Agente da própria emancipação: o 20 de novembro como marco para a população negra brasileira
Entre uma liberdade “dada” pela monarquia em declínio e a situação de exclusão ganha cotidianamente, a população negra busca construir um caminho diferente, com cultura, reflexão, memória e ações que beneficiam o conjunto da sociedade.
Quando se aproxima o dia 20 de novembro, a narrativa de que somos um país onde todos os grupos étnicos se reúnem para formar uma nação exemplar de igualdade racial e onde conflitos dessa natureza não ocorrem é apresentada por quem se opõe à institucionalização da data. Já os movimentos que valorizam a data apontam que tal narrativa foi construída justamente para esconder os conflitos e as ações objetivamente empreendidas para deixar negros e outros grupos fora do “espetáculo” que seria a sociedade brasileira.
A data presumida da morte de Zumbi dos Palmares (20 de novembro de 1695) passou a rivalizar e superar o dia da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, então regente do Brasil em nome de Dom Pedro II (13 de maio de 1888), em importância para os movimentos negros por conta da construção de uma imagem do negro, enquanto agente da sua emancipação e não mais alguém que precisou da bondade de uma integrante da elite que, de forma benévola, teria “dado” a liberdade para os escravizados.
Essa construção deu-se à medida que intelectuais, artistas e pensadores negros propuseram ações e reflexões sobre a condição dos negros que, depois da 1888, foram relegados à condições tão precárias quanto antes da dita lei. Vsto que a “liberdade” oferecida pelo Estado Brasileiro não acompanhou condições de inclusão desses “libertos” na economia e na sociedade nacional. Desse modo, aos negros foram impostas condições precárias de sobrevivência, que se reproduziram com o passar dos anos pós-lei áurea, mantendo grandes contingentes de negros à margem das transformações de ocorriam no Brasil.
Exclusão
Essa situação de exclusão não é presente apenas nos Brasil, já que é possível constatar tal condição em todos os países do continente americano onde vigorou o tráfico de seres humanos. Movimentos para melhorar as condições de vida dos negros são mais visíveis e atuantes no Brasil, EUA, Venezuela, Colômbia e Uruguai. E se hoje no Brasil essa situação, suas consequências e seus causadores, são discutidos e geram um grande impacto nas mídias e no cotidiano das pessoas, isso se deve em parte à atuação de grupos como o Frente Negra Brasileira, fundada nos anos 1930 em São Paulo, e o Movimento Negro Unificado, que nos anos 1970 e 1980 tinha na denúncia de ações discriminatórias de instituições um de seus modos de operação. Havia também outras iniciativas que buscavam trazer à luz artistas invisibilizados e mudanças nas condições das comunidades pobres, onde se encontrava (e ainda se encontram) um grande contingente de negros e negras. Assim, autores como Solano Trindade e Abadias do Nascimento passam a ser estudados e interpretados fora dos espaços tradicionais da cultura e da arte dominante.
Os anos 1980 foram de grande efervescência, não só no movimento negro, como em diversos outros setores da sociedade brasileira. O fim do regime de exceção e a retomada da vida democrática abriram diversas possibilidades para esses grupos, que se mobilizaram para discutir temas de interesse não só aos negros, mas também a outros grupos silenciados em diversos momentos da história nacional (mulheres, índios, analfabetos e pobres). Grupos que participaram ativamente na elaboração da nova constituição brasileira, chamada de “Constituição Cidadã”. É nesse cenário que o Movimento Negro Unificado se oficializa em Goiás, a partir de discussões e anseios de estudantes das universidades da capital do estado.
Mudanças políticas
Nos primeiros anos do século XXI, as mudanças politicas que se fizeram perceber no Brasil trouxeram não apenas um novo grupo para o centro do governo federal e suas estruturas burocráticas, mas também novos atores puderam atuar de modo a favorecer a implementação de politicas afirmativas, buscando transformar o cenário de reprodução da pobreza e de exclusão visível no cotidiano do país. Exemplo dessas ações foram as cotas para estudantes negros nas universidades federais. Vista por estudiosos como uma “reparação da dívida história da sociedade com os negros”, ações como essas foram alvos de questionamentos por grupos variados. Entretanto, tais políticas começaram a modificar a aparência do ensino superior brasileiro, aumentando a presença de jovens autodeclarados negros, assim como fomentando um processo de revalorização de práticas culturais antes esquecidas e trazendo novas perspectivas para a Universidade.
Como a sociedade é um organismo vivo que reage aos estímulos do mundo, o atual momento das diversas democracias da América marca também um momento de recrudescimento do conservadorismo, que nega a diversidade cultural e racial da sociedade, e também as problemáticas do racismo estrutural presente onde elas se encontram. Todavia, também é visível a renovação cultural com autoras e autores negros que vão além das discussões étnico-raciais, discorrendo também sobre outras questões, como Djamila Ribeiro, Luiza Bairros, Ângela Davis, Sílvio Luiz de Almeida, assim como toda uma produção cultural, artística e intelectual popularizada pela internet, como Stephanie Borges e Vitor André, o “Super Choque Carioca”.
Givaldo Corcinio – Historiador – ABC Digital