#TBT da ABC – Goiânia chega aos 87 anos
De marco de um novo regime à cidade-capital do Brasil Central: uma jovem cidade que precisou ser batizada para que fosse considerada culturalmente relevante; seu aniversário está ligado a um movimento que sacudiu o país e ainda hoje tem ecos políticos e sociais
A duração é um elemento que gera singularidade na História. A história de uma cidade, por vezes, nos impressiona justamente por romper com a lógica da duração da vida humana. Os primeiros assentamentos humanos, aos quais podemos atribuir o sentido de cidade, datam de mais de 10 mil anos, como Jericó, Beirute ou Damasco. E a passagem do tempo marcou sua paisagem de modo significante.
Mesmo o Brasil, um território “jovem” em relação à organização nacional ao modo dos países europeus, já tem algum tempo de jornada que permite a existência de cidades com quase 500 anos. Por diversos motivos, passaram-se 433 anos para que Goiás fosse inserido como personagem num capítulo desse memorial urbano: a construção de cidades-capitais, sob o discurso de modernização e de transformação. Goiânia insere-se no rol de cidades que, – como Belo Horizonte, Teresina e Aracaju antes dela, Brasília e Palmas depois -, surgiram para reorganizar as relações sociais e econômicas.
Revolução de 1930
A fundação de Goiânia não está apenas vinculada com o anseio dessa reorganização ou de uma nova ordem política local, como podem fazer crer textos e narrativas popularizadas nos últimos 87 anos. Não deveríamos ignorar que comemorar o lançamento da pedra fundamental de Goiânia também faz com que celebremos o aniversário do movimento civil e militar chamado de Revolução de 1930. Esse movimento interferiu na ordem social, com o estabelecimento da “consolidação das leis do trabalho”, a legalização do voto feminino, o estabelecimento de industriais pesadas, mas que também tornou-se uma ditadura severa.
A possibilidade de “modernização e conquista” da região do Brasil Central que o governo de Getúlio Vargas vislumbrou fez da cidade um cenário de apoio simbólico para aquilo que seu grupo político sugeria. Ela tornava-se plataforma para esses projetos, sendo ponto de apoio da famosa “Marcha para Oeste”. Posteriormente, foi um dos lugares onde a promessa de construir Brasília e interiorizar o país mostrou ter um apoio significante.
Existe a crença de que a cidade não teve sua pedra fundamental lançada um dia antes (23 de outubro) ou não recebeu o nome de Petrônia, porque Pedro Ludovico não seria personalista (essa era a data de seu aniversário e o nome vincularia muito a cidade a sua própria figura). Mas é importante considerar que ele fazia parte de um movimento que estava se consolidando no poder e era mais interessante garantir a manutenção da nova ordem do que simplesmente favorecer um personalismo facilmente reversível, posto existir muita oposição à construção da nova capital.
Novo ideal
Vincular a cidade ao novo ideal de modernização e transformação, advindo do movimento que teve Vargas, João Pessoa e vários tenentesàa frente, garantia não só bons olhares dos novos “dirigentes”, como traziam para cidade signos muito importantes para aqueles que se identificavam com os ideais do novo regime.
Goiânia tem uma jornada específica na sua consolidação como “cidade-capital” do Estado central do Brasil, pois não bastou ser lançada sua pedra fundamental ou ter uma cerimônia de oficialização como capital. Foi uma cidade que precisou ser batizada, recebendo as bênçãos de diversos intelectuais que buscavam criar um marco indelével da cidade como lugar de cultura.
Art déco
A cidade, que é lembrada pelo art déco, pela música sertaneja – indùstria fortemente presente no cenário cultural goiano nos últimos 30 anos – e por estar inserida num mundo de tradições recuadas no tempo, tem as marcas ainda hoje do Batismo. Isso fez que fossem rompidos os ditames de grupos majoritários e permitido que se veja na cidade diversas manifestações culturais, seja nas artes visuais, na música (onde rock’n roll tem presença garantida), nas estátuas e na arte urbana, entre outras. Muitas vezes essas marcas estão escondidas dos olhos da maioria, mas sempre fomentando uma atmosfera cultural única.
Mesmo podendo dizer que Goiânia concretizou em parte a promessa de possibilitar transformações na sociedade goiana e do Brasil Central, ainda hoje ela é desafiada a ser palco de coisas inovadoras. Assim como sua irmã mais próxima – Brasília – em direção da qual ela cresce, e podem tornar-se uma só, antes de transformar-se numa “jovem senhora bicentenária”. Mas quando falamos de cidades, 87 anos é um curto instante, numa longa jornada que se avizinha.
Givaldo Corcinio – ABC Digital