Diário do Isolamento VIII – “Onde tu estarás…”
Onde você passou o isolamento do Coronavírus de 2020?
Alguns anos atrás, deixei uma promissora carreira no ramo de seguros para investir no sonho do negócio próprio. Tarefa inglória, descobri logo depois, afinal, peguei alguns tempos árduos onde passamos por crises como o que ficou conhecido como “o apagão do FHC”, além de outros apertos que por fim fizeram com que jogasse a toalha e fosse tanger meus porcos em outras searas. Mas lembro-me de uma terça-feira em particular, em que recebia uma carga de cervejas e observei que os entregadores paravam em frente ao televisor, embasbacados, sendo logo seguidos pelos funcionários que se deixavam hipnotizados em frente ao aparelho: tragédia digna de filme, um avião havia se espatifado contra um prédio em plena Nova York. Coisa de cinco, dez minutos antes. Da tela, as imagens do prédio em chamas e a coluna de fumaça que subia volumosa aos céus, dava conta que um incêndio poderoso consumia as entranhas do arranha-céu.
A cena era tão chocante que paramos tudo que estávamos fazendo e ficamos por ali avaliando como aquilo poderia ter acontecido, “que raio de acidente era aquele”, dizia um, “culpa do piloto, óbvio”, disse outro e nem bem este havia dado seu pitaco, eis que outra aeronave, esta em cenas praticamente ao vivo, explode contra a lateral da torre do lado. Era uma manhã de 2001 e percebi naquele momento que estava vendo a História se desenrolar na minha frente e que aquele dia ainda seria lembrado por muitos anos por todos aqueles que o vivenciaram. Até algum tempo atrás, era meio comum ouvir dos outros a pergunta: “onde você estava na manhã de 11 de setembro”?
Prevejo que essa pergunta retornará de forma atualizada para “onde você estava no isolamento do Coronavírus de 2020?” Afinal, desde a gripe espanhola de 1918 que o mundo não vê uma epidemia desta magnitude. Epidemia essa que deixou marcas tanto físicas quanto psicológicas (como também acredito que esta também deixará).
Temos hoje mais de meio milhão de pessoas infectadas em todo o globo, com uma contagem de corpos superior a 35 mil almas, em todos os continentes. Rico ou pobre, cada nação está tendo sua cota de sofrimento e apreensão. E todos os países e governos repetindo à exaustão a mesma recomendação: fique em casa. Preservar a vida em primeiro lugar, mas sem deixar a economia de lado; felizmente, várias medidas foram e estão sendo implementadas pelos governos tanto federal quanto estadual para que, assim que este surto estiver sob controle, façamos então um trabalho em conjunto para reestruturar a economia, dentre elas:
- “Coronavoucher” de R$ 600,00 para trabalhadores informais;
- Auxílio para pagamento de salários das empresas durante 60 dias;
- Prorrogação do pagamento do IPVA (aqui em Goiás) a partir de agosto;
- Doação de cestas básicas para 500 mil pessoas em situação de vulnerabilidade (também em Goiás).
Além de várias outras medidas que estão em estudo, como utilização de recursos que seriam alocados em outras áreas, agora paradas devido às restrições de trabalho.
Aqui em Goiás, diferente do que aconteceu na epidemia de 102 anos atrás, estamos até o momento com os números sob controle, graças às medidas de isolamento que foram implementadas desde a metade de março. A título de comparação, em 16 de março – começo de nosso isolamento aqui – a situação era a seguinte:
- Total de casos no Brasil – 234 confirmados
- Minas Gerais − 05 casos – 0 mortes
- Goiás − 03 casos – 0 mortes
- Bahia − 02 casos – 0 mortes
- Ceará − 0 casos – 0 mortes
Na última atualização do Ministério da Saúde, (29/03) os números são:
- Total de casos no Brasil – 4.256 confirmados – 136 mortes
- Ceará − 348 casos – 05 mortes
- Minas Gerais − 231 casos – 00 mortes
- Bahia − 154 casos – 01 morte
- Goiás − 58 casos – 01 morte
Alguns argumentam que o baixo número de casos goianos se dá pelo volume de testes para detecção da Covid-19 ser menor que em outros estados, mas nas duas semanas em que temos nos resguardado, os infectados anteriormente já estariam apresentando seus sintomas, possivelmente procurando os hospitais e aumentando assim os números.
Devemos lembrar que, apesar de nossos números se mostrarem mais auspiciosos que os das outras unidades da federação, não podemos baixar a guarda, pois como pode se ver também nas informações acima, em 13 dias passamos de duas centenas para mais de 4 milhares de doentes no país. Se levantarmos o isolamento social, a chance de reprisarmos o que aconteceu na Itália ou Estados Unidos é bem possível. Basta ver o que acontece na Espanha hoje.
Por outro lado, é fato sabido que ser empresário no Brasil não é nada fácil – fico imaginando o quanto devem estar preocupados com seus negócios; eu mesmo já fui um, é só voltar ao começo do texto que faço uma pequena introdução da via crucis – mas se conseguirmos resguardar mais um pouco, as possibilidades de uma retomada econômica serão mais efetivas não só por conta das ações emergenciais que estamos tomando agora, mas também por termos protegido nossa sociedade dos danos psicológicos que certamente restarão dessa crise. E cuidar da cabeça muitas vezes é bem mais difícil do que do corpo.
Fiquem seguros.
Texto: Cristiano Deveras/ABC Digital