Um pouco da história do café: companhia para começar o dia ou suportar a noite

Usado como remédio e como estimulante, o café é uma das bebidas mais consumidas do mundo e tem no Brasil um papel especial. Que tal um copo de história?

O historiador e professor Nicolau Sevcenko (1952-2014) apontava que o café teve importância não só em relação à economia brasileira da virada do Século XIX para o XX, mas também na busca de substâncias que pudessem estimular ainda mais os ânimos dos indivíduos. Como se não bastasse a vida agitada das grandes cidades, suas fábricas e toda a ebulição possibilitada pelos novos engenhos tecnológicos que cada vez mais ganhavam espaço e visibilidade.

Entender o café como combustível de uma nova época de velocidade e vigor pode nos oferecer uma nova percepção de seu papel na vida contemporânea, pois se o seu cultivo não é novo, seu produto (a bebida) ganhou popularidade há relativamente pouco tempo, historicamente falando.

Uma viagem no tempo e no espaço

Normalmente, falar sobre a história do café é um convite a uma viagem despretensiosa ao “chifre da África”, região que hoje tem uma imagem marcada pela fome e pela guerra mas que no passado foi bem menos devassada por esses “cavaleiros do apocalipse”. Criaram-se muitos mitos sobre a descoberta dessa planta, e o mais conhecido fala de pastores que observaram mudanças no comportamento de suas cabras ao consumirem os frutos de um “arbusto diferente”, além da apropriação dessa observação por monges, que passaram a usar o fruto para preparados medicinais.

De concreto, entretanto, a agronomia nos permite dizer que, de fato, a origem do café está na Etiópia, apesar de algumas espécies de cafeeiro se originarem na ilha de Madagascar. Mas depois do início de seu uso na Etiópia, a planta foi levada para a península Arábica no Século XV, onde era usada principalmente como remédio. Dali sementes e mudas foram levadas para o Egito e posteriormente para a Turquia. São os contatos comerciais entre otomanos e europeus que levam a planta para Europa no Século XVII, onde foi aclimatada e passou a ser levada para as terras ocupadas pelos europeus na América e na Ásia.

Ocupando espaços e territórios

A expansão colonial europeia gerou um intercâmbio de pessoas, ideias e plantas numa velocidade tal que possibilitou contatos de múltiplos níveis, o que faz alguns estudiosos entenderem ser esse um dos primeiros movimentos de globalização no período moderno que a humanidade presenciou. Portugueses, holandeses e franceses foram responsáveis pelo processo de expansão do café, que o levou para os EUA, Índia, zonas da África Ocidental, América do Sul e Sudeste Asiatico.

É nesse cenário colonial que o café chega no Brasil. E chega meio que “debaixo dos panos”, já que ele vem contrabandeado da Guiana Francesa. De sua chegada em 1727 em Belém do Pará, a cafeicultura só ganha espaço na economia brasileira quase cem anos depois. Apenas na década de 1820 que o Brasil passa a ser considerado exportador de café, com uma produção centrada em São Paulo, Minas Gerais e Goiás, apesar de os grandes produtores a partir de então serem, além dos dois primeiros, também os estados do Paraná (desmembrado de São Paulo em 1853) e do Espírito Santo.

A hegemonia brasileira na produção mundial já começa no Século XIX, quando 45% de todo o café mundial é brasileiro. Ainda hoje o Brasil é um grande produtor, mas cafés de outras zonas, como Colômbia, Oeste da África e Timor, na Ásia, são vistos como produtos de qualidade excepcional, o que fazem esses produtos terem destaque no mercado internacional.

Café do Cerrado

Mesmo tendo sido uma das primeiras regiões produtoras de café, Goiás não é um grande produtor do fruto. Segundo o IBGE, o estado ocupa apenas a nona posição em relação à área plantada e tem a sétima maior safra do país.

E o costume de consumir café não acompanhou a introdução do mesmo na região. Até o inicio do Século XX, o consumo de café em Goiás era mais comum na zona urbana da capital do estado e em algumas outras cidades. As populações mais interioranas passam a introduzir o café como item de consumo à medida em que os transportes melhoram, facilitando a chegada e barateando o custo do produto, vindo de outras regiões.

Na produção local, atualmente têm ganhado espaço os “grãos especiais”, que têm valor agregado à medida em que são atribuídos à sua produção aspectos de cuidado com o meio ambiente e de comércio justo, além de alguma “territorialidade” única, como no caso dos cafés produzidos em Alto Paraíso, oriundos de sementes ancestrais, possivelmente das primeiras espécies introduzidas no Brasil, ainda no Século XVIII.

A bebida mais consumida no mundo, segundo a FAO (sigla em inglês da Organização de Alimentos e Agricultura, uma agência da ONU) é o chá. Mas o café, seja ele comum ou especial, tem muito mais história que se pode imaginar. Que tal um grande copo de café pra continuar o dia e a conversa?

Givaldo Corcinio – historiador – ABC Digital

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