assim tende a ser cada vez mais, a base do desenvolvimento científico e tecnológico e que este é que está criando o dinamismo das sociedades atuais; (c) as instituições de ensino superior têm muito a fazer, encontrando a solução para os problemas atuais, em todos os campos da vida e da atividade humana e abrindo um horizonte para um futuro melhor para a sociedade brasileira, reduzindo as desigualdades; (d) o núcleo estratégico do ensino superior há que ser composto pelas universidades, que exercem as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal: ensino, pesquisa e extensão, e têm como missão contribuir para o desenvolvimento do País e a redução dos desequilíbrios regionais, nos marcos de um projeto nacional, mantendo uma estreita articulação com as instituições de ciência e tecnologia; (e) as universidades constituem, a partir da reflexão e da pesquisa, o principal instrumento de transmissão da experiência cultural e científica acumulada pela humanidade.

Vê-se, portanto, que há um complexo de funções a serem cumpridas pelas IES brasileiras, que percorrem um largo espectro de atividades – desde estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo, como prevê a LDBN, até encontrar solução para os problemas atuais, em todos os campos da vida e da atividade humana e abrindo um horizonte para um futuro melhor para a sociedade brasileira, reduzindo as desigualdades, como estabelece o PNE.

Algumas diretrizes estabelecidas no PNE parecem organizar papéis diferentes ou complementares para o sistema público e para o sistema privado, este sistema estando previsto na CF, em seu artigo 209, que estabeleceu que o ensino é livre à iniciativa privada sob as condições de cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo poder público.

O PNE ressalta a importância do setor privado no processo de expansão no número de vagas na educação superior: “É importante a contribuição do setor privado, que já oferece a maior parte das vagas na educação superior e tem um relevante papel a cumprir, desde que respeitados os parâmetros de qualidade estabelecidos pelos sistemas de ensino” (PNE, 2001). Explicita, ainda, que “as instituições não vocacionadas para a pesquisa, mas que praticam ensino de qualidade e, eventualmente, extensão, têm um importante papel a cumprir no sistema de educação superior e sua expansão, devendo exercer inclusive prerrogativas da autonomia” (PNE, 2001).

As instituições públicas merecem, no PNE, um destaque especial quando se fala da pesquisa e da pós-graduação e, ainda, quando é proposta a expansão de suas vagas para absorver um maior contingente de pessoas carentes e aquelas que só poderiam estudar no período noturno. O PNE, em suas diretrizes, expressa esses fatos da seguinte forma:

“Há necessidade de expansão das universidades públicas para atender à demanda crescente dos alunos, sobretudo os carentes, bem como ao desenvolvimento da pesquisa necessária ao país, que depende dessas instituições, uma vez que realizam mais de 90% da pesquisa e da pós-graduação nacionais – em sintonia com o papel constitucional a elas reservado”; e “Ressalte-se a importância da expansão de vagas no período noturno, considerando que as universidades, sobretudo as federais, possuem espaço para este fim, destacando a necessidade de se garantir o acesso a laboratórios, bibliotecas e outros recursos que assegurem ao aluno-trabalhador o ensino de qualidade a que têm direito, nas mesmas condições de que dispõem os estudantes do período diurno” (PNE, 2001).

Assim, para o setor público estariam as responsabilidades de realizar pesquisas, oferecer programas de pós-graduação e desenvolver ações que permitam uma expansão para absorver alunos carentes e trabalhadores em cursos noturnos. Ao setor privado especifica-se o papel de suportar uma grande expansão do número de vagas mantendo-se um determinado nível de qualidade, além do fato de que a instituição privada classificada como universidade precisaria, também, desenvolver pesquisa, extensão e oferecer pós-graduação stricto sensu.

Os documentos legais, aqui discutidos, CF, LDBN, PNE e Constituição do Estado de Goiás, além de estabelecerem o papel e as funções das IES se preocuparam, também, em definir como seria o financiamento dessas instituições.

Com relação às instituições privadas, a CF em seu artigo 213 permite que aquelas classificadas como comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e que assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades, podem receber recursos públicos. Quando se trata de atividades de pesquisa e extensão, qualquer instituição privada, mesmo a particular em sentido estrito, poderá receber apoio financeiro do poder público.

No que diz respeito às instituições públicas, tendo em vista o papel que elas devem desempenhar, os legisladores procuraram estabelecer bases concretas para o seu financiamento. A CF, em seu artigo 207, estabeleceu que as universidades e as instituições de pesquisa científica e tecnológica gozam de autonomia de gestão financeira e o artigo 212 vinculou recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios à manutenção e desenvolvimento do ensino: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.

A LDBN em seu artigo 47, no parágrafo quarto, garante a previsão orçamentária para que as instituições públicas ofereçam cursos de graduação no período noturno, sendo obrigatório que os façam nos mesmos padrões de qualidade dos cursos ofertados no período diurno. O artigo 55 da LDBN é enfático ao estabelecer que “Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral , recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas.” A LDBN legislou, ainda, sobre a autonomia universitária, explicitando atribuições inerentes às universidades.

Uma efetiva preocupação com o tema do financiamento e gestão da educação superior ficou explicitada no PNE com a introdução de objetivos e metas específicas sobre essa temática.

Com relação aos recursos financeiros totais aplicados pelo poder público brasileiro em educação – todos os níveis – os legisladores ousaram ao propor no PNE (2001) que se elevasse “na década, por meio de esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), aplicados em educação, para atingir o mínimo de 7%. Para tanto, os recursos devem ser ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano”. No entanto, essa meta foi também vetada pelo Presidente da República.

O Estado de Goiás inovou ao definir na Constituição Estadual (CE), em seu Artigo 158, a vinculação de recursos para a educação, ciência e tecnologia. Posteriormente a Emenda Constitucional Nº39, de 15 de dezembro de 2005, alterou os valores percentuais, passando a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 158. O Estado aplicará, anualmente, no mínimo 28,25% (vinte e oito e vinte e cinco centésimos por cento) da receita de impostos, incluída a proveniente de transferências, em educação, destinando, pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) da receita na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, na educação básica, prioritariamente nos níveis fundamental, médio, e na educação profissional e, os 3,25% (três e vinte e cinco centésimos por cento) restantes, na execução de sua política de ciência e tecnologia, inclusive educação superior estadual, distribuídos conforme os seguintes critérios:

I – 2% (dois por cento), na Universidade Estadual de Goiás – UEG, com repasses em duodécimos mensais;

II – 0,5% (cinco décimos por cento) na entidade estadual de apoio à pesquisa;

III – 0,5% (cinco décimos por cento) no órgão estadual de ciência e tecnologia;

IV – 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento), na entidade estadual de desenvolvimento rural e fundiário, destinados à pesquisa agropecuária e difusão tecnológica”.

Percebe-se, portanto, que há estabelecido um conjunto de normas que procura definir o papel, as funções e o financiamento do ensino superior, da ciência e tecnologia, da pesquisa, notadamente nas áreas da agropecuária e difusão tecnológica.

Governo na palma da mão

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