Jornalismo, uma missão arriscada: escrevendo o que nem todos querem ler

O jornalista anda no fio da navalha diante de poderosos e opinião pública para informar

Um tiro numa noite escura buscou silenciar um jornalista há 191 anos, numa rua de uma São Paulo muito diferente da que vemos hoje na mídia. Apesar da distância no tempo, ainda hoje muitos poderosos acham que, como na São Paulo do período imperial, é pela força que se pode evitar denúncias e críticas à sua conduta.

O jornalista era Líbero Badaró, médico italiano radicado no Brasil desde 1826. Ele havia se tornado professor na Faculdade de Direito do Largo do S. Francisco e também tinha uma forte militância liberal por meio de artigos escritos no seu jornal “Observador Constitucional”. Seus artigos criticavam o governo local e também o de Dom Pedro I. O episódio da sua morte acabou por fomentar ainda mais descontentamento contra o imperador.

Os conflitos, que já estavam latentes desde 1824, quando do fechamento da Assembleia Constituinte pelo imperador para outorgar a sua própria versão de constituição, ganharam força com o assassinato de Badaró e desfecharam-se com a abdicação do trono brasileiro por D. Pedro em sete de abril de 1831, depois de confrontos abertos entre brasileiros e portugueses na chamada noite das Garrafadas.

Presença recente no Brasil

Se a ação contestadora de Badaró causou a sua morte, ela serviu de referência para quem passou a atuar nessa área. Muitas pessoas buscaram usar esse novo meio de comunicação, o jornal, para divulgar o que pensavam e criticar aquilo que viam como ações despóticas de poderosos e desafetos. Governos também aproveitavam desse modo de circular informações para divulgar seus atos ou registrar a sua própria forma de contar a História.

Assim surgiu no Brasil a atividade jornalística. Cabe notar que estudiosos afirmam que o jornalismo estaria presente desde o Império Romano, mas no Brasil ela só aparece com a liberação do estabelecimento da imprensa no território colonial, em 1808.

Mas se o jornalismo estabeleceu-se com a chegada da família real portuguesa no Rio de Janeiro, o estudo sistemático e a formação acadêmica só apareceram no Século XX, com o surgimento de cursos universitários que buscavam ensinar o modo de apurar, elaborar e apresentar a notícia. É na cidade de São Paulo que surge o primeiro curso da área no Brasil, na faculdade Cásper Líbero, em 1947. Posteriormente surgem cursos no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, ambos em 1958. Apenas nos anos 1960 que há uma expansão dos cursos de comunicação e jornalismo, que se espalham pelo país.

Referência e herança

Antes dessa expansão no Século XX, ser jornalista exigia conhecimento prático e coragem de enfrentar as “reclamações” de alguns indivíduos desgostosos com o que era divulgado, como foi com Líbero Badaró. A ideia de que os jornais não deveriam ser empresas que objetivavam lucro, mas sim um serviço ao público, motivou o surgimento da ABI em 1908. A Associação Brasileira da Imprensa formou-se no Rio de Janeiro e buscou inicialmente ser uma espécie de “caixa de benefícios” apoiando jornalistas em contendas contra jornais ou políticos.

Fortalecendo-se nesse sentido, a ABI ganhou projeção e passou a estar presente em diversos movimento onde a imprensa – e os jornalistas – eram um ponto de apoio importante, como a campanha “O Petróleo é Nosso”, pela criação da Petrobrás em 1953, o fim da censura prévia (anos 1970 e 80) e o impeachment do presidente Fernando Collor (1992).

De jornalismo “marrom” a prêmio para jornalismo de destaque

Atualmente o prêmio oferecido para jornalistas pelo seu trabalho investigativo e para autores literários mais famoso é o Pulitzer. Destinado a jornalistas e jornais norte-americanos, ele foi estabelecido em 1917 por desejo de Joseph Pulitzer, jornalista e dono de empresas de mídia que crioaram novas formas de produzir e difundir suas ideias.

Inicialmente os jornais por ele comandados ganhavam destaque por seu posicionamento combativo a favor do operariado e pelo trabalho investigativo contra a corrupção política, porém com o tempo também se destacavam pelas notícias inventadas ou superlativas, pelo uso ostensivo de fotografias e por trabalhar temas populares, como os esportes ou sessões dedicadas às mulheres. Depois de muitas críticas, sérios conflitos comerciais e o desenvolvimento de problemas de saúde, Joseph Pulitzer doou sua fortuna para o estabelecimento de escolas de jornalismo e do prêmio em si.

Nas terras dos Goyazes…

O primeiro jornal em terras goianas foi o “Matutina Meiapontense”, criado em 1830 pelo comendador Joaquim Alves de Oliveira na cidade de Pirenópolis (antigamente Meia Ponte). Na cidade de Goiás, capital até 1937, muitos outros jornais surgiram, muitas vezes vinculados às facções políticas que ali se batiam entre si.

Mas também surgiam outros veículos, como o jornal “O Lar”, escrito por mulheres que refletiam sobre questões como o direito ao voto, divulgação cultural e maternidade, além de noticiar sobre fatos locais. Entre aqueles que assinavam matérias e colunas nesse jornal, encontravam-se Leodegária de Jesus, Genesi de Castro e Érico Curado.

Lembrando do resultado da Noite das Garrafas, a ABI considera o dia sete de abril como dia do jornalista. E, considerando sua função, o jornalista para ter sucesso hoje precisa ter muito em comum com Libero Badaró, especialmente a vontade de enfrentar riscos para conseguir apresentar ao público informações que “desafinem o coro dos contentes”. Pois como disse George Orwell, “jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”

Givaldo Corcinio – historiador – ABC Digital

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