Como surgiu o Código de Ética do Servidor do Poder Executivo do Estado de Goiás

Texto baseado em relatos do Controlador-Geral do Estado de Goiás, Henrique Ziller, que coordenou diretamente o processo da consulta pública do Código de Ética.


A história do atual Código de Ética começou com uma provocação.

Em 2019, a Controladoria-Geral do Estado de Goiás (CGE) organizou um evento para divulgar o recém aprovado Código de Ética do Poder Executivo de Goiás (Decreto nº 9.423, de 10 de abril de 2019).

Um dos convidados foi o Professor Clóvis de Barros Filho. Reconhecido no cenário nacional, o jornalista, escritor, filósofo, palestrante e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP lançou um desafio à CGE:

“Se um código de ética do servidor diz respeito às condutas dos servidores no trato com os cidadãos, não seria o caso de consultá-los para sabermos o que de fato eles esperam dessa reação?”

Nesta publicação, vamos resgatar o caminho da provocação do Professor à publicação do Decreto do novo Código de Ética do Estado de Goiás.

A provocação acertou em cheio a CGE

A provocação de Clóvis de Barros foi de grande valia para o surgimento do novo (e atual) Código de Ética e Conduta Profissional do Servidor e da Alta Administração da administração pública direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo estadual.

Como o nome ficou grande para os propósitos desta publicação, vamos usar de agora em diante apenas “Código de Ética”.

O Código de Ética entrou em vigor com a publicação do Decreto nº 9.837, de 23 de março de 2021.

E o caminho sugerido pelo Professor Clóvis de Barros em sua provocação não foi ignorado: perguntar ao cidadão o que ele esperava dos servidores.

Fizemos uma consulta pública sobre o tema no período de 4 a 26 de novembro de 2019.

O questionário foi encaminhado por e-mail a mais de 36 mil usuários do sistema de Ouvidoria do Estado de Goiás. Foram recebidas 1.379 respostas.

Segundo Henrique Ziller, que coordenou pessoalmente o processo de consulta pública, foi possível recolher “uma riquíssima coleção de informações em relação às perguntas abertas que fizemos. As perguntas fechadas foram de pouca valia.”

O que a consulta ajudou a identificar?

Após a coleta dos dados, fizemos a tabulação e interpretação das respostas. O trabalho não foi fácil, dadas as diferentes terminologias, à similaridade de conceitos e à dificuldade de estabelecer uma metodologia de classificação.

Mas a equipe da CGE se propôs a fazer isso sem muita afobação, ciente de que era muito boa a qualidade do material que se tinha em mãos.

Dessa forma, foi possível identificar:

  • qualidades desejadas e indesejadas;
  • comportamentos esperados e a evitar;
  • condutas inadequadas, presenciadas pelas pessoas que responderam à consulta.

Mas antes de falar um pouco mais sobre a metodologia da consulta pública, precisamos abrir um parêntesis para um acontecimento importante dessa história.

A experiência Dinamarca

No final do ano de 2019, a Transparência Internacional lançou o Programa de Cooperação para a Promoção da Integridade nos Estados. A ideia era incentivar o desenvolvimento e a implementação de Planos Estaduais de Integridade.

Um plano de integridade estabelece diretrizes, traça medidas e define ações para promover a ética, a transparência e a responsabilidade nas atividades de uma determinada organização.

Devido a importância do Programa, foram convidados inicialmente sete estados brasileiros, entre eles Goiás.

A primeira atividade foi uma viagem à Dinamarca, para conhecer a experiência do País, que ao longo de vários anos aparece como o de menor percepção no IPC (Índice de Percepção da Corrupção), produzido pela Transparência Internacional.

Uma surpresa na visita à Dinamarca

Ao contrário da expectativa da maior parte do grupo que participou da viagem, não foram os sistemas informatizados de gestão e controle, o modelo de promoção da transparência pública ou mesmo o sistema judiciário do País que nos foram apresentados como razões deste sucesso.

O que os expositores nos apresentaram foram valores sociais compartilhados. Isso mesmo, o compartilhamento nacional de valores era o elemento mais forte na produção do resultado de ética, transparência e controle.

A Confiança Social

Um dos valores que recebeu maior destaque foi o de “confiança social”.

A confiança é o elemento que produz uma sociedade na qual o bem comum e o interesse público são buscados e alcançados na execução das políticas públicas.

Estimular a confiança dos indivíduos uns nos outros é um processo que se estende para a confiança dos indivíduos nas instituições. Mas, claro, isso só funciona quando as instituições fazem jus a essa confiança.

Por esse motivo, a CONFIANÇA é um valor fundamental na construção de um Código de Ética.

Você acha as pessoas confiáveis?

A World Values Surveys (WVS) é uma rede global de Cientistas Sociais que estuda a variação dos valores e seu impacto na vida social e política.

Os resultados de suas pesquisas têm mostrado um importante indicador da força e qualidade das sociedades e comunidades pelo mundo.

A WVS incluiu em suas pesquisas no início da década de 1980 a seguinte pergunta:

“Você acha que a maioria das pessoas são confiáveis?”

O resultado da pesquisa mostrou que o Brasil está bem aquém no quesito credibilidade nas pessoas.

Apenas 9,2% dos participantes da pesquisa disseram confiar nas pessoas. Resultado bem diverso de sociedades como a Noruega e Suécia.

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O Segredo da Dinamarca

Em 2004, uma pesquisa da Eurostat (Gabinete de Estatísticas da União Européia) mostrou que a Dinamarca, em uma escala de 0 a 10, alcançou a pontuação 8.3 de confiança social.

Uma das peças que compõem a orientação ética e de posturas do servidor civil dinamarquês é denominada “Codex VII”, ou “Seven Key Duties”.

São os sete deveres ou obrigações principais, em uma tradução livre:

  1. legalidade;
  2. verdade;
  3. profissionalismo;
  4. desenvolvimento e cooperação;
  5. responsabilidade e gerenciamento
  6. neutralidade político-partidária

O 7º valor traz algo realmente surpreendente:

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Isso mesmo: um dos valores das sete obrigações era a abertura ou tolerância a erros.

Perceba a conexão com o princípio da confiança.

E como funciona a confiança na experiência da Dinamarca?

Existe um senso comum na Dinamarca de que erros acontecem e que não devem ser negados ou acobertados. Sempre que possível, os erros devem ser perdoados.

Claro, nos casos em que a falta exija algum tipo de sanção, esta deve ser aplicada.

A disposição em tolerar erros está diretamente relacionada com outro conceito caro à cultura nórdica, expresso na Lei de Jante:

“Ninguém é melhor do que o outro e ninguém deve considerar-se melhor que o outro.”

Essa é a síntese do valor da confiança: admitir que todos cometem erros.

Os sete deveres se aplicam ao Brasil?

A visita à Dinamarca nos deixou com a forte impressão de que poderíamos extrair dessa experiência algumas possibilidades de avanço em nosso arcabouço institucional.

Sabemos que não é possível simplesmente transpor elementos solidamente fundamentados de uma cultura milenar para outra, com uma caminhada histórica completamente diferente.

Se a Dinamarca conseguiu estabelecer um padrão tão elevado de integridade baseado em confiança e tolerância, não deveríamos avaliar a possibilidade de adotar algo semelhante em nossa cultura administrativa?

Foi dessa forma que a “experiência Dinamarca” levou a CGE a repensar o modelo disciplinar e de conduta no Estado de Goiás.

Processos disciplinares nem sempre resolvem o problema

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A realidade de diversos entes públicos é a mesma: enorme quantidade de processos de natureza disciplinar, que podem demorar muito para serem concluídos.

Processos disciplinares custam caro à Administração e costumam danificar emocionalmente os processados – às vezes com muita profundidade.

Também é comum que, ao final do processo, as decisões tomadas não resolvam o problema.

Foi a partir desse contexto, levando em conta todo o aprendizado relativo ao princípio da confiança, que foi pensado um novo Código de Ética para Goiás.

A ideia era editar uma norma que se baseasse exclusivamente em valores aceitos pelo Estado.

Esses valores seriam levantados por meio de uma consulta pública, que indicaria o que o cidadão espera de seus servidores públicos.

O ponto de partida já estava traçado: começar pelo incentivo à mudança de cultura e de comportamento, partindo da expectativa da sociedade em relação à forma de atuar do servidor.

A metodologia de construção do novo Código de Ética

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A construção dos anexos ao Código de Ética foi precedida de um estudo para a coleta e apresentação metodológica das respostas à consulta pública.

Uma atenção especial foi dedicada aos relatos de situações vivenciadas pelos consultados. O foco do estudo foi identificar:

  • qualidades consideradas essenciais ou indesejadas;
  • exemplos de comportamentos esperados e a serem evitados.

Nessa fase do trabalho foi extraído da pesquisa cada qualidade mencionada. A cada vez que a mesma qualidade era citada, a citação era contabilizada.

Da mesma forma foi feito com os exemplos de comportamentos esperados e a serem evitados. O quadro abaixo mostra os resultados alcançados:

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Durante a análise do material, observamos que alguns comportamentos citados eram específicos para chefes e superiores hierárquicos. Separamos os exemplos em planilha específica para que fizessem também parte deste documento.

Surgia um novo modelo de Código de Ética

Foi depois de todo esse trabalho, que começou com a provocação do Professor Clóvis de Barros, passando pela experiência na Dinamarca e finalizando com a consulta pública, que o Poder Executivo do Estado de Goiás publicou uma atualização do Código de Ética e de Conduta Profissional para seus servidores.

O Decreto nº 9.837, de 23 de março de 2021 trouxe uma abordagem completamente nova do tema.

Uma perspectiva exclusivamente positiva e centrada nos valores que o Estado busca promover e as condutas esperadas pelo cidadão.

O rico material identificado na consulta ao público foi compilado para se tornar o referencial esperado do comportamento dos servidores.

A partir da publicação do decreto, a ideia é continuamente capacitar os servidores do Estado de Goiás, mediante o estudo da norma e do referencial de posturas produzido pelo cidadão goiano.

A partir de agora, uma das missões da CGE é aperfeiçoar o modelo, renovando a consulta periodicamente e avaliando a metodologia utilizada.

Governo na palma da mão

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