Diário do Isolamento IV – “Vá e diga aos espartanos…”
“Porque nem todos os anjos têm asas”
Durante a restrição – como também chamo este isolamento, uma vez que “quarentena” é o termo a ser usado para os suspeitos de contágio – aproveito para ver vários textos, gifs (aquelas imagens animadas, geralmente de caráter cômico) e vídeos que circulam pela rede, escolhendo prioritariamente aqueles com boas dicas e mensagens edificantes. Ainda bem que nem tudo é fel no reino de silicone.
Não que esteja correndo das notícias. O que pretendo evitar é ficar imerso somente em leituras sobre a catástrofe e deste modo acabar como um “Don Quixote da Covid-19”, lutando contra moinhos de vírus.
Por este motivo tento contrabalancear: depois de me atualizar com as reportagens dando conta do aumento (já exponencial) do número de casos e mortes no país, dou uma olhada na situação mundial, pondero e reflito sobre o assunto e depois vejo o outro lado da pandemia, o das boas ações que as pessoas estão fazendo para mitigar nem que seja um pouco o sofrimento físico e principalmente psíquico que andamos passando.
Como é bom ver que nestas horas escuras algumas pessoas conseguem levar o brilho da solidariedade ao seu semelhante. Porque nem todos os anjos têm asas.
- Em uma rede social, vejo por intermédio de um amigo americano que um grupo chamado “Invisible Hands” (Mãos Invisíveis), composto por estudantes, passou a fazer compras para idosos que estejam em confinamento. Tal ação felizmente está bem disseminada por aqui também; jovens têm colado cartazes em elevadores e entradas de supermercados, se disponibilizando para compras e entregas.
- Psicólogos têm se colocado à disposição para acompanhamentos virtuais, gratuitos, para aqueles que sofrem com distúrbios que se agravam com o isolamento, como a depressão e ansiedade.
E além destes incríveis anônimos, alguns famosos decidiram contribuir de alguma forma:
- o bilionário chinês Jack Ma, dono da Alibaba, doou 500 mil kits de testes do Coronavírus, além de um milhão de máscaras;
- o craque Cristiano Ronaldo marcou um gol de placa fora das quatro linhas: disponibilizou seus hotéis na Ilha da Madeira para que fossem utilizados com hospitais neste momento;
- o ex-goleiro do Palmeiras, o eterno São Marcos, disse em uma rede social que irá pagar, por seis meses, dez salários de pessoas que venham a perder o emprego por conta desta crise;
- rivais nos campos de Manchester, os clubes City e United resolveram doar R$ 590 mil para os bancos de alimentos da cidade. E isso são apenas alguns exemplos.
Ações de agradecimento também têm sido muito divulgadas. Pois não são todos que tem a felicidade de poder trabalhar online. Além do pessoal da área de saúde – dos quais falaremos logo após – há todo um batalhão de trabalhadores que, pela importância de seus serviços para a continuação da normalidade, tem que ir às ruas e enfrentar o perigo da exposição: começando com operários das indústrias de alimentos, remédios e outros itens de necessidade básica, passando pelos que trabalham com logística e transporte – caminhoneiros, motoboys, entregadores de bicicletas e afins. Funcionários dos supermercados, mercearias e padarias; empresas telefônicas, de água, luz e gás; bombeiros, policiais, civis e militares, da limpeza pública, aos porteiros dos prédios e todo o pessoal do jornalismo: muito obrigado por seus serviços, pois é o trabalho de vocês na rua que me dão condições para continuar a trabalhar de casa e respeitar a restrição de circulação. Peço também perdão aos profissionais que tenha me esquecido de citar, mas saibam que estão dentro dos agradecimentos acima.
E voltamos ao heroico grupo da saúde, estes que são ao mesmo tempo a vanguarda na luta contra o vírus assim como a última linha de defesa dos que estão já infectados. Do balcão das farmácias, passando pelos laboratórios e indo desembocar nos hospitais, toda uma gama de trabalhadores está travando uma verdadeira guerra. Que por vezes – como vi em um documentário sobre um hospital em Bergamo, a cidade mais atingida da Itália – parece inglória, com um punhado de resistentes batalhando por uma multidão de doentes. Algo que, guardadas as proporções, lembra os 300 de Esparta enfrentando a avalanche de persas. Tal como eles, os profissionais de saúde não deixam seus postos, em contato próximo com os doentes, cujos números não param de crescer e nos assustar.
Leônidas e seus homens entraram para a História como exemplo de resistência e coragem. E sobre vala comum onde foram enterrados, foi colocada uma placa com os versos do poeta grego Simonides:
“Vá e diga aos espartanos, estranhos que passam, que aqui, obedientes às suas leis, jazemos.”
Que saibamos também dar os devidos agradecimentos a estes que, obedientes às nossas leis, se sacrificam por nós.
Texto: Cristiano Deveras/ABC Digital