Cidade de Goiás representa memória local na lista dos patrimônios mundiais

Ainda machucada pela transferência, população viu com desconfiança o início das políticas de preservação do patrimônio da cidade. Quase 70 anos depois, essa preservação e as letras de Cora Coralina fizeram a UNESCO considerar a Cidade de Goiás portadora de cultura para o mundo.

O que representa a ideia de ser nomeado “patrimônio cultural da humanidade”? Esse é o tipo de distinção que elementos significativos de diversas sociedades recebem para indicar seu poder de representar uma memória e uma identidade. E podemos apontar como “patrimônios da humanidade” coisas como o centro de Viena, pinturas rupestres na África, complexos industriais que rememoram a virada tecnológica na Alemanha do Século XIX e muitos outros espaços únicos. No Brasil, a UNESCO nomeou alguns espaços como especiais e “patrimônio da humanidade”. Alguns são ligados a natureza, outros são espaços marcantes, como o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro ou o Plano Piloto de Brasília.

Mas não foram as antigas capitais federais que ganharam esse título. Cidades importantes de nossa história também têm esse reconhecimento, que não foi fácil de obter e demandaram uma longa jornada. A Cidade de Goiás, com uma população ainda magoada por ter deixado de ser capital estadual, viu com muito receio a chegada de técnicos do DPHAN (Diretoria de Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – precursor do IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o início de estudos para o tombamento de prédios antigos dentro do núcleo inicial de Goiás. Para alguns, seria a consolidação de uma situação de enfraquecimento e esvaziamento do papel de destaque que havia começado com a transferência da capital do estado. Para outros, porém, foi a possibilidade de criar novas possibilidades para a cidade. O tombamento de prédios como o palácio Conde dos Arcos, a Casa de Câmara e Cadeia ou mesmo chafariz de cauda da Carioca teve papel importante para o DPHAN, já que eles estavam ligados a uma política maior, de consolidação de uma “identidade nacional” que acabava por absorver como imagens importantes nessa construção prédios com a estética lusitana do período colonial.

Curiosamente é uma organização surgida quase como uma herdeira do movimento anti-mudancista que acaba por encabeçar uma série de ações que procuraram garantir à Cidade de Goiás o papel de destaque no cenário goiano – e brasileiro – da cultura, elevando a antiga capital ao papel de berço da cultura do estado, com a revalorização de práticas e fazeres tidos por tradicionais. A OVAT (Organização Vilaboense de Artes e Tradições) teve um papel dominante na construção dessa imagem de uma Goiás cultural e tradicional. É por incentivo dessa organização que serestas, roteiros turísticos e mesmo festas como a Procissão do Fogaréu passam a ser trabalhados como atrativos e elementos especiais sobre um modo de ser “vilaboense”. Foi no momento em que a OVAT começou a vislumbrar os tombamentos que o SPHAN e o IPHAN fizeram como solução para a condição de perda de prestígio que a cidade de Goiás passou a ganhar a imagem de “cidade histórica e turística”.

No empenho em valorizar a cidade e a cultura produzida nela que a presença de Cora Coralina como uma poeta de destaque foi se consolidando como ícone cultural. Mesmo tendo vários nomes celebrados localmente, foi Cora que alçou a imagem de Goiás como lugar de cultura. E nesse empenho elaborou-se o “Dossiê Goiás”, um documento que buscou reunir argumentos para mostrar como o centro da cidade de Goiás, seu núcleo histórico, tinha elementos singulares para a história regional e nacional. E todo o esforço empreendido pelo poder público e por organizações da sociedade civil foi recompensado com a declaração da Cidade de Goiás como “patrimônio histórico mundial” na reunião da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 14 de dezembro de 2001.

Como de costume, a UNESCO apresentou vários sítios para integrar a lista naquele ano, e junto com a cidade de Goiás, também receberam o título de “patrimônio da humanidade” outras 30 localidades, entre elas as ilhas atlânticas do Brasil e os parques nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas.

A cidade de Goiás tornou-se um patrimônio mundial e isso garantiu ainda mais exposição e incentivos para a preservação e o cuidado com a cidade e a cultura. Mas não apenas o centro da cidade é a construção de um povo e a representação daquilo que é sua cultura e sim todo a sua extensão, mostrando desde a cultura celebrada da elite dominante até a cultura popular, muitas vezes invisibilizada nas zonas menos “turísticas” da cidade. O título de patrimônio mundial que a UNESCO outorgou para a cidade de Goiás impõe muitos desafios para a cidade e todos seus atores públicos e privados, ainda que seja um grande reconhecimento para o que é a “Vila Boa de Goyaz” na organização social e cultural do Brasil Central.

Givaldo Corcinio – historiador – ABC Digital

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