Diário do Isolamento XV – “Delenda est Cartago”

"Temos que ser mais sérios com este assunto, pois os números mudam de maneira constante e, infelizmente, é o vírus quem está ganhando terreno"

As últimas semanas do isolamento poderiam passar a ideia de quietude e tranquilidade, por conta da menor circulação de pessoas nas ruas e as várias paisagens vazias, mas os constantes embates em torno do tema – abre ou fecha comércio, isolamento vertical ou horizontal, cloroquina é mesmo a panaceia que alguns dizem ou “tudo isso aí” não passa de uma conspiração sino-comunista-oriental para conquistar o mundo – acabam por criar um clima de tensão acumulada que tem nos cercado nestes dias. Mais ainda do que as paredes.

Porque não é só receio do contágio, é o perigo de infectar um familiar, é o medo da própria morte. Não é somente o fechamento dos comércios, é o temor de uma futura crise econômica, o pânico do desemprego. Somos todos reféns sequestrados pelo vírus, sem ter ainda a quem pedir resgate.

Peço desculpas pelo tom, mas a primeira mensagem do dia me deixou bem desanimado: em um vídeo sem identificação, uma moça registra sua passagem por alguns hospitais do Distrito Federal, fala com algumas pessoas – nenhum funcionário – sem adentrar realmente nos recintos, filma as portarias afirmando que “não tem ninguém” e que o vírus é “invenção de políticos”.

Vejamos o que dizia o Boletim Epidemiológico da Secretaria da Saúde do Distrito Federal da data que consta no vídeo:

“Até as 16:30h do dia 01/04/2020 foram confirmados 370 casos de COVID-19 no Distrito Federal… Até o dia 31de março foram registrados quatro óbitos confirmados da COVID-19…”

Comparemos o mesmo Boletim do dia 07/04:

“Até as 18:00h do dia 07/04/2020 foram confirmados 503 casos de COVID-19 no Distrito Federal… Até o dia 07 de Abril foram registrados 12 óbitos confirmados por COVID-19”.

Um aumento considerável para algo que não existe. Mas que, para as famílias dos oito óbitos que aumentaram a lista, é uma realidade que nunca mais poderá ser mudada, pois foram subtraídos de seus entes queridos.

É no mínimo frustrante ver uma pessoa desdenhar de uma pandemia que já infectou mais de um milhão de pessoas e ceifou mais de 87 mil de vidas no mundo todo (segundo o www.covidvisualizer.com). Sinal destes tempos internéticos, nos quais se tenta refutar estudo científico com opinião – que virou inclusive meme com o Bart Simpson e suas famosas frases no quadro negro.

Temos que ser mais sérios com este assunto, pois os números mudam de maneira constante e, infelizmente, é o vírus quem está ganhando terreno, pouco a pouco. Mas é justo aí que não se pode dar espaço a ele, sob o risco de acabar como outros lugares que afrouxaram ou desdenharam das medidas e, por fim, acabaram pagando um preço alto por isso. É só observar o giro do epicentro da pandemia, que nasceu em Wuhan, mudou-se para a Lombardia e agora assola Nova York. Quem será o próximo?

Devemos manter o combate ao vírus sempre em mente, como o expediente usado por Catão, o velho, no Senado da Antiga Roma: sabendo que mesmo depois de vencerem Cartago em duas guerras, (dentro das chamadas Guerras Púnicas), até a mínima possibilidade de seus antigos rivais se reorganizarem era um perigo constante para a jovem república romana. Por conta disso, uma frase se tornou uma constante ao fim de seus discursos quase diários: "Ceterum censeo Carthaginem delendam esse" (cujo significado é "Além disso, acredito que Cartago deve ser destruída"), que acabou passado para a História como o famoso “Delenda est Carthago”.

Fiquem seguros.

Enquanto você via aquele vídeo ou lia este texto, uma pessoa morria de Covid-19. Não importa onde, se tinha comorbidade anterior, emprego fixo, se apoiava o isolamento ou a liberação geral, “para dar anticorpos a todos”. Nada disso mais importa, ela está morta. E o nome dela agora é vítima.

Texto: Cristiano Deveras/ABC Digital

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